ESTATUTO DO TORCEDOR
Antonio Carlos Teixeira (*)
Em uma única, mas oportuna entrevista, o Observatório da Imprensa levou ao consumidor de notícias esportivas o que muitos jornais, rádios e TVs deixaram de fazer durante o tempo em que o Estatuto do Torcedor ficou no forno. Confesso que há pouco (ou quase nada) a acrescentar à excelente entrevista do OI com o jornalista Juca Kfouri, um dos que participaram da elaboração do documento [veja remissão abaixo].
Só pequenas ressalvas a fazer, como à declaração de Juca de que o estatuto foi bem divulgado. Não é verdade. Com raríssimas exceções, a mídia só passou a se preocupar com a sanção do código depois da ameaça frustrada da cartolagem de paralisar o Campeonato Brasileiro, em represália ao suposto rigor do documento.
Também não concordo com a afirmação de que o governo não arredou pé em sua decisão de manter intacto o estatuto. Ao receber uma comitiva de cartolas em Brasília, o ministro dos Esportes Agnelo Queiroz admitiu, sim, avaliar as reclamações que partiram do Rio de Janeiro. A mal-alinhavada estratégia dos cartolas, que saiu de reunião na qual se fizeram presentes verdadeiros algozes do futebol brasileiro, como Eurico Miranda, Caixa D?Água e Ricardo Teixeira (CBF), é que por si só nasceu morta.
O Estatuto do Torcedor é ótimo, perfeito. Nada a excluir; só a acrescentar. E aí entra minha crítica ao comitê que elaborou o código, que perdeu a grande oportunidade de "enquadrar" parte da mídia esportiva. Até porque nunca se leu ? e se ouviu ? tanta crítica dos torcedores contra alguns setores da imprensa esportiva. Eu diria que o torcedor está esperto, e começa a se defender. Quando pode contrapõe-se àquilo que acha errado ou julga injusto. Pena que não exista feedback de suas reclamações. Ouvidor, então, nem pensar! Se o torcedor se arrisca a enviar fax, carta ou e-mail com críticas a uma redação de rádio, por exemplo, é desarmado ao vivo. O profissional alvo da crítica usa o microfone para rebatê-la. E pronto. A verdade ? e a última palavra ? fica do lado de quem empunha o microfone. Não raro, o torcedor é chamado no ar de "idiota", como já cansei de ouvir.
Já que se elaborou um código específico sobre o futebol, por que os integrantes do comitê, entre eles Juca Kfouri, não se preocuparam em incluir mísero artigo que protegesse o torcedor de parte da mídia esportiva? Um exemplo: a TV Globo simplesmente brinca de transmitir jogos de futebol. A emissora monopoliza os direitos de transmissão dos campeonatos realizados no Brasil e na América do Sul, mas não os utiliza, privando a concorrência de entrar nesse mercado e, assim, ampliar as opções para os telespectadores.
Baixaria em quantidade
Falo por experiência própria. Quem mora em Brasília está tendo de engolir a overdose de Flamengo nos últimos meses. Em 30 dias, a Globo local exibiu pelo menos oito jogos do time carioca. A direção da emissora utiliza um discurso que merece até queixa nos órgãos de defesa do consumidor. A alegação para essa overdose são, naturalmente, os preciosos pontos no ibope. E desde quando o tamanho da audiência significa qualidade da programação? Usa-se espaço em jornal e na TV para disparar críticas contundentes contra os programas vespertinos, como os da Rede TV! e da Record, além dos dominicais da Globo (Faustão) e SBT (Gugu). A preocupação é tanta com a tal "qualidade da programação" que a Câmara dos Deputados criou uma comissão para vigiar as emissoras brasileiras. No futebol, a Globo faz o mesmo ao exibir, à exaustão, os jogos do Flamengo. Nada contra o glorioso rubro-negro, clube de maior torcida no Brasil.
O que se cobra é a oferta maior de atrações para o torcedor de Brasília. Garanto que a Capital Federal não respira só as bonitas cores vermelha e preta. Mesmo que isso fosse verdade absoluta, onde está a isenção da Globo? É pedir demais! O pior é que não há concorrência. A emissora carioca reina sozinha no mundo das transmissões do futebol. A Record exibe os mesmos jogos que a Globo, num acordo que requer profunda e imediata investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça. Qual é a estratégia da rede do bispo Edir Macedo?
O nobre observador, amante do futebol, deve estar se perguntando: qual a saída, então? Sugiro que o governo reveja, sim, o Estatuto do Torcedor, mas para incluir artigos que deixaram de constar. Nada disso que abordamos será resolvido se não houver legislação rigorosa que enquadre TVs, rádios e jornais ? a chamada parte podre da mídia esportiva, que se especializou em elaborar manchetes mal-intencionadas, em destacar pautas mal-apuradas e apostar numa linha editorial extremamente clubística e bairrista.
Como se vê, a mídia esportiva também tem seus faustões, gugus, joões kléberes… E, claro, em maior quantidade. Azar do torcedor.
(*) Jornalista em Brasília
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