TELEJORNALISMO EM CLOSE
Paulo José Cunha (*)
Toda charge é engraçada? Não. Algumas charges são engraçadas? Sim. Mas existem casos em que as charges fazem chorar? Sim. O chargista é um humorista? Não. Então, a charge deve ou não deve ser considerada uma categoria do humor? Sim, deve. Mas como, se muitas vezes a charge não é engraçada, embora seja inteligente? Ah, não complica.
Na verdade, a charge é um bicho muito estranho, meio pedra meio tijolo, situada no limite entre o jornalismo e o desabafo, entre a crítica e o atrevimento. Por isso sai sempre ali, na página de opinião, ao lado do editorial, encostada na coluna das cartas dos leitores. Ou exibida bem na primeira página, só pra provocar. A charge perde muito de seu impacto quando vira piada, chiste, gozação gratuita. Vulgariza-se. Pois fazer rir é ofício nobre de humoristas ou palhaços, não de chargistas.
Chargista que se preza não atua no território da gargalhada. O bom chargista é um indutor da reflexão.
Reflexão, eis a palavra-chave que pode explicar a sensação de que alguma coisa está fora da ordem quando a gente assiste ao Jornal Nacional e bruscamente, lá pelo meio, entra no ar a charge eletrônica de Chico Caruso. Não sei qual tem sido a receptividade do quadro. Se estiver sendo boa, por favor, jogue esses comentários na primeira cesta de lixo que encontrar. Se não estiver, como suspeito, vamos tocando o barco.
O leitor já deve ter-se flagrado meio sem jeito quando, abruptamente, sem aviso nem chamada, a charge do Chico entra no ar. Como sempre trata de política (interna ou externa), a primeira sensação é a de não estar entendendo direito. A ficha demora a cair um pouco. Soube que Caruso não consegue produzir mais que uma charge daquelas por dia, pois se trata de produto altamente elaborado. Chico é chargista de fino acabamento. Acabamento demorado. Algumas de suas caricaturas bem poderiam ser emolduradas e penduradas na parede. Merecem. Daí a dificuldade de comentar o fato do dia. É bom lembrar que todo bom chargista acorda cedo e começa a ler os principais jornais do país, até que lhe ocorra uma boa idéia. Muito raramente trabalha sobre o fato do dia, principalmente um artista como Chico, que precisa de muito tempo para fazer o acabamento. Tida a idéia, é feito um esboço, e só então começa o desenho. Depois do desenho é que vem a pintura. Isto pra jornal. Agora, imagine todo esse processo tendo em vista uma produção que deverá ter animação, além de efeitos sonoros, seleção de vozes, montagem e mixagem. Claro que o computador acelerou muito esse trabalho, mas, ainda assim, é lento.
Trem complicado
Dessa forma, a charge, no jornal, pode perfeitamente comentar o assunto da véspera, pois jornal não é veículo instantâneo. Mas televisão é. Daí a dificuldade de obter impacto com uma charge que normalmente trata de assunto velho num meio instantâneo, como a tv, perdida ali entre as notícias frescas do dia. O resultado é muito esquisito. E não tem nada a ver com a genialidade de Caruso nem com os recursos que lhe são postos à disposição. Basicamente, o problema reside nesse delay entre a notícia e sua sátira, como também no fato de que Caruso parece não dominar ainda todas as possibilidades da animação. Na maioria das vezes faz charge parada que ganha movimento, não charge criada originalmente para ter som e movimento. Some-se a isso a ausência absoluta de contextualização da charge pelos apresentadores e sua inadequação num meio ? a televisão ? que definitivamente não privilegia a reflexão, pelo contrário.
Chico Anysio, numa antiga entrevista, comentava a diferença entre o humor do teatro, da tv e do cinema. Lembrava que o riso é um fato coletivo, e exemplificava dizendo que a gente se acaba de rir num filme exibido num cinema e não vê graça nenhuma quando, sozinho, assiste ao mesmo filme na tv. A sensação é parecida com a que se tem ao assistir sozinho a um desses programas humorísticos. Quando tem mais gente na sala, até dá pra rir. Quando estamos sozinhos, até o delicioso humor de Chico Anysio nos parece enfadonho. Chico explicou que essa necessidade de "coletivização" do riso foi a responsável pela criação da risada eletrônica na tv, aquele riso colocado logo após a piada para "lembrar" ao telespectador ? como se faz com as claques de auditório ? que está na hora de rir…
Ora, a charge, como vimos no início, sequer se enquadra na categoria dos produtos feitos para rir. Solta no meio de um telejornal, sofre um processo de deslocamento tão forte que não funciona como objeto de reflexão nem, por sua vez, provoca a gargalhada. Até porque, pra conseguir provocar a gargalhada, tinha de ser seguida por um tempo morto ou que, pelo menos, o Bonner ou a Fátima esboçassem um sorrisinho, mas eles já engatam outra chamada e segue o baile. Sem falar que o humor requintado de Chico Caruso é, por vezes, de difícil compreensão para o público do JN.
E olha: ninguém mais do que eu torce para a charge eletrônica dar certo. Mas, por enquanto, o trem tá complicado. A menos que esse troço esteja dando o maior ibope. Neste caso, ainda dá tempo de embolar o papel e jogar esta minha lenga-lenga na primeira cesta de lixo que encontrar por aí.
(*) Jornalista, pesquisador, professor da professor da Faculdade de Comunicação da UnB. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <pjcunha@unb.br>