REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Deonísio da Silva (*)
Os dicionários nos informam que o espanhol deu-nos a palavra composta quinta-columna, forjada durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) para designar os que, atuando na capital, apoiavam as quatro colunas rebeldes que marchavam contra Madri. Um outro significado apareceu mais tarde, indicando o indivíduo (estrangeiro ou nacional) "que atua sub-repticiamente num país em guerra ou em via de entrar em guerra com outro, preparando ajuda em caso de invasão ou fazendo espionagem e propaganda subversiva", segundo o dicionário Aurélio.
Pois foi a lembrança da dolorosa guerra travada na pátria de Teresa d?Ávila que veio à memória do signatário quando leu a Folha de S.Paulo de sábado passado (7/6). Enquanto a maioria do servidores vive o drama dos baixos salários, associado à ameaça, cada vez mais concreta, de uma reforma da Previdência que simplesmente vai roubar dos servidores o que eles compulsoriamente adiantaram ao Estado durante uma vida inteira de trabalhos, príncipes e nababos vivem numa ilha de fantasia que os faz arrebatar dos cofres públicos quantias que beiram os R$ 30 mil mensais. Mas o que estão fazendo para merecerem tão altos salários? O que fazem de tão diferente?
O pior é que justamente o Ministério da Educação, o MEC, que ainda carrega há décadas o C da Cultura que não tem mais, encabeçava o destaque colorido para a manchete: "20 mil servidores ganham mais que Lula".
Aos exemplos listados. Na Universidade Federal do Ceará há um docente ou funcionário recebendo R$ 19.521,23 mensais. Na Universidade Federal de Uberlândia, há outro caso horripilante. O tal alguém recebe R$ 16.252,10. E na Universidade Federal do Espírito Santo o felizardo é quase pobre em relação ao maior salário do MEC: recebe "apenas" R$ 16.177,46 mensais.
Batendo em retirada
No decorrer da ditadura militar as associações de docentes cumpriram um papel glorioso em favor da redemocratização. Pois que agora venham ao proscênio e lutem para que tamanhos desmandos sejam erradicados. De preferência, seria de bom-tom, em homenagem à transparência tantas vezes proclamada, que os nomes fossem publicados. Quem sabe, as diversas comunidades universitárias, em primeiro lugar, poderiam entender certos comportamentos ou omissões de colegas de campus de concentração. E o resto do Brasil entenderia mais claramente que a questão dos salários dos servidores públicos está muito mal-formulada.
Já está claro, por exemplo, que as universidades federais, que dizem valorizar a docência e a pesquisa, na verdade se contradizem ainda nos holerites, pois a casta administrativa chega a receber em alguns casos o dobro do que recebem os mais qualificados indivíduos que ali ministram aulas, fazem sua produção intelectual e suas pesquisas.
Precisamos dar às coisas os nomes que elas têm. Trata-se de roubo, seja qual for o eufemismo com que se queira encobrir esses supersalários vergonhosos. É por causa daqueles exatos 20.232 servidores que todo o resto deve ser roubado na reforma da Previdência? Mas onde está a prometida conversa clara? Para onde foi o esperado trato justo?
Com as devidas cautelas para não se deflagrar de novo uma caça às bruxas, como fez o governo Collor com a sua campanha contra os marajás, é preciso ajudar o governo. Soa estranho um intelectual clamar por ajuda ao governo? Mas os tempos são outros. E precisamos ajudar o governo a não errar!
No caso dos docentes, há uma realidade devastadora em implantação já iniciada. Doutores formados pelas universidades públicas estão sendo contratados por universidades privadas que não investiram um tostão nesses doutores.
E com a reforma da Previdência, tentando fazer com que não roubem tudo o que já pagaram, muitos doutores estão batendo em retirada. Reitero: já recolheram, pois o servidor público não poderia burlar a Previdência de jeito nenhum, já que pagou na fonte, como ao Imposto de Renda.
(*) Escritor, professor, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú