Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Roberto Maciel

O POVO

"Aumento? que aumento?", copyright O Povo, 31/5/03

"Notícia mais auspiciosa, impossível: ?Carteira assinada ? Emprego formal cresce 624%?. Foi essa a manchete do O Povo em 19 de maio. O jornal reproduzia matéria da Agência Folha, baseada em informe do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho e Emprego. Emprego formal é o de carteira assinada, segundo a terminologia técnica. E o dado não era preciso. Na verdade, haviam aumentado as contratações entre março, com 21.261 registros em carteira, e abril, com índice de 154.024. A diferença representa 624%, sim. Isso, no entanto, não significa que o emprego formal tenha crescido nessa proporção, mas só que o número de contratações aumentou no período. A variação foi de 0,69% a mais no contingente de trabalhadores com carteira assinada ? informação não dada pelo O Povo, mas que pode ser conferida na Internet (http://www.mte.gov.br/temas/caged/Estatistica/Textos/2003/Abril/sumario.asp ).

Ainda no dia 19, apontei o erro. Dias depois, a editora-executiva do Núcleo de Negócios, Regina Ribeiro, me expôs sua análise ? a de que não houve falha. Para isso, baseava-se em consulta a especialistas. Discordamos no geral, mas em um ponto consentimos: a manchete não foi ?cristalinamente clara?. Além disso, uma seqüência de matérias contradisse o noticiado. Ei-las: ?Trabalho ? Desemprego aumenta com queda da produção? (O Povo, 21/5, sobre o setor industrial); ?IBGE ? Renda média cai e taxa de desemprego cresce? (O Povo, 22/5, sobre pesquisa do IBGE); ?Déficit é de 2.487 postos de trabalho ? Emprego formal recua no Ceará? (?Diário do Nordeste?, 24/5, sobre o levantamento do Caged); ?Desemprego em São Paulo bate recorde e atinge 20,6%? (?Folha de S. Paulo?); ?Número de desempregados na Grande São Paulo é o maior da história: 1.941.000? (?Agora São Paulo?); ?Desemprego supera 20% e é o maior da história? (?Jornal do Brasil?), estes últimos de quinta, 29, sobre pesquisa do Dieese.

Praia que a omissão carregou

Apontar demandas sociais, promover o debate e estimular a busca de soluções é uma das atribuições do bom jornalismo. E, como no caso das UTIs, têm-se agora uma pauta de igual relevo: a Praia de Iracema. A situação de abandono ao qual o bairro está submetido retrata diversos aspectos políticos e administrativos. Alguns dos problemas mais visíveis relacionam-se a segurança pública, defesa da criança e do adolescente, prevenção do uso de drogas e de doenças sexualmente transmissíveis, controle da entrada de estrangeiros no Brasil, emprego e renda nos setores hoteleiro, de restaurantes e da construção civil, infra-estrutura urbana e patrimônio histórico. Comprometem, pois, as gestões municipal, estadual e federal. Não é pouco.

O Povo, com uma série de matérias iniciada na semana passada, levantou a questão, mas isso não o torna dono da pauta. É legítimo, então, que outros veículos se integrem à discussão. Não estão em jogo só os interesses corporativos de uma ou outra empresa de comunicação, mas a restauração de um marco de Fortaleza. E a imprensa tem diante de si, mais uma vez, uma boa oportunidade de se justificar para a sociedade.

O velho e o mar. E a ponte

Ainda no capítulo Praia de Iracema, O Povo publicou quinta-feira foto de um popular morador do bairro, Zairton Ferreira Lopes, o ?Velho da Gruta?, que morreu na terça. A legenda (des)informava: ?Zairton Ferreira, diante da Ponte Metálica, em foto de sete anos atrás: também um resistente do bairro?. A imagem mostrava-o, porém, diante da Ponte dos Ingleses ? projetada nos anos 20 pelo engenheiro José Barros Maia, o ?Mainha?, para ser um cais, mas nunca concluída. Símbolo afetivo de muitas gerações, a estrutura foi recuperada pelo Governo Estadual em 1994 e tornada atração turística. Notei a falha, mas a Redação divergiu, alegando que é ?popularmente chamada de ponte metálica? ? o que foi escrito em matéria no dia seguinte. Mais um erro. ?Ponte Metálica?, ou ?Ponte Velha?, é como se conhece outra construção, mais à frente ? o Viaduto Moreira da Rocha, que efetivamente funcionou como cais no início do século XX. Vale reproduzir trecho do livro Fortaleza de Ontem e de Hoje, de Miguel Ângelo Azevedo, o Nirez, de 1991: ?Ultimamente tem havido na imprensa de Fortaleza um engano lamentável, a troca da identidade de ponte metálica (…). Passaram a chamar a ponte dos ingleses de ponte metálica?. Pelo visto, há uma distorção para a qual contribuíram os veículos de comunicação. E ainda contribuem. Pior para o leitor: O Povo errou mais uma vez nesse caso e, mesmo alertado, não reparou a falha devidamente.

Perguntas ainda sem respostas

Há duas semanas, O Povo formulou quatro perguntas referentes à vergonhosa fraude na Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Vamos retomá-las, contextualizando-as:

? Quem redigiu a nota assinada pelos médicos, na qual denunciavam-se 236 mortes por falta de UTIs?

? Quem fez o levantamento das mortes ? que eram fictícias?

? Onde está a relação nominal dos mortos?

? Por que a nota só chegou à Secretaria da Saúde do Estado após sair na imprensa?

As respostas, fundamentais para a sociedade e a Justiça conhecerem os manipuladores, ainda não foram dadas. A imprensa inexplicavelmente silenciou sobre o caso na última semana. Omissão ou dificuldade de apurar fatos novos? Ou, ainda, a simples espera de que alguém, arrependido, faça mea culpa ? nem que seja por meio de um assessor de imprensa? Enfim, alguém naquela Santa Casa católica, além de descumprir o oitavo mandamento da Lei de Deus ? ?Não levantar falso testemunho? ? ignora o segundo mandamento da Igreja, que orienta o fiel a confessar-se pelo menos uma vez por ano. Como ensina o catecismo, ?a confissão é o único meio de purificação da alma, da certeza do perdão dos pecados?. É, também, modo de se prestar contas com a lei dos homens.

O que muda

O Povo inicia hoje uma série de alterações, detalhadas nesta edição. Há acréscimos, supressão e migração de conteúdo. Mudanças em jornais são comuns. São adequações e, em muitos casos, melhorias. Espera-se que o leitor seja o maior beneficiado."