Era mais elegante com o leitor começar este texto xingando o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o governo chinês. Mas, sinceramente, prefiro ignorá-los. COI e China se merecem nas suas madrugadas. Não gasto um pingo de insônia para ver este circo chamado Jogos Olímpicos de Pequim 2008. E a síntese do encontro doentio que levou uma ditadura a ser escolhida para encarnar o tal espírito olímpico é a troca de uma menina chinesa por outra na hora de cantar o hino do país.
Para quem ainda não está pasmo, lá vai: a cantante apenas dublou o talento de outra, quase da mesma idade, porém, segundo um dos organizadores da cerimônia, feia demais para representar o ‘interesse nacional’ naquele momento. Bom, posta a conseqüência, procura-se a causa: a mídia tem culpa nessa ditadura que faz do mundo visto pela televisão ser invariavelmente incrível?
É óbvio que tem. Vamos aos atos e fatos. A cerimônia foi vista por quatro bilhões de pessoas. Puro chute! Nenhum people meter pode contar isso. Mas, tudo bem, um bocado de gente viu a cerimônia pela TV. E era tudo para ver pela televisão mesmo. Nada podia dar errado. E não deu. Até que noticiam: a menina foi trocada porque a outra fora considerada feia. Por Nossa Senhora, são crianças! Mas é a implacável ditadura da beleza na televisão. E todo país tem isso. Se me permitem, ouso falar do Brasil, porque sou incompetente para falar do mundo.
Mudanças pontuais, lentas
A televisão no Brasil é caucasiana da medula às luzes no cabelo. E mais, sei lá quantos por cento, mas bem mais que a metade dos atores, atrizes e jornalistas de TV, são altos, bonitos, com rostos e corpos simétricos. Feio não tem espaço na TV. Preto tem pouco. Preto feio então… Nananinanão. Veja bem, não é recalque. Todo feio tem até mais facilidade em se habituar a viver. Até porque somos maioria no mundo real. Mas, simplesmente, fiquei chocado com o fato de a tal ditadura da beleza na televisão não ter nem restrição de idade. E é bem claro que quem dirige a televisão age para que isso aconteça.
Ora, pensemos em diversidade, releiamos O Patinho Feio, Hans Christian Andersen. Vamos descer da redação, andar a pé, olhar para o lado. O Brasil não é o que se mostra na TV. Para ser mais objetivo, miremos as bancadas dos telejornais. Gente, até a BBC tem mais preto e oriental declamando uma escalada! E imprime gente feia também. Uma amiga muito querida que trabalha na BBC costuma brincar desmembrando assim a sigla da emissora: Baranga Broadcasting Corporation. E é assim mesmo. E é bom que assim seja. No Brasil, há mudanças pontuais, tímidas e lentas. A TV precisa de mais gente feia. E logo! Do contrário, o mundo é incrível, fantástico demais, farta, cansa só de pensar e ver pela telinha.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ