NOVELA DAS OITO
José Renato M. de Almeida (*)
As Organizações Globo, através de seus diversos segmentos, repercutem a audiência de seus produtos, como a novela Mulheres apaixonadas, e o fazem com tal força e volume que conseguem dar novo status às mulheres enciumadas, submissas, carentes, inseguras ou com a afetividade desorganizada.
As antigas denominações utilizadas para descrever esses tipos de comportamento feminino não têm o glamour que o termo paixão inspira. Assim, em vez de "mulher de malandro", para identificar aquela que se submete a todas as alterações de humor do companheiro para desfrutar de breves momentos de aconchego, ou "Amélia", para caracterizar aquela que faz tudo que seu parceiro quer sem reclamar ou nada exigir, passa a cativar sua maior audiência, as próprias mulheres, induzindo-as a pensar que os diversos desvios comportamentais são decorrentes da paixão e do amor desmedido que elas sentem.
Tal deformação, provocada nos vocábulos para denominar uma emoção diferente visando disfarçar o significado verdadeiro diante da audiência, é antiga. Durante décadas revistas nacionais como O Cruzeiro, nas reportagens, e Grande Hotel, Sétimo Céu e Capricho, nas emocionantes novelas e contos de amor, e os jornais em geral venderam muito reportando crimes comuns de vingança com expressões e manchetes empolgantes para os leitores menos avisados. Foram construídos termos que se tornaram lugar comum: "matou por amor", "matou em defesa da honra", "se matou por amor", e outros recorrentes para inocentar seus clientes, como "matou premido por forte comoção", "por forte emoção"… Como se matar não fosse, em si mesmo, um ato extremo definitivo.
Sem cobrança
O mais perigoso nesse jogo de faz-de-conta é o que ele constrói na mente das pessoas ainda em formação, crianças e adolescentes, ou naqueles mais carentes de emoções significativas. Provavelmente foi esse grupo que elevou a audiência da novela a picos de 50%, no capítulo que mostrou a mulher "apaixonada" (Heloísa) esfaquear o marido (Sérgio). Os males psíquicos e o desequilíbrio emocional estão, nesse caso, embrulhados para presente para maior atração à telinha multicor.
Com muita sensibilidade os grupos de auxílio mútuo para atender pessoas com esse tipo de comportamento são chamados de Associação de Mulheres que Amam Demais. Amar demais é muito mais aceitável, e até reconfortante, do que os vocábulos que definem as diversas compulsões que envenenam e destroem um relacionamento afetivo. "Armar um barraco" passa a ser o máximo para as mulheres que sofrem a lavagem cerebral das novelas e outros programas desse tipo ou pior. Assumem esse tipo de comportamento porque seus modelos são os servidos sem cerimônia ou maiores explicações na telinha, e a imitação é sempre muito mais fácil do que a sofrida construção do entendimento.
Na França, onde o nível intelectual é considerado bem maior do que no Brasil, que ainda patina no analfabetismo, há pesquisas para avaliar a influência de determinados programas de televisão no comportamento comum. A publicação Avenir de la Culture obteve o seguinte depoimento de um jovem condenado por estupro seguido de assassinato: "Depois de ver um filme pornográfico, decidimos estuprar umas meninas. Realmente, simplesmente copiamos o roteiro do filme."
No Brasil, as empresas de informação e entretenimento não são cobradas de suas responsabilidades, de forma consistente, pelos segmentos sociais nem pelos órgãos governamentais. Talvez por isso ainda brinquem com essa capacidade de influência que têm na cultura, nos hábitos e no comportamento do dia-a-dia de um povo.
(*) Engenheiro mecânico, Salvador