NOVELA DAS OITO
Silas Corrêa Leite (*)
Faz tempo que a Rede Globo, tentando ser popularesca na marra, visando interesses escusos de ibope reviçados, argentinizou suas novelinhas (para mexicanizar tem que melhorar muito), e, a cada novo tema revisitado, cada novo enfoque com baixaria, cada nova tentativa vã de parecer de qualidade, a vaca do plim-plim vai pro brejo, ainda que ganhe a manutenção do mesmo status quo bem suspeito do ibope, e então cai a qualidade rococó, ferrando o público telespectador viciado em novela, mas, carente sim, de um Código de Defesa do Incauto Telespectador de Novela.
A "novelouca" (perdão pelo neologismo forçado) das oito, horário nobre coisa e tal, é uma paulada literal no bom senso. O autor deve ter suado em bicas para criar esse novo frankenstein de araque, para agradar a gregos e bahianos, fazendo um bocó folhetim da pior espécie, bem ao jeito "venezuelano" (pouco melhor que o argentino), mas, no entanto, resultou boba e porcamente a mesma baboseira popularesca que, na verdade, deveria se chamar Mulheres desmioladas. É uma novela "estilo Ratinho" (sic). Para dizer o mínimo. E que o Carlos Massa não se sinta ofendido…
Tem a louca varrida que nem é bruxa, tem a alcoólatra que tenta se manter precariamente no personagem pouco construído de peculiaridades inerentes e de vivências chulas, tem a, pasmem, que apanha de raquete de tênis do branquelo maridão (só vendo pra crer), tem a que dá em cima e em baixo de todos os sarados, tem a suspeita lésbica tácita, tem a matrona que fatura um rapazote por falta do que fazer, tem a que não sabe se sabe o que quer ? papel indefinido, personagem mais perdido que o Clinton no Salão Oval ? tem a que era e nunca foi; a que foi e acaba sendo de novo, e vai por aí afora o almanaque chinfrim de personagens escusos, ridículos, num pastelão fragmentado em capítulos que ora mostra uma mocinhola do sexo frágil dando no marido babaquara, para deleite de quem estuda Freud e quer estereótipos de baixa qualidade feminista e alta libido doentia, quando não um rol de sem-vergonhices por atacado, por fim, numa novela que, se se chamasse Bordel Excelência não mudaria muito o quiproquó ? e o cerca-lourenço do texto impróprio ? e, ainda, tome neuras, esquizofrenias, surtos psicóticos, e uma pegação geral, sem tirar nem pôr.
A pior novela do horário das oito. E o Ibope garantindo. Mas, também, contra Betty, a Feia, (que é bem melhor), Ratinho, programaços-programecos (vide Band) e R. R. Soares não é nem fito precípuo de sazonal concorrência. É falta de opção.
O telespectador ali, sem muito o que zapear, liga na Globo e aproveita para rir um pouco com tanta cafonice entojada, tanta esquisitice sem pé nem cabeça, e, dá até pra namorar a musa amada, jogar bate-bafo de orientais figurinhas suspeitas com o filhote, quando não, conferir uma página do livro grátis da Folha (Lolita), ou mesmo sapear na internet, até que a novela zarolha acabe e, depois, pode ser, quem sabe, pinte alguma coisa de novo na tela-assento-de-privada da Globo. Plim-Plim.
Áureos tempos
Que vergonha. O autor deu literalmente com os burros n?água. E tem lá seu cartel de criatividade, seu elenco de imaginação, seu sachê de bom senso. Poderia criar pelo menos uma mulher saradona, digna, ativa, bem montada no papel e com um laboratório bem treinado nos bastidores dos estúdios globais, não aquelas pelancas com godê, aquelas estúpidas com estrias na alma, aquelas tipas molambas de caráter mal-acabado, e até algumas marombadas pra consumo estético de horário nobre que de nobre não tem nada. Que pobreza! Sai de baixo.
E a Rede Globo tem cacife no horário. E história. Mas, depois da argentinização, mexicanização, venezuelização (credo) do estilo "lixão" que vende bem lá fora, em vez de se aplicar na qualidade criativa, formando novos autores inclusive, revendo conceitos programáticos (e de grade) e dando asas à imaginação nesses tempos bicudos de verbas e investimentos, preferiu optar pelo lixo globalizado e, atendendo a interesses pouco confiáveis no mercado recessivo, baixou a bola, pisou no tomate, investiu nas porcarias com algum (pouco e ocasional) verniz crível e muita porralouquice, pra dizer o mínimo.
Que vergonha.
Dias Gomes e a companheira-patroa Janete Clair devem estar se remexendo no além-túmulo. E o povão aqui, levando a surra da mesmice, acidentado por falta de opção televisiva, urdindo antipatia geral por tantas mulheres malucas, bobas, idiotizadas, quando não manipuladas pelo enfoque pseudo-doentio do texto, quando, na verdade, a trama toda é da pior qualidade, tudo vira um tumulto televisivo-novelesco, um amontoado de nadas e ninguéns com um confeito final de treslocaudas somatizando embustes e mesmices de fundo falso.
É uma pena.
Eu por mim, ataco de internet, releio Saramago, olho a Lua que vem de Itararé, e deixo a esposa-musa-vítima fazer crochê enquanto mal persegue a trama água-com-açúcar (dá um sono, diz ela), e, pai-zoológico (que é um pai coruja mais todos os outros bichos de um zôo) escoro os filhotes todos pra fora da sala de não estar, pois não os quero escrotos pra consumo, e faço-os sacar novas letras de MPB, o rap tropical, o hip-hop de primeira, enveredando afinal pros ótimos tribalistas com criatividades novinhas em folha, sem padrões de baixo escalão, sem comportamentos torneados ao vai da valsa de uma mídia burra, de uma concorrência-penico, de um nivelamento por baixo.
E, pior, lamentável, nesse arranque de elos seqüenciais, o Casseta & Planeta está piorando, repetindo-se, os filmes tão promovidos são uma droga, e temos que agüentar o tranco até que venha o sono ou mesmo um novo vendedor de TV a cabo com preços competitíveis e qualidades revisitadas com estilo e altivez sócio-cultural.
Maroto, desligo a TV e vou ouvir uma renca de ótima MPB de áureos tempos numa Rádio Cultura qualquer da vida.
Aleluia.
(*) Poeta, jornalista, educador