Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Será o impossível?

TV CULTURA

Silas Corrêa Leite (*)

Lia aqui e ali que a Fundação Anchieta tava indo pro brejo, pra cucuia, pro vinagre, sei lá, mas não acreditei nunca, não quero mesmo acreditar. Será o impossível? Tá bem, eles repetem alguns programas, vá lá, mas como até repetidos ainda assim são gostosos e saudáveis, de alto nível, achei que eram prêmios sazonais para quem perdeu, para quem, na correria do açodamento cotidiano para sobreviver, não teve a chance de assistir ao vivo e a cores; mas, fiquei ligado, afinal, a TV Cultura é o maior patrimônio do estado mais rico do Brasil. Conheceu papudo?

Pois eu ainda tava ziguezapeando aqui e ali quando vi que tava na hora do Roda Viva, um dos melhores programas da TV brasileira. Vá lá que eles, às vezes, principalmente em tempos do FHNistão, o Pai da Fome, meio que tucaneavam (isso é palavrão) a grade de programação, o suspeito rol dos escolhidos para darem opiniões sobre alhos e bugalhos, e o Zé Aníbal era mais aparecido do que arroz quirera de terceira. Mas, no geral, dava para curtir uma TV pública de ótima qualidade com honrado dinheiro nosso, pois, a bem da verdade, justiça seja feita, o cidadão-contribuinte gosta de ver um bem público com qualidade acima da média e criando a todo vapor. Vocês nem imaginam o quando faz bem pra gente. Faz a gente acreditar que o Brasil terá jeito, que sairemos desse buraco de contrastes sociais, de lucros impunes, de riquezas injustas, com o fim da mediocridade televisiva por atacado. Aleluia!

Pois lá estava eu, enfarofando o pré-sono, quando, pasmo, vi a abertura do último Roda Viva, e saquei de longe o topete bisonho do anunciado ? vade retro! ?, o presidente do PFL [senador (SC) Jorge Bornhausen], tomando tão precioso espaço, sem credibilidade político-ético-legal para falar alguma coisa sobre qualquer assunto, claro, principalmente político-econômico, e, não acreditando, irado como nunca, saí de frente do aparelhinho desonrado e fui depressinha ao meu PC merreca passar um e-mail maroteiro pro programa que, agora, aqui mais saradinho (e ainda desacorçoado) copio para vocês (perdoem):


Monday, May 19, 2003 11:27 PM Subject: Opinião de Telespectador Politizado

Em primeiro lugar, meu protesto por terem concedido tão grandioso e magnífico espaço a uma figura tão peçonhenta da pior política brasileira, de um partido que estatisticamente mais tem corruptos no Brasil, e que nesses últimos anos teve aliados do pior nível possível, inclusive o janota e boçal FHC, o chamado Pai da Fome. Em segundo lugar, reafirmo com o maior orgulho que, graças a Deus, essa corja do PFL está contra Lula, o que prova a limpeza ético-histórica que o PT promove no Brasil, pois ter o PFL como inimigo é atestado de idoneidade e lisura, em paradoxo ao que o PFL sempre foi, de aluguel, vinculado a máfias e quadrilhas. E, por fim, gostaria de saber por que o entrevistado não fez a mesma palhaçada política quando o Sr. FHC deu alta grana a um banco privado que tinha um parente seu lá, e que moral o PFL et caterva (de ACM pra baixo) tem para criticar o Lula e ser oposição babaquara de ocasião? Poeta Prof. Silas Corrêa Leite ? de Itararé-SP, membro da UBE-União Brasileira de Escritores.


É claro que não acusaram o recebimento desse meu protesto de ocasião manifesto num e-mail entre milhares, sobre um entrevistado de ocasião (foi indicado pelo FHC?), sequer esperei para ver se a minha pergunta foi levada ao ar, pro entrevistado responder com aquela cara de polenta que desandou o ponto, pois desliguei abruptamente e, tentando cair no sono, me ferrei nervoso e bronco por ter que aturar aquilo. Até, para mim, um verdadeiro e peremptório atestado de decadência da TV Cultura, e, falando sério, a continuar assim vão chamar quem mais para atacar o PT, dar entrevista contra o Lula Light, falar mal do governo federal? O Fernandinho Beira-Mar? O juiz Lalau? O ACM do mesmo PFL? Deusolivre! Confesso que fiquei um onço.

José Aníbal é dose

Voltando à vaca fria, como um cidadão-contribuinte, agora vou ficar mais do que nunca clicado na TV Cultura, para ver que outras barbaridades eles vão bancar nesses tempos de vaca magra. Eu, que tinha a orgulho de ter no meu currículo uma entrevista para o Metropolis sobre o meu e-book de vanguarda, chamado O rinoceronte de Clarice <http://www.hotbook.com.br/int01scl.htm>, agora vou ter que guardar na minha memória politizada que o Roda-Vida de alguma maneira se prostituiu, pois poderia levar até o Brizola, o Sarney, o Cony, mas o presidente do PFL foi demais, foi forçar a barra. Será que ele pagou para estar ali? Será que a TV Cultura lucrou alguma coisa com isso? Desconfio. Suspeito. Pois ninguém mais no Brasil, principalmente os telespectadores, lucraram um só tintim com tão nefasta figura que não acrescenta nada, nem ao óbvio ululante.

Confesso que, en passant, em outras épocas mais críveis, meio de tromba, vi o Paulo Coelho por ali, e até outros tantos com os quais eu não afinava, mas, vá lá, democracia ás vezes é a arte de engolir sapos, mas engolir um zoológico liberal inteiro é conversa demais pra boi sonso dormir. Acho que nem preciso escrever mais nada, não é? O telespectador fanático pela TV Cultura, de bom nível de politização e com conhecimento de causas e efeitos de certas políticas neoliberais de ocasião, deve ter ficado com nojo, possesso. Espero que os pais qualificados como eu tenham desligado o televisor nessa exata hora, para que, se os medidores pouco transparentes acusarem, darem zero de audiência pra esse horário e com esse tal convidado que é quase uma afronta ao bom senso.


? Boa noite, amor. À bença, mãe. Dorme com Deus, filhinho.

? Puxa, pai, ainda é cedo e o senhor já vai se recolher? O que é que tá pegando?

? Num enche, Júnior. Vá dormir antes que a bruxa da crítica transforme você numa perereca neoliberal.


Em tempo: tinha escrito essa pequena crítica opinativa antes da semana passada, quando, ontem, surpreso, vi, na última edição do Roda Viva, nada mais nada menos do que o janota e boçal do presidente do PSDB, o próprio José Aníbal. Pode? Coincidência ou eu sou mesmo pitonisa? Pior: irado, escrevi pra TV Cultura dizendo dessa coincidência suspeita, pois parece que, num atestado até inidôneo de falência da TV Cultura, estão usando o fundo falso da caixa preta para promoverem a volta dos que não foram. E, falando sério, José Aníbal é dose, foi rejeitado pelas urnas em São Paulo. E, com isso, o programa perdeu a moral, perdeu a chance de ser limpo, isento, escolhendo gente nova, de verve, transparente, não quem esteve oito anos no poder e quebrou esse Brazyl S/A. Quem vão trazer agora? O Walckmin? O FHNistão? Que vergonha!

(*) Poeta, jornalista, educador