Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma relação orgânica com a rede

JORNALISMO DIGITAL

Pollyana Ferrari (*)


Primeiro capítulo de Jornalismo digital, de Pollyana Ferrari, 120 pp., Editora Contexto, São Paulo, 2003, <www.editoracontexto.com.br>; tel.: (11) 3832-5838; R$ 19,90


Depois de anos de trabalho e estudo para concluir uma dissertação de mestrado na USP, de idas e vindas para chegar à correta cronologia da Web (apesar de me sentir sempre atrasada porque na internet tudo acontece muito rápido ? cada ano vale por sete), resolvi, apoiada em 14 anos como jornalista especializada em tecnologia, fazer um relato solto, quase literário, da minha vivência de internet.

Afinal, o que estamos presenciando é o nascimento de uma cultura de massa, vitaminada pelo surgimento da World Wide Web ? que trouxe, para jornalistas como eu, a inquietação e o deslumbramento de uma criança diante do tão esperado brinquedo. Gastei noites e noites com as possibilidades de colocar imagens, links coloridos e condicionar a informação em hierarquias multimídia.

Para alguém que trabalhou com um microcomputador pessoal movido ao sistema operacional DOS e desde 1990 achava muito intrigante e fascinante trocar conhecimento e informação nas telas em fósforo verde dos BBS (Bulletin Board System) brasileiros, ser apresentada, em 1995, ao ambiente gráfico da internet foi o máximo. Eu, que desde os 18 anos me acostumei a ler Marx, Kant, Maquiavel e achar respostas para as minhas inquietações semióticas nos sociólogos Marcuse e Baudrillard, vi na difusão da internet ? uma rede sem chefes ou governos, uma teia viva e sem censura ? a grande saída para o mundo pós-guerra fria.

Teríamos uma sociedade mais justa, sem fronteiras sociais ou geográficas. A informação poderia ser propagada livremente. Acreditei que, com pouco investimento do governo, muito menos do que se gasta em campanhas políticas, o microcomputador chegaria aos lares, ao correio, às escolas públicas e às favelas, como ocorreu com o advento da TV nos anos 50. E, para uma rápida aceitação de mercado, teria um preço subsidiado para que todos obtivessem acesso à internet e às bibliotecas de informação disponíveis gratuitamente na rede.

Foram 14 anos em que lutei ? ainda que tardiamente, já que não tive o prazer de viver os loucos anos 60 e realmente brigar pela democracia ? por um Brasil mais justo. Acreditei romanticamente no jornalismo, mas hoje percebo, como muitos amigos da minha geração, filhos dos anos 80, que viram a ascendência do rock nacional, participaram da passeata pelas Diretas Já, foram aos primeiros shows dos Paralamas do Sucesso e se agarraram à tecnologia como uma aposta de vida, que chegamos a um dilema: o que vai ser da informação sem fronteiras neste novo milênio?

Os pensadores do ciberespaço adotaram, de 2001 em diante, uma visão conservadora da internet. Não assumiram que a grande rede fracassou, mas também não fazem mais profecias grandiosas. Alguns sumiram da mídia e outros se limitam a dizer que passou a euforia e de agora em diante os produtos de qualidade irão prosperar. Eu digo que, para mim, ela fracassou sim, pois acreditei, como Nicholas Negroponte acreditou em 1995 ao escrever A vida digital, que “em 2000 haverá mais gente se divertindo na internet do que assistindo àquilo que hoje chamamos de redes de televisão (…) A comunidade de usuários da internet vai ocupar o centro da vida cotidiana. Sua demografia vai ficar cada vez mais parecida com a do próprio mundo”.

Acreditei no surgimento de cidades virtuais; achei que era possível comprar roupa, escolher o roteiro das férias, estudar, enfim, respirar a teia 24 horas por dia. Sei que ainda posso fazer muitas coisas pela internet. Mas, convenhamos: quantos de nós, jornalistas, não voltamos para o banco das universidades para aprender como fazer um business plan? Quantos de nós não nos reunimos com os amigos para colocar no papel uma idéia brilhante que faria todo mundo trabalhar em casa, sem chefe e ainda ganhar muito dinheiro e ver seu site presente na Nasdaq?

Tudo bem, eu sei que a rede mundial não vai acabar, que um jornalista hoje sem a internet não é ninguém, que as novas gerações de profissionais que saem das faculdades de comunicação não sabem mais usar o telefone para encontrar um entrevistado, que tudo é pesquisado e procurado digitando www. Sei de tudo isso, mas a vida digital de verdade ainda não chegou.

Nós, que vivemos a febre do chat ? noites em claro conversando com amigos distantes ?, o deslumbramento total com a possibilidade de escrever, editar e ver no ar sua matéria em questão de segundos, ficamos boquiabertos com o surgimento de páginas coloridas na Web, como também achamos maravilhosa a nova interface do Windows 95, que trazia a opção de janelas ? a coisa mais moderna da época. É engraçado relatar tudo isso, porque a grande maioria dos brasileiros entrou na internet apenas em 1999. Essa geração “fresquinha” de mundo digital nunca vai saber o que eram as listas de discussão dos BBS nem percebe que no teclado do PC existem muitos comandos de DOS.

Eu, que comecei escrevendo sobre culinária na extinta revista Gourmet (cuja redação dividia espaço físico com a Dados e Idéias, ambas publicadas pela Gazeta Mercantil) e em seis meses estava mergulhada na redação do também extinto tablóide Datanews, percebo como a tecnologia definiu minha vida adulta, como fui apaixonada e, às vezes, enlouquecida pelos bits e bytes. Para entender o que existia por trás da internet gráfica fui aprender HTML. Por curiosidade, imprimia todos os códigos-fontes das páginas que acessava para ver como os programadores faziam os links, como alinhavam o título à esquerda, inseriam uma tabela, davam espaço entre um texto e outro etc. Não era uma linguagem difícil ? até eu, jornalista, consegui aprender e comecei a construir páginas no bloco de notas do Windows.

Em 1994, consegui meu primeiro endereço eletrônico com amigos que trabalhavam na Escola do Futuro, na USP. No ano seguinte, eu e um sócio montamos a primeira incubadora de sites do mercado brasileiro, a Polipress. Na época, chamávamos de agência de notícias. Precoce, eu sei, por isso o empreendimento acabou não dando certo financeiramente. Se tivesse sido aberto cinco anos depois, possivelmente eu teria ficado rica.

Mas aprendi muito. Passava madrugadas digitalizando e reduzindo as imagens no software Photoshop, da Adobe ? tudo na mão, pixel por pixel, brilho por brilho. Hoje, quando vejo o que faz um Photoshop, que salva automaticamente em formato JPG e reduz drasticamente o tamanho da imagem, dá vontade de chorar. Foram muitas noites comendo pizza embrulhada em papel da impressora para construir uma página com pouco peso e agradável esteticamente. Nessa época, meu hobby era cultivar o melhor bookmark de endereços gráficos da Web; cheguei a ter mais de quinhentos links. No final da década de 1990, revistas como a .net ? a mais organizada revista de internet que o Brasil já teve ? traziam reportagens e matérias sobre o mundo virtual. Os passeios eram enriquecedores; tudo podia ser encontrado na internet.

Quando meu projeto de empresária da internet fracassou, voltei para a redação e novamente escrevi para revistas e jornais, sempre sobre tecnologia. Nessa época eu sentia uma enorme saudade do Hotdog, meu editor preferido de HTML, e das noites recortando imagens e escrevendo textos para colocar nos sites dos clientes. Com o jornal eu pagava as minhas contas, mas na Polipress eu podia sonhar. Era o máximo ter um portfólio acessível na rede.

Morei nos Estados Unidos em 1997 e pude perceber a diferença social de ter nascido no Terceiro Mundo. A internet não era mais bonita porque feita por norte-americanos, mas era mais rápida. Com todas as casas cabeadas, não havia o problema da conexão. Meu filho de seis anos freqüentava o pré-prim&aacuaacute;rio de uma escola pública com um micro conectado à internet para cada aluno. E nós, brasileiros, ainda tínhamos um fosso social enorme para resolver antes de desfrutar do conhecimento oferecido na grande rede.

O ano de 1998 foi um marco para mim. Fui chamada para editar o site da revista Época e tive o prazer de, com uma equipe mínima, aprender na prática como se faz um site de revista vitorioso. Fomos a primeira revista semanal a colocar a página na internet com noticiário diário e a fazer o crossover de mídias, com a matéria de capa “Leia e Ouça”, em 21 de novembro.

No final dos anos 90 eu acreditava que a informação disponível na área World Wide Web da internet poderia derrubar a audiência da televisão e a circulação dos jornais, modificando a própria concepção da notícia, já que podemos ler reportagens tanto no papel quanto na tela do micro ou da TV, graças à versão digital dos jornais e revistas.

O ano de 2000 nasceu com uma efervescência de criatividade. Quantas tardes não passei planejando um mundo sem fronteiras, com meu amado amigo David Drew Zingg… Ele dizia que eu e mais duas amigas éramos “the girls from Brazil” e que ele veria os nossos nomes em matéria do The New York Times. Fico imaginando que, como eu, David também estaria triste ? se ainda estivesse conosco ? e achando que a nova era não chegou como deveria.

O ano da internet grátis no Brasil também me pegou. Fui chamada para ser diretora de portal e cuidar de todo o conteúdo gerado e exposto na home page do iG. De lambuja ganhei o iG Serviços, o primeiro portal de serviços da internet brasileira, e o iG Papo, com sua jornada de dez convidados diários, sete dias por semana. Nunca aprendi tanto sobre jornalismo on-line, hierarquias e investidores. Devo ao iG a mudança de 180 graus na minha vida profissional e a escolha do tema “portal” como objeto de estudo e pesquisas acadêmicas. Respirei, dormi e acordei com esta palavra na cabeça enquanto estive no iG. Hoje percebo como a prática cotidiana é fundamental na vida de qualquer jornalista. Por mais que a academia forneça o alicerce teórico, é no sufoco do fechamento que nós, jornalistas, aprendemos como fazer jornalismo.

E garanto que o sufoco on-line é muito maior do que o da mídia tradicional ? TV, jornais, revistas e rádio. Várias vezes ao dia começamos uma pauta do zero e também concluímos histórias inteiras em intervalos de horas ou mesmo minutos. Você percebe que está imerso no mundo virtual quando, ao dirigir seu carro em direção ao supermercado, ouve pelo rádio a notícia de um acidente com um avião na pista do aeroporto, pára o carro, liga do celular para o plantonista da redação, dita a notícia que anotou naquele bloquinho sempre à mão, indica uma visita aos sites de trânsito para verificar se a área foi isolada, pede para pôr a nota no alto da tela, olhar a concorrência e preparar uns hipertextos sobre acidentes aéreos com o resumo dos mais graves nos últimos anos. Aproveita e solicita ao designer, que domina a tecnologia Flash, para criar um infográfico animado explicando o que aconteceu. E avisa que, se o assunto crescer, é só ligar que você vai correndo para a redação.

Imagine esse tipo de situação todos os dias. Você jamais se desliga do trabalho, mesmo quando está passeando no parque em pleno domingo. É um estado de alerta permanente. É viver “antenado” com tudo, seja dentro do ônibus de retorno para casa ou mesmo no chopp com os amigos no sábado à noite. Isso é ser repórter Web.

Pequena história da internet

Para entender a evolução do jornalismo na internet e todas as suas particularidades é preciso voltar no tempo e compreender a história da internet e a criação de seu ambiente gráfico World Wide Web, um dos fatores propulsores do desenvolvimento da rede, que chegou a 2003 com mais de duzentos milhões de usuários espalhados pelo mundo. Só no Brasil, segundo estudo do Yankee Group, serão 42,3 milhões de usuários de internet em 2006, quase o triplo do número existente no final de 2001. Batizado de “The second wave: the brazilian internet user forecast”, o estudo conclui que a segunda onda de usuários de internet será composta principalmente por usuários das camadas B e C.

A internet foi concebida em 1969, quando o Advanced Research Projects Agency (Arpa ? Agência de Pesquisa e Projetos Avançados), uma organização do Departamento de Defesa norte-americano focada na pesquisa de informações para o serviço militar, criou a Arpanet, rede nacional de computadores, que servia para garantir comunicação emergencial caso os Estados Unidos fossem atacados por outro país ? principalmente a União Soviética.

Depois de inúmeros testes de conexão entre estados distantes como Dallas e Washington, a Agência de Comunicações e Defesa ganhou, em 1975, o controle da Arpanet. A missão da agência era facilitar a comunicação com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. O tráfico de dados cresceu rapidamente e, entre os novos usuários, havia pesquisadores universitários com trabalhos na área de segurança e defesa. Embora a comunidade acadêmica usasse a rede para transferir arquivos extensos por meio de e-mails, o foco da Arpanet era o serviço de informação militar. Novas redes começaram a surgir, como a Bitnet (Because It’s Time Network) e a CSNET (Computer Science Network ? Rede de Ciência da Computação), que passaram a oferecer acesso para outras universidades e organizações de pesquisa dentro do país.

Em 1986, a National Science Foundation (NSF ? Fundação Nacional de Ciência) fez uma significativa contribuição para a expansão da internet, quando desenvolveu uma rede que conectava pesquisadores de todo o país por meio de grandes centros de informática e computadores. Foi chamada de NSFNET.

Essas redes trafegavam, em seu backbone, dados via computadores, voz (telefonia convencional), fibras ópticas, microondas e links de satélites. Batizadas de superhighways, essas redes conversavam entre si e ofereciam serviços ao governo, à rede acadêmica e aos usuários. A NSFNET continuou se expandindo e, no começo da década de 1990, eram mais de oitenta países interligados.

O cenário do final dos anos 80 era este: muitos computadores conectados, mas principalmente computadores acadêmicos instalados em laboratórios e centros de pesquisa. A internet não tinha a cara amigável que todos conhecem hoje. Era uma interface simples e muito parecida com os menus dos BBS. Mas, enquanto o número de universidades e investimentos aumentava em progressão geométrica, tanto na capacidade dos hardwares como dos softwares usados nas grandes redes de computadores, outro núcleo de pesquisadores, até bem modesto, criava silenciosamente a World Wide Web (Rede de Abrangência Mundial), baseada em hipertexto e sistemas de recursos para a internet.

Em 1980, Tim Berners Lee, o inventor da World Wide Web (WWW), escreveu o Enquire, programa que organizava informações, inclusive as que continham links. Trabalhou durante anos na criação de uma versão demo do programa e somente em 1989 propôs a WWW. No ano seguinte, teve a colaboração de Robert Cailliau, que estava apresentando o sistema de hipertexto CERN e trabalhando no browser Samba.

Em 1992, o designer e pesquisador Jean François Groff convidou Lee para ser o primeiro aluno do projeto InfoDesign, que implementou significativas inovações de design, arquitetura e protocolos. Groff teve importante contribuição na versão original da WWW, além de ter trabalhado para a nova configuração gráfica que a internet estava adquirindo. Ainda em 1992, o Software Development Group (Grupo de Desenvolvimento de Softwares) do National Center for Supercomputer Applications (NCSA ? Centro Nacional de Aplicações para Supercomputadores) criou o College, grupo que reunia pesquisadores e experts ansiosos para explorar as possibilidades da World Wide Web.

Rapidamente o grupo encontrou um grande entusiasta, Marc Andreessen, que participava de uma lista de discussão com vários pesquisadores, entre eles justamente Tim Berners Lee, o inventor da Web. Lee estava interessado no Unix e em outras versões de Web browsers. E Andreessen trabalhava, no final de 1992, como programador do núcleo de Eric Bina, veterano estudioso de Unix nos meios acadêmicos norte-americanos.

O Mosaic, criado por Andreessen, foi o primeiro browser pré-Netscape. Em 1993, era a interface essencial para o ambiente gráfico: estável, fácil de instalar e de trabalhar com imagens simples em formato gráfico bitmap (ver Glossário). Os sites tinham quase sempre fundo cinza, imagens pequenas e poucos links, mas, para visionários como Lee e Andreessen, vivíamos o início da internet que conhecemos hoje. O crescimento da WWW foi rápido e não parou desde então. Em 1996, já existiam 56 milhões de usuários no mundo. Naquele mesmo ano, 95 bilhões de mensagens eletrônicas foram enviadas nos Estados Unidos, em comparação às 83 bilhões de cartas convencionais postadas nos correios, segundo dados da Computer Industry Almanac. Para dar uma dimensão do crescimento da internet, o número de computadores conectados ao redor do mundo pulou de 1,7 milhão em 1993 para vinte milhões em 1997.

Os sites de busca também se interessaram em aprimorar o ambiente gráfico e começaram a pesquisar, junto com a academia, melhores interfaces para suas páginas. O termo “portal”, com o significado de “porta de entrada”, começou a ser usado em 1997. Nesse ano, sites como o Yahoo! ? criado em 1994 a partir de duas cabeças geniais, David Filo e Jerry Yang, ambos oriundos do curso de engenharia elétrica da Universidade de Stanford, na Califórnia ? agregaram conteúdo e stick applications (ver Glossário) à página de entrada, visualizada pela maioria dos usuários pelo browser Netscape.

Outros sites de busca passaram a adicionar recursos para manter os usuários em suas páginas, em vez de encaminhá-los para a dispersão da grande rede. Para prender a atenção de internautas ávidos por informação, começaram a preencher o espaço disponível com serviços, chats e muitos outros petiscos.

Informação e jornalismo: uma relação estratégica

Esta pergunta sempre mexe comigo: será que o leitor digital adquire um conhecimento? Digamos que sim. Mas em que consiste esse conhecimento? Não é um conhecimento real ou adquirido por processo de reflexão; também não consiste na possibilidade de ter qualquer tipo de influência sobre os fatos observados. Resolvi chamá-lo de pseudoconhecimento, absorvido sem qualquer participação efetiva. Vamos esquecer aqui as pesquisas de opinião, que têm sido o único recurso “interativo” nos portais capaz de medir a satisfação do leitor ? o que ainda é, convenhamos, muito primário, já que participação do leitor pode ser muito mais ampla do que uma simples resposta on-line para uma pergunta elaborada com base em um assunto importante da semana, presente nos noticiários de TV, programas de auditório, jornais e revistas semanais.

A partir de 2001, o conteúdo jornalístico nos portais foi gradualmente reduzido até o ponto de ser fornecido por um grupo restrito de fontes ? as mesmas agências de notícias, a mesma empresa de previsão do tempo, a mesma coletiva para o lançamento de um filme, o mesmo programa de TV que se ramifica em subprodutos, dando origem a sites de fofoca, decoração, culinária etc. Com isso, os leitores recebem e absorvem a mesma fonte de informação. O que muda é o “empacotamento” da notícia, embora até mesmo os projetos gráficos sejam parecidos uns com os outros.

Como grandes shopping centers, os sites oferecem diversão, lazer e uma infinidade de serviços. Se fizermos uma analogia com a organização dos corredores dos shoppings, iremos perceber que os portais também estão divididos em âncoras e canais, como nos grandes centros comerciais onde existem as praças de alimentação, as redes varejistas, as alamedas de serviços com sapataria, chaveiro, lavanderia e as lojas genéricas. O consumidor vai ao cinema, faz um lanche e durante o passeio pelos corredores acaba consumindo algo mais.

Os leitores digitais se comportam de maneira parecida: dão uma olhada nas manchetes, lêem o horóscopo, entram em alguma área que chamou a atenção na home page e assim sucessivamente. A informação é absorvida sem grande comprometimento com a realidade. A importância e repercussão de uma manchete da revista Veja continua sendo bem maior que a do seu portal preferido.

Percebo, pela prática diária, que as primeiras páginas dos portais brasileiros mudam pouco, verdadeiros filigranas como, por exemplo, colocar texto em negrito ou editar a foto da manchete sob um ângulo inusitado. Não mexem nas cores, nas colunas, na tipologia, no fundo da tela. O que prevalece é a quantidade de informação veiculada. O Terra, por exemplo, ganhou notoriedade em 2001, principalmente durante os atentados terroristas de 11 de setembro aos Estados Unidos, quando colocou na rede um noticiário que continha boas informações e era reabastecido minuto a minuto. Não foi preciso mudar a home page para chamar a atenção dos leitores. A fórmula adotada foi veicular mais de trezentos notícias relevantes entre os dias 11 e 12 de setembro de 2001.

O grande problema é que, degradado em “informação”, o conhecimento não deu sinais de ser economicamente rentável e estimulante. O colapso da Nova Economia faz sentido, portanto. Diferentemente de bens materiais e serviços prestados, a informação on-line não é reproduzível em geração de valor como objeto econômico.

O cenário em que a internet era novidade ? e havia guias práticos com milhares de links e dicas para os marinheiros de primeira viagem dispostos a navegar sem destino ? tornou-se rapidamente ultrapassado. Os internautas são a elite de cada nação e todo o tráfego dos portais é realimentado pelas classes A e B, pessoas com poder aquisitivo para ter um microcomputador, um carro e um celular, e que dedicam o maior tempo na rede a não mais que meia dúzia de endereços.

Para o pensador francês Pierre Lévy, o ser humano é preguiçoso e gosta de ter acesso fácil a tudo o que precisa. No livro Cibercultura, ele expõe dois tipos de navegantes na internet: os que procuram uma informação específica e os que navegam interessados vagamente por um assunto, mas prontos a desviar a qualquer instante para links mais interessantes ? sendo estes últimos chamados por ele de navegantes “de pilhagem”, o que me faz chegar à conclusão de que esta é a navegação típica dos leitores dos portais.

Como satisfazer um leitor que pratica uma navegação de “pilhagem”, que no clique seguinte pode transferir a audiência para outro site? Por ser bombardeado diariamente por uma quantidade avassaladora de informações, o internauta não se sente fiel a qualquer veículo digital, nem mesmo ao portal do provedor de acesso que ele assina. No caso dos jornais impressos, ocorre o inverso. A fidelidade do leitor é visível. Quem se habituou à linha editorial mais conservadora de O Estado de S. Paulo dificilmente torna-se leitor do Diário de S. Paulo, ex-Diário Popular. Na internet, contudo, a viagem é lúdica e o apelo visual e textual falam mais alto. Logo, nos deparamos aqui com uma incongruência: se a página tem de ser atrativa e usável o suficiente para reter o leitor, por que os sites não mudam o desenho de suas home pages diariamente? E, ainda, por que os leitores entram primeiramente em um portal e depois seguem em busca do endereço específico?

O que podemos comprovar é que, como disse Pierre Lévy, “quanto mais informações, mais equivocados ficam os leitores. Criamos uma sociedade com uma consciência sem história, sem passado, voltada para a atemporalidade da ‘inteligência artificial’. Vivemos a sociedade da informação que não informa, apenas absorve grandes quantidades de dados”.

Já acreditei que a evolução das cidades ao longo dos séculos ? desde a Ágora grega, passando pelo surgimento dos feudos, das cidades fabris, e chegando aos conglomerados urbanos atuais ? se repetiria nas cidades virtuais. Depois dos grandes centros urbanos, com prédios, moradias, vias expressas e espaços de cultura, poder e produção recortando o espaço da cidade, seria a vez de surgir a cidade digital, formada por infovias e outros recursos da era virtual.

Como se fosse uma anciã nostálgica do passado, tentei desesperadamente concluir que as profecias otimistas do mundo globalizado, feitas pelos grandes pensadores do ciberespaço, como Manuel Castells, Nicholas Negroponte, Esther Dyson e Alvin Toffler, não sairiam de moda junto com a queda da Nova Economia. Estou convicta, no entanto, de que muitos ensinamentos positivos foram absorvidos pelo mercado e os ruins descartados.

A internet chegou para ficar. Não é uma moda passageira e não haverá retrocesso. Jamais os usuários de e-mail voltarão a escrever cartas e deslocar-se até o correio para postá-las. Mas não podemos esquecer que o comércio eletrônico não decolou de imediato e que continuou sendo mais confortável assistir ao Grande Prêmio de Fórmula I na frente da TV, com o balde de pipoca ao lado, do que tentando enxergar o que se passa no tremido vídeo que mal consegue chegar à próxima cena.

Como fonte de informação, a internet precisa levar em conta a existência de outras mídias. Não posso deixar de citar novamente a cobertura on-line dos atentados terroristas aos Estados Unidos, em 2001. A Web ? para a maioria dos cidadãos comuns que estava no trabalho e não contava com um aparelho de TV ao alcance dos olhos ? cumpriu um papel de mídia de massa e deu o seu recado, com recorde absoluto de acessos no mundo todo.

Os portais horizontais claramente se encaixam nesse modelo de apogeu da internet e foram os reis absolutos da WWW entre 1998 e 2000. Mas o modelo de grande diversidade de conteúdo, ofertas de produtos e interatividade passou a ser repensado. O que podemos dizer é que sairá vitorioso quem compreender e souber gerir esse processo de mudança, quem for mais inteligente na disseminação de conteúdos informativos e na busca de parcerias para a criação de novas tecnologias e novos produtos. A mídia é nova e está em mutação, por isso o papel do jornalista na internet é fundamental.

Criamos uma sociedade que absorve uma informação sem dor, sem riscos. Uma informação “limpinha”, ou seja, que não tem “cheiro”, pistas ou histórico ? dificilmente nos portais encontramos aspas ou entrevistados defendendo uma opinião na internet. Quando “sobe” para a Web, a reportagem já veio escrita, reescrita e “consertada” para aquele padrão de veículo; tudo apresentado em fragmentos, como em num videoclipe da MTV, bonito, jovem, bem-nascido e sem compromisso.

Mesmo sendo “usáveis”, ou seja, leves no tempo de download e razoavelmente organizados a partir de uma navegação (que não foi projetada para a Web, mas adaptada dos cadernos dos jornais como Cultura, Economia, Política, Classificados, Esportes etc.), os portais são os maiores contribuintes para a formação desse leitor passivo e acostumado a dar uma olhada em diferentes janelas, mesmo sem se aprofundar em nada.

A maioria dos sites jornalísticos surgiram como meros reprodutores do conteúdo publicado em papel. Apenas numa etapa posterior é que começaram a surgir veículos realmente interativos e personalizados. O pioneiro foi o norte-americano The Wall Street Journal, que em março de 1995 lançou o Personal Journal, veículo entendido pela mídia como sendo o “primeiro jornal com tiragem de um exemplar”. O princípio básico desse jornal era enviar textos personalizados a telas de computadores. A escolha do conteúdo e a sua formatação seriam feitos pelo próprio assinante, conforme suas preferências de leitura ? depois de escolher suas áreas de interesse, ele receberia, por meio de uma mensagem eletrônica, um portfólio pessoal com notícias sobre tudo aquilo que escolheu.

Se comparamos a quantidade de leitores da versão impressa do The Wall Street Journal com a dos leitores digitais, comprovamos que o volume on-line ainda é muito menor, mas a distribuição de notícias via Web representa uma tendência importante, se levarmos em conta sua capacidade de segmentar o público leitor. A Web começou, assim, a moldar produtos editoriais interativos com qualidades convidativas: custo zero, grande abrangência de temas e personalização.

(*) Jornalista