Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Otavio Frias Filho

GOVERNO LULA

Sem medo de ser feliz”, copyright Folha de S. Paulo, 12/6/03

“Durante a campanha presidencial do ano passado, estabeleceu-se um consenso entre as candidaturas competitivas. Todas propunham mais ou menos a mesma coisa, ou seja, mudar o modelo de política econômica em vigor para, sem rupturas nem traumas, alavancar a retomada do crescimento. Desemprego e violência exponenciais resultaram dos anos em que o país cresceu muito pouco.

Um mesmo roteiro era repetido em coro: desonerar as exportações para, em consequência, exportar mais e gerar excedentes que reduziriam a necessidade atroz de atrair dinheiro especulativo de fora. Somente assim, dizia-se, seria possível baixar as taxas de juros, mantidas em valor tão abusivo para assegurar o ingresso daquele dinheiro arredio e necessário. Reduzir a vulnerabilidade externa era o jargão.

Simplificações ainda mais brutais do que as do resumo acima eram praticadas na propaganda dos candidatos. De acordo com a lógica das campanhas eleitorais do nosso tempo, apresentava-se um discurso com aparência ?técnica? para embalar a eterna promessa de toda eleição: a felicidade sobre a terra. Ninguém dizia que o modelo vigente não seria mudado, nem mesmo que a mudança tardaria.

Quase seis meses depois da posse, o governo do PT se defende das acusações de estelionato eleitoral lembrando que, na ?Carta ao Povo Brasileiro?, divulgada em junho do ano passado, o então candidato Lula se comprometia a respeitar contratos e a zelar pelo equilíbrio macroeconômico, afastando de vez a suspeita de que uma vitória sua pudesse redundar em revolução ou até mesmo em mera hostilidade ao mercado financeiro.

Esse argumento de defesa não passa de vigarice. Pois ninguém está criticando o governo petista por não violar leis, por não insuflar ataques à propriedade (embora sua letargia quanto às invasões rurais as esteja obviamente estimulando), por pisotear obrigações (exceto, talvez, para com os funcionários públicos…) ou por haver traído o programa socialista, que já havia sido abandonado muito antes.

Quando se fala em estelionato eleitoral, não se pensa na promessa de mudar radicalmente o modelo implantado por Fernando Henrique Cardoso, porque essa promessa não foi feita. O que Lula prometeu (e com ele os demais candidatos) é que havia, sim, uma alternativa capaz de derrubar os juros e recolocar o país no rumo do crescimento -e que essa opção seria adotada com vigor e presteza.

Já seria decepcionante que, depois de suscitar tanta histeria de otimismo popular insuflada pela mídia que apóia todo governo, a gestão Lula se mostrasse lenta e hesitante. O que não estava previsto, porém, o que escandaliza e revolta os crédulos agora despertos, é que em vez de mudar tratasse de aderir. Mais: que acentuasse até, com o fervor dos recém-convertidos, a perversidade da política anterior.

A área econômica do governo adotou o ponto de vista dos bancos. As demais áreas estão paralisadas por um misto de inépcia e cortes. Deslumbrado pelas comodidades do poder, sem condições intelectuais de se contrapor a assessores mentalmente colonizados pelos adversários, o presidente parece viver no mundo da lua, embriagado pela própria esperteza. Trocou as ?bravatas? da oposição pela desfaçatez do poder. E parece feliz.”

De Brasília a Paris”, copyright Folha de S. Paulo, 12/6/03

“Do Jornal da Record:

– Foi o primeiro grande protesto de Lula. O mais duro ataque ao governo.

E os três ?radicais?, de quem pouco se falou nas últimas semanas, Heloísa Helena, Luciana Genro e Babá, viraram os heróis do funcionalismo.

Eles e o PSTU, que dominou o protesto em Brasília, com vivas para os ?radicais? e vaias para quem falasse em negociar a reforma da Previdência.

Caso do novo presidente da CUT, que segundo a Jovem Pan mal conseguiu falar e saiu acusando o ?pessoal do PSTU, esse partido que não dialoga com ninguém?. Caso do líder do PT na Câmara, que saiu dizendo que o PSTU vaiaria a si mesmo se estivesse no poder.

A CUT e o PT podem liderar manifestações e se pronunciar em favor do funcionalismo, mas os ?radicais? e o PSTU tomaram o terreno. É o ?racha?, expressão repisada nos telejornais.

É pouco provável que os servidores saiam ganhando, só com ?radicais? e PSTU a seu lado. Ou, pior, se a eles se juntarem nomes como Jair Bolsonaro, que discursou no protesto.

Mas o governo Lula tem muito mais a perder, com os servidores na mão de extremistas de esquerda e direita. Líderes dos professores falavam em greve já na semana que vem.

E a Globo mostrou imagens dos conflitos que a reforma da Previdência vem provocando em Paris. E a locução:

– A França parou mais uma vez por causa da reforma da Previdência. Os manifestantes desafiaram a tropa de choque. Os soldados lançaram jatos de água e bombas de gás.

É a tempestade que se forma no horizonte de Brasília.

Enquanto isso, vem o presidente da Febraban, a federação dos bancos, e diz que não ficará surpreso se o Comitê de Política Monetária decidir manter, de novo, a taxa de juros.

Vem também o ministro Antônio Palocci e, em discurso afinado, diz que a inflação vem caindo ?num ritmo menor do que nós gostaríamos?.

Depois os líderes petistas reclamam ao serem chamados de ?pelegos? e ?traidores?.

Garotinho não perde uma chance de fustigar o governo Lula. Primeiro foi o imposto sobre petróleo, que a Petrobras já ameaça levar à Justiça.

Agora é a cobrança de ICMS no Estado de origem, campanha para a qual está buscando seduzir Aécio Neves e outros.

Mas vem a ironia do Tribunal de Contas do Rio e condena, de uma só vez, juntos como companheiros, Garotinho e a petista Benedita da Silva.”