JORNALISMO INDEPENDENTE
“Sociedade, razão de ser do jornalismo”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 26/06/03
“O XIS DA QUESTÃO – Os conflitos que interessam ao jornalismo, e para o jornalismo convergem, sempre têm, além dos lados oponentes, um terceiro lado: o da sociedade. Nas razões éticas da sociedade está a razão de ser da ação jornalística e, portanto, os fundamentos da sua independência.
1. Pergunta essencial
Ainda a propósito da independência jornalística, considero empobrecida a abordagem se, à reflexão, não acrescentarmos a elucidação da razão de ser do jornalismo. Porque nenhuma instituição ou pessoa será independente se não assumir, como razão do seu agir, a sua própria razão de ser.
Para aclaramento preliminar das coisas, convém lembrar que independência é um termo preciso, liberto de ambigüidades, significando não dependência. E a despeito do esforço dos dicionaristas para impor desvios semânticos ao conceito, por dependência se entende a renúncia à própria razão de ser, em favor da razão de ser de outrem. Logo, o ser independente é aquele que pode assumir as suas próprias razões de ser, e por elas agir.
Façamos, pois, a pergunta que tão poucos fazem: qual a razão de ser do jornalismo?
Duvido que algum de nós já tenha lido ou escrito algo consistente sobre essa questão. Nas tentativas de resposta, o que encontramos ou dizemos, em boa parte, são frases de efeito, mais ou menos engraçadas, como a da sentença atribuída a Millôr Fernandes, lembrada por Juca Kfouri, segundo a qual ?jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados?. Tirando a enorme graça da frase, resta uma tolice. Se jornalismo fosse ou devesse ser oposição, teria de se estruturar com critérios e técnicas de outra linguagem, a da propaganda – e lá se iria a confiabilidade.
Assim, persiste a pergunta (qual a razão de ser do jornalismo?), sem a resposta. Já a procurei, exaustivamente, em livros. E não encontrei nos livros nem base nem rumos para chegar à decifração da questão. Porém, mesmo sem renunciar aos cruzamentos bibliográficos, estou convencido de que poderemos identificar a razão de ser do jornalismo no próprio jornalismo se, com olhos de ver, observarmos com algum método as manifestações que o materializam – jornais, revistas, telejornais, noticiários radiofônicos e espaços noticiosos da Internet.
A despeito da cultura de receituários (ah! os manuais de redação…), e da fé quase cega que em receituários depositamos, está no jornalismo, e não fora dele, o saber que o elucida. Por quê? Ora, porque, embora pouco e mal teorizado, o saber produzido nas práticas profissionais é o que explica e fundamenta o sucesso diário da Notícia.
Vamos, pois, aos jornais.
2. Linguagem dos conflitos
Ontem, 25/6, em Lisboa (de onde escrevo), comprei quatro jornais do dia: o espanhol El País, o francês Le Monde, o americano USA Today e o italiano La Repubblica. Uma razoável amostra qualitativa de um jornalismo de expressão internacional.
E o que nos dizem esses jornais? – agora não só no papel impresso, mas, também, em sites e portais de difusão sem fim. Há, claro, particularidades e ênfases locais. Para o El País, por exemplo, o grande assunto do dia foi a história malcheirosa de dois deputados socialistas da Assembléia de Madri, que traíram seu partido (PSOE) para dar maioria ao PP, na votação de uma imoralidade chamada ?Deputación Permanente?; no Le Monde, o destaque principal foi para a espetacular prisão do ativista José Bové; já o USA Today dedicou a manchete do dia à polêmica em torno do favorecimento por cotas a negros e a hispânicos e outras minorias, para o ingresso em universidades americanas; e o La Repubblica privilegiou uma crise política brava, envolvendo o ministro do Interior, Giuseppe Pisanu, que, em situação de acusado, recebeu a solidariedade do presidente da República, Carlo Azeglio Ciampi.
Apesar das variações ditadas, em cada caso, pelo atributo da proximidade, a lógica noticiosa é a mesma: os jornais projetam e inserem na atualidade as colisões institucionais que interessam à sociedade e ao seu aperfeiçoamento ético-normativo. E ao difundir relatos de ações humanas oponentes, o jornalismo constitui-se espaço público, socializando os discursos em confronto, para a produção de efeitos transformadores da realidade, em ciclos contínuos de novos conflitos, para novos acordos.
Na regência do processo, dando sentido e significação aos acontecimentos, estão ideários democráticos que a experiência histórica humana do pós-nazismo configurou em códigos permeados por dez grandes valores universais: Paz, Solidariedade Internacional, Igualdade, Liberdade, Fraternidade, Justiça, Democracia, Dignidade da Pessoa Humana, Dignificação do Trabalho e Proteção Legal aos Direitos.
Esses, os valores que costuram a unidade da Carta Universal dos Direitos Humanos, inspiram as constituições democráticas mais avançadas e organizam a perspectiva ética do relato e do comentário jornalísticos.
Por acreditar nisso, acredito, também, que os conflitos que interessam ao jornalismo, e para o jornalismo convergem, sempre têm, além dos lados oponentes, um terceiro lado: o da sociedade. E por sociedade podemos entender o acomodamento provisório das forças sociais divergentes, resultante da dinâmica de avanços por conflitos e acordos, em torno de princípios e valores.
Esse é o nosso lado, o da sociedade e seus valores.
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Nas razões éticas da sociedade está a razão de ser da ação jornalística e, portanto, os fundamentos da sua independência.
Para nossa frustração, em particular no caso brasileiro, a independência poderá até ser a grande virtude ausente na atividade jornalística. Mas por ela devemos lutar. No mínimo, nela podemos inspirar as nossas escolhas, ao fazermos jornalismo no dia-a-dia profissional.
É o que penso.”
JORNALISMO & ACADEMIA
“Jornalistas e intelectuais”, copyright Jornal do Brasil, 29/06/03
“A relação entre intelectuais e jornalistas nunca foi muito fácil. Se fôssemos simplificar as acusações mútuas, diríamos que os jornalistas costumam considerar os textos dos intelectuais herméticos, quando não incompreensíveis ou esotéricos. Os intelectuais, por sua vez, em geral classificam os textos dos jornalistas de superficiais, com pouco ou quase nenhum embasamento teórico, quando não meramente descritivos. As críticas de Augusto Nunes a meu artigo de domingo passado se inserem nesse marco.
Diferenças à parte, devo, antes de tudo, confirmar o que Augusto Nunes diz na abertura do seu artigo: nenhuma censura se exerce sobre os meus textos, condição sem a qual não continuaria a gozar do privilégio de escrever aos domingos no Jornal do Brasil. Quanto ao estilo confuso e incompreensível que Augusto Nunes, com sua experiência jornalística, me atribui, deve ser verdade, mas eu dificilmente poderia superar essas debilidades, por já tê-las muito interiorizadas na minha forma de escrever. Em todo caso, agradeço as observações e farei esforços para superar essas limitações, considerando que ocupo um espaço jornalístico em que é preciso dominar a difícil arte de ser consistente e preciso, na medida certa. Também devo deixar claro que não havia no artigo nenhuma intenção de acusação direta ou constrangimentos, mas a preocupação de abrir uma discussão sobre o financiamento da imprensa e sua transparência, positivos para a mídia e para a democracia.
Quanto às observações políticas gerais, elas nos remetem às divergências que certamente possuímos a respeito do mundo contemporâneo. Nos breves espaços de que dispomos na imprensa, não é possível fazer artigos que incluam todos os níveis de argumentação, mas apenas contrapontos ao que costumeiramente se escreve ou se diz publicamente. Quando publiquei artigo centrando o foco na busca dos sentimentos que produziram não os atentados de setembro de 2001, mas naqueles que os próprios norte-americanos buscam entender – sem conseguir – como expressões de ?antiamericanismo?, no momento mesmo em que eles eram vítimas, tratei de diferenciar ?antiamericanismo? de ?antiimperialismo?. Retomei esta última categoria, abandonada por tantos, no momento em que o próprio governo dos EUA se assume como imperial – embora se reservando a categoria de ?império do bem?. Mantenho que a não utilização da categoria de hegemonia imperial norte-americana permite entender pouco dos fundamentos que articulam o mundo contemporâneo e a renúncia a ela revela um tipo de abordagem que na minha opinião leva a grandes equívocos sobre os principais fenômenos internacionais e também nacionais.
Quanto ao 11 de setembro de 1973 – que completa 30 anos no próximo setembro -, esse foi outro contraponto, de que se valeu também Ken Loach no filme 11 minutos, de forma muito mais brilhante. Diante de todo o destaque que a mídia – com razão – deu aos ataques terroristas que sofreram os EUA, relegaram-se ao esquecimento outros massacres, em que os governos desse país foram agentes, e não vítimas. Poderia ter citado muitos outros – entre eles o Vietnã, o Camboja, a Indonésia, o Timor Leste, para ficar em alguns dos casos que envolveram diretamente o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, relatados em livro de Christopher Hitchens. Usei o caso do Chile, como exemplo, pela coincidência de data.
No artigo sobre a imprensa, busquei apontar dificuldades inegáveis que a imprensa conhece, no Brasil e em outros países, e que têm na questão do financiamento somente um de seus aspectos. O próprio fato de raramente se tematizar essa crise – apontada em matéria recente da revista Carta Capital – revela as dificuldades de seu enfrentamento, assim como outras instituições – a começar pela própria universidade – demonstram dificuldades de tratar de suas próprias mazelas e contradições, inclusive as referentes ao seu financiamento. Esse debate deveria ser feito de maneira muito mais ampla, pelo papel – apontado no artigo – que a imprensa tem na ampliação da democracia no Brasil. O problema da queda das receitas publicitárias, da redução do número de leitores e da conseqüente baixa nas tiragens forma um círculo vicioso, cujo centro está no modelo econômico apoiado pela maioria da imprensa durante as últimas décadas. Temos, agora, a oportunidade de abrir um grande debate nacional sobre as causas dessa crise de financiamento das empresas de mídia, que estão intimamente conectadas a uma política econômica de tendência liberal.
Apontar para a falência de um esquema de financiamento não supõe necessariamente chegar a uma fórmula superadora da crise, até porque não surgiram até aqui outras fórmulas que pudessem resolvê-la. No entanto o artigo, se mérito tem, aponta para uma conquista democrática fundamental, que é o orçamento participativo, que pelo menos abre espaço para que os financiamentos públicos – não apenas à imprensa, mas à cultura, entre outros – possam ser publicamente discutidos e decididos pela cidadania.
Também vale a pena analisar a experiência de sucesso do Le Monde Diplomatique, de propriedade tripartite entre a empresa proprietária original, o Le Monde, uma cooperativa dos jornalistas da redação e uma associação dos leitores da publicação, em que nenhuma parte detém maioria absoluta. Essa experiência, e outras, igualmente inovadoras, se não constituem soluções miraculosas que mereçam primeira página do JB, pelo menos apontam que a solução dos impasses da imprensa numa sociedade democrática supõe a democratização do Estado e o envolvimento da cidadania – aquela que paga impostos e sustenta os financiamentos estatais – na busca dessas soluções. Todos os órgãos que desempenham funções públicas – não apenas os estatais, mas as universidades, os partidos, os sindicatos, as ONGs, entre tantos outros – devem ter transparência no seu processo de financiamento, o que os fortalece e fortalece a democracia.
Quanto aos meus pontos de vista, mais além do que consigo sintetizar na coluna que com muito orgulho possuo no JB, enviarei a Augusto Nunes meu último livro, abusando do seu tempo e da sua paciência, certo de que somente o aprofundamento e o respeito pelas posições divergentes, como ele tem demonstrado, permitirão que a imprensa contribua para a democratização do país. Proponho, para o aprofundamento desse debate, a realização de uma mesa-redonda sobre o tema mídia e democracia, na Uerj, universidade pública do Rio de Janeiro, com a participação igualmente de outros especialistas no tema, aberta à participação de todos, incluídos os leitores do JB. A participação conjunta de intelectuais e jornalistas nesses embates e em tantos outros, para além das dificuldades de entendimento típicas de estilos diferenciados, permite confirmar seu caráter complementar e não excludente para a construção de uma nação soberana, capaz de tratar com dignidade todos os seus cidadãos.”
PROJETO JANDIRA
“Projeto de regionalização da TV é reprovado”, copyright Folha de S. Paulo, 27/06/03
“A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados reprovou, por 23 votos a 16, o texto do projeto da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ) sobre a regionalização da programação de emissoras de TV e rádio. A reprovação impede que o projeto siga para o Senado. Um novo texto deverá ser apresentado para análise da comissão. O projeto de Feghali estabelece percentuais semanais de programação regional a serem seguidos pelas emissoras e sanções em caso de descumprimento do previsto.”
“Deputados do bloco governista se opuseram ao Projeto Jandira”, copyright Tela Viva News (www.telavivanews.com.br), 26/06/03
A lista de deputados da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara que votaram contra a aprovação da redação final do projeto 256/91 (Projeto Jandira Feghali), que propõe critérios para a regulamentação do artigo 221 da Constituição, regionalizando a TV brasileira, inclui diversos nomes ligados ao bloco de apoio do governo (PMDB, PL e PTB). São os seguintes os deputados contrários ao texto do projeto:
Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL/BA),
Paulo Magalhães (PFL/BA),
Zelinda Novaes (PFL/BA),
Almeida de Jesus (PL/CE),
José Roberto Arruda (PFL/DF),
João Campos (PSDB/GO),
João Paulo Gomes da Silva (PL/MG),
Antonio Cruz (PTB/MS),
Wilson Santos (PSDB/MT),
Raimundo Santos (PL/PA),
Roberto Magalhães (PTB/PE),
André Zacharow (PDT/PR),
José Divino (PMDB/RJ),
Rodrigo Maia (PFL/RJ),
Mendes Ribeiro Filho (PMDB/RS),
José Ivo Sartori (PMDB/RS),
Heleno Silva (PL/SE),
Luiz Antonio Fleury (PTB/SP),
Edna Macedo (PTB/SP),
Bispo Wanderval (PL/SP),
Robson Tuma (PFL/SP),
Ildeu Araujo (PRONA/SP) e
Darci Coelho (PFL/TO).
Abstiveram-se os deputados
Osmar Serraglio (PMDB/PR),
Sandra Rosado (PMDB/RN) e
Paulo Afonso (PMDB/SC).”