O POVO
"A cautela versus a notícia antecipada", copyright O Povo, 15/6/03
"Terça-feira passada, a manchete do O Povo era incisiva, mas não conclusiva: ?Sérgio Benevides ? Dia decisivo para mandato de deputado?. A matéria tratava da entrega, ao Conselho de Ética da Assembléia Legislativa do Estado, do relatório da subcomissão que apurou denúncias de desvio de dinheiro público contra o deputado Sérgio Benevides (PMDB). No texto, a informação de que a tendência era de que o relator, Osmar Baquit (PSDB), pediria a cassação do colega por quebra de decoro parlamentar. No mesmo dia, o Diário do Nordeste também abordava o assunto na manchete, mas com avanços: ?Quebra de decoro parlamentar ? Relator pede cassação de Benevides?. A matéria do concorrente já antecipava o que O Povo tinha como mera ?tendência?. Tanto O Povo quanto o outro jornal ouviram os mesmos parlamentares ? Baquit, Artur Bruno (PT) e Moésio Loiola (PSDB). E o ambiente em que os repórteres obtiveram dados era o mesmo ? a Assembléia. Em ambos os jornais havia, até, declarações idênticas atribuídas aos três deputados. Por que, afinal, o Diário do Nordeste conseguiu informar a seus leitores a essência do conteúdo do relatório e O Povo não?
O que faltou foi ousadia do O Povo. Não sou eu quem afirma, mas a editora-chefe, Fátima Sudário ? com essas mesmas palavras, mas refutando a consideração de que tenha havido um furo. Em e-mail que me enviou na terça-feira, ela também observou que ?nem O Povo e nem o DN tiveram acesso ao relatório. Os dois jornais tiveram indicação de que o parecer será pela cassação?. Segundo Fátima, quando se definiu a manchete da terça ? na noite de segunda-feira ?, houve uma longa discussão entre editores da área e a Chefia da Redação e as ponderações de que era necessário ter cautela prevaleceram sobre as de que a manchete teria de ser afirmativa. Resultado: os leitores saíram perdendo.
Quarta-feira, porém, sem fazer observações, O Povo informou que o advogado de Sérgio Benevides, Waldir Xavier, ?reclamou do vazamento do teor do relatório a setores da imprensa, o que teria prejudicado o processo?. Mais: ?O advogado afirmou que a divulgação antecipada do teor do relatório prejudicou a imagem do Conselho de Ética da Assembléia, mas evitou culpar os membros do Conselho pelo fato?. Além da constatação de que, vazado o teor, O Povo foi inábil no trato da informação que detinha, fica a de que o jornal deveria, no mínimo, ter ouvido integrantes do Conselho sobre a acusação do advogado. O que não foi feito.
Sutil distorção, grande equívoco
A Associação dos Empresários da Praia de Iracema, entidade de atuação tão discreta que a torna desconhecida, publicou nota no O Povo terça e quarta-feira passadas. O texto contestava o que o jornal publicou sobre o estado de abandono daquele bairro em uma série de matérias. ??Os verdadeiros motivos da decadência da Praia de Iracema??, segundo a Associação, passam ao largo dos bares e restaurantes. No fim do texto, uma sutil observação que certamente deixou dúvidas para os leitores. Reproduzimos rigorosamente de acordo o original: ?Agradecemos, atenção que nos foi dada, por Vossas Senhorias, e se for conveniente publiquem, pois somos cidadãos sujeitos à Lei, e cumprimos a Legislação deste mui digno País, deste amado Estado do Ceará, e mui querida cidade de Fortaleza?.
Uma meia-verdade. Ou uma distorção sutil. A nota era material publicitário ? pago, portanto. Sua inserção não dependeu da conveniência do jornal, ao contrário do que se tentou fazer crer. O tom do desfecho soou como direito de resposta, ou algo similar, embora não o fosse ? e estivesse aposta sobre a linha que cercava o anúncio a palavra ?Ineditorial?. Outra vez, sem observar critérios, O Povo veiculou informação imprecisa, ainda que paga. Pior: contestando o incontestável.
Guia prático de como fugir da polícia
No mais das vezes, sem os indispensáveis questionamentos, alguns textos do noticiário policial parecem boletins de ocorrência. Aparência confusa não foi o caso da matéria ?Crateús ? Polícia diz que quadrilha tentava assaltar avião?, publicado terça-feira no O Povo, mas a falta de questionamentos deixou lacunas. Foi escrito que três suspeitos de integrar uma quadrilha haviam sido presos por um delegado de Polícia Civil e um policial militar em Crateús. E que fugiram. A facilidade da fuga surpreende qualquer leigo. Os detidos teriam pedido aos policiais para sair para lanchar. Autorizados, desapareceram montados em mototáxis. Nada sobre a escapada rocambolesca foi perguntado pelo repórter. Afinal, que tipo de procedimento permite à Polícia liberar para o lanche pessoas suspeitas de compor um bando? Outro ponto não esclarecido relaciona-se à conclusão a que chegou a Polícia, segundo O Povo: ?familiares do piloto seriam seqüestrados e o assalto ao dinheiro transportado no avião seria feito mediante extorsão?. Como saber disso, se os suspeitos escapuliram?
Confissões inconfessáveis
O assunto é recorrente, mas não é exagero retomá-lo. Sob o título ?Confessionário?, o caderno Buchicho publica nas edições de domingo textos sobre supostas aventuras sexuais de supostos leitores. Inclusive hoje. Subliteratura ruim, repito o que escrevi na coluna passada. Sobre esse tipo de texto, e em resposta à análise que fiz na semana passada, leitores se manifestaram. Todos, sem exceção, protestaram em relação àquele conteúdo. Destacam-se dois tipos de incômodo. O primeiro refere-se ao acesso que crianças têm ao caderno ? a maioria dos leitores que ligaram ou mandaram e-mails sobre o assunto disse que retirou as páginas com os textos para evitar que os filhos pequenos os lessem. O segundo, à descaracterização de um produto que há 75 anos é referência de informação, formação de opinião, cultura, entretenimento e cidadania ? O Povo.
Imprensa na pauta
Na semana passada, reuni-me com estudantes de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), na quarta-feira, e com gerentes da Embratel, na sexta. Na pauta, relações do público com a imprensa."