O POVO
"Faltou pontaria", copyright O Povo, 29/6/03
"Segunda-feira passada, O Povo dedicou suas Páginas Azuis a uma entrevista com o tenente-coronel da Polícia Militar Francisco Horácio Marques Gondim. O personagem fez fama nos anos 70 e 80 quando, ainda tenente, chefiava o hoje extinto Comando de Operações Especiais (COE). Numa fala recheada de palavrões, ele deu versões para a morte do militante do PCB Pedro Jerônimo de Sousa na prisão, em 1975 ? segundo diz, suicídio; conforme laudos e testemunhos, assassinato sob tortura ?, e para o caso do Banfort, em 1987, em que dois irmãos assaltantes foram executados pela Polícia ? eram, acusa, militantes de esquerda. Detalhe: o oficial se diz ?de direita?. Horácio Gondim afirmou ainda que dinheiro foi desviado da Prefeitura de Fortaleza na gestão de Maria Luiza Fontenele, eleita pelo PT, para financiar um campo de treinamento de guerrilha em Caucaia ? tese que a coluna Política de terça-feira desmontou com dados inquestionáveis ?, que tem ?um roteiro de quem é quem no Ceará? e que sabe ?como, por exemplo, nasceram as fortunas?. E ainda se auto-intitulou consultor informal das forças policiais. As declarações incomodaram leitores.
?Não se podia dar espaço a esse tipo de entrevistado?, reclamou uma leitora. Engano. Deve-se, sobretudo porque se mostrou à sociedade que 20 anos após o fim do COE alguns conceitos condenáveis permanecem encalacrados na comunidade da segurança pública. ?Aquele linguajar é muito baixo, o leitor do O Povo não o merece?, queixou-se outra. Tem razão, mas em parte. O respeito dos repórteres ao palavrório foi um ônus pago pela delineação mais apropriada do perfil do oficial. O que poderia ser questionado também seria o fato de não se ter dado espaço às respostas dos citados por Gondim já na segunda-feira. É necessário, porém, que se entenda isso não como falha, mas como opção editorial. Tanto que nos dias seguintes a família de Pedro Jerônimo externou repúdio a Gondim, mostrando as circunstâncias do crime. O jornal também expôs mais informações sobre o caso, obtidas com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e noticiou o pedido de audiência pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa. Note-se: a entrevista, apesar de algumas imprecisões, foi um bom trabalho dos jornalistas Demitri Túlio e Luiz Henrique Campos.
O que O Povo não fez, e ainda o deve aos leitores, foi publicar um posicionamento dos gestores da Segurança Pública. Ou melhor, do Executivo Estadual, considerando que o chefe maior das polícias no Ceará é o governador Lúcio Alcântara. Primeiro, porque um militar se pronunciou sem autorização superior. Depois, porque revelou manter fontes e documentos que indicariam crimes ? como uma fita sobre o suposto campo de treinamento e dados acerca de irregularidades no Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor). Por fim, porque fez críticas à política de Segurança do Estado. O Comando da PM e o da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social silenciaram ? o que é incompreensível, frente ao caráter das declarações e à flagrante indisciplina de Gondim. Mas isso não exime o jornal de cobrar uma posição oficial ou de explicar que esta não existe.
Agora é com deus
A direção da Santa Casa de Misericórdia de Sobral finalmente emitiu explicação sobre a comunicação de 236 mortes de pacientes, de janeiro a abril últimos, por falta de UTIs. A denúncia estava em uma nota, datada de meados de maio, assinada por médicos da Casa, que gerou manchetes nos jornais locais. Segundo auditoria da Secretaria do Desenvolvimento Social e da Saúde de Sobral, era invencionice. Só que não se disse ainda de quem. Assinado pelo bispo dom Aldo Pagotto, provedor da Santa Casa, o deputado padre José Linhares, diretor administrativo, e o diretor clínico, Francisco José Mont?Alverne Silva, o novo texto saiu no O Povo terça-feira, em uma página da Editoria de Esportes. Nenhum trecho ajuda a descobrir quem escreveu a nota sobre as 236 falsas mortes, mas os signatários reafirmam ?sua credibilidade e confiança no seu Corpo Clínico, reconhecendo-lhe competência e dedicação aos clientes por eles atendidos?. Comportamento estranho, já que os médicos da Santa Casa negam que tenha sido deles a autoria da primeira nota.
Relevante é o fato de que perguntas básicas feitas pelo O Povo em 21 de maio último, referentes às supostas 236 mortes, não são respondidas no recente manifesto da Santa Casa:
? Quem redigiu a nota?
? Quem fez o levantamento das mortes?
? Onde está a relação nominal dos mortos?
? Por que a nota só chegou à Secretaria da Saúde do Estado após sair na imprensa?
E, por isso, é de se estranhar que a nova nota não gerou na imprensa nenhuma matéria, nenhum aprofundamento dos fatos ligados à denúncia tida como fraudulenta. Enquanto não surgem respostas, estimula reflexão o terceiro item da nova nota, sobre se a UTI seria eficiente nos casos denunciados e que estão ?em estágio de verificação?: ?Este resultado só poderia ser aferido por Deus?.
Presente de grego
Quarta e quinta-feira, O Povo abordou, inclusive em manchete principal, as draconianas medidas de contenção de despesas baixadas pelo governador Lúcio Alcântara. A justificativa oficial para elas é a de que a arrecadação estadual caiu e a economia nacional está parada. Mas, sendo peça-chave de gestões passadas um pretenso saneamento das finanças do Estado, merecem questionamento cortes assim com apenas seis meses da nova administração. Afinal, a que se devem as dificuldades financeiras em que está o Ceará? O Povo não se dedicou nas matérias que publicou sobre o assunto, pelo menos até a edição de ontem, a tentar desvendar isso. O máximo que fez foi, na quinta, informar laconicamente: ?O senador Tasso Jereissati (PSDB), ex-governador do Estado, e a ex-secretária de Administração, Soraia Victor, (…) foram procurados para comentar a situação em que o Estado foi entregue para a atual administração. Eles não haviam dado retorno até o fechamento desta edição?."