DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Um jornal com história", copyright Diário de Notícias, 29/6/03
"Nelson Henriques, leitor do DN ?há muitos anos?, enviou à provedora uma longa mensagem, na qual exprime a sua visão pessoal sobre o jornal, colocando questões que merecem atenção. Assumindo-se como ?um leitor crítico?, Nelson Henriques afirma que ?em nome de um ?pluralismo?? que lhe parece mais um ?posicionamento ideológico-partidário, o DN está cheio de colunistas partidários, muitas vezes assumidos, mas também? (e isso é que é, a seu ver, ?criticável?) ?disfarçados de jornalistas, que se dão ao luxo de usar as páginas do DN para fazerem os seus ?comícios políticos?, por vezes pensando que a maioria dos leitores (…) não sabe distinguir informação de propaganda partidária?. Em sua opinião, ?o DN está a entrar em terrenos perigosos (…), tendo em conta que deveria ser um jornal de referência (…) e muitos leitores não se revêem (…) nas opções ideológicas (…) de um ?jornalismo, acrítico e venerando??. Desiludido, Nelson Henriques afirma que, ?desde há algum tempo?, deixou de manifestar as suas ?discordâncias com a actual linha do DN?, porque as suas mensagens são ?sistematicamente silenciadas (…) e porque é evidente que o DN não assume essas críticas e, como tal, as opiniões dos leitores são inconsequentes?.
Outro leitor, Telmo Vieira, fala, também, de colunas de opinião que ?envergonham o DN?. Vejamos:
Algumas destas críticas estão marcadas por acontecimentos do passado recente ? como a guerra no Iraque, que deu origem a posições extremadas de colunistas e editorialistas e a cobertura do processo ?Casa Pia? ? que incutiram nos leitores mais atentos e sensíveis o sentimento de um certo desencanto face a certas derivas do jornalismo actual. No que se refere ao DN, estas mensagens traduzem, sobretudo da parte de leitores mais antigos e fiéis, alguma dificuldade em reconhecerem, por vezes, o jornal que se habituaram a conhecer e a apreciar. Daí a perplexidade que manifestam e o receio de que o DN possa ter perdido algo da sua identidade.
A provedora não pode, em rigor, confirmar ou negar que o DN adquiriu ?um posicionamento ideológico-partidário?, uma vez que só uma análise sistemática e estendida no tempo permitiria confirmar ou infirmar essa hipótese.
Também é certo, como afirma o director do jornal, que ?não se pode confundir a opinião (…) com reportagens ou comentários personalizados?, princípio que afirma ser ?válido para todo o trabalho do DN?.
Por outro lado, independentemente de saber se o DN mudou e, caso tenha mudado, quando e em que sentido se verificou a mudança, não seria natural que o DN permanecesse indiferente perante a dinâmica social e os novos estilos de vida que marcam a sociedade portuguesa dos nossos dias, que é muito diferente do que era há anos.
Aliás, os leitores não questionam que o jornal adopte novos grafismos, novas abordagens, géneros e estilos. O que os preocupa e desgosta são certas decisões editoriais, por exemplo, quanto à primeira página e ao tom de algumas opiniões que, a seu ver, marcam, negativamente, o perfil do jornal. A avaliar pelas mensagens que chegam à provedora, muitos leitores vêem hoje o DN mais como um ?jornal de opinião? do que como um ?jornal de grande informação?.
Ora, se mergulharmos nas raízes do DN, veremos que ele nasceu contra ?o antigo jornalismo? ? um jornalismo ideológico, agente de propaganda e arma de combate. É, pois, um jornal com história, que acumula um capital de prestígio construído ao longo de muitos anos, que, salvo alguns acidentes de percurso, tem sabido preservar. Não se trata, de seguir, hoje, práticas e estilos ultrapassados mas sim de manter a ?marca? de qualidade que é a sua, independentemente de quem, em cada momento, o dirige.
As questões colocadas pelos leitores podem, talvez, encontrar alguma explicação no facto de existir hoje nas empresas jornalísticas grande mobilidade de pessoal (abrangendo redactores e colaboradores), que torna difícil aos mais jovens conhecerem e apreenderem o espírito e os princípios de um jornal centenário como o DN. Essa dificuldade é agravada quando, como por vezes acontece actualmente no DN, certas decisões editoriais parecem traduzir alguma indefinição e diferentes opções quanto à orientação do jornal por parte de quem o dirige, que acaba por confundir os leitores.
Ora, a criatividade, a juventude e a inteligência dos seus redactores e colaboradores não são incompatíveis com a coerência, o rigor e o respeito pelo legado secular dos fundadores do DN. Aliás, exemplos estrangeiros mostram que, num tempo dominado pela tabloidização dos media, a receita para o sucesso de um jornal ?de referência? consiste em manter um perfil de qualidade, em vez de mimetizar modelos que se afastam desse perfil como, por vezes, parece acontecer no DN.
Como refere o leitor Nelson Henriques, o DN teria ?tudo a ganhar se ouvisse mais a voz dos seus leitores, pois é evidente que eles são a razão de ser da existência do próprio jornal?. O seu ?alerta? deve, pois, ser entendido como um precioso contributo para uma reflexão sobre o jornal.
Bloco-Notas
Conhecer o passado
Diz o historiador Marc Bloch que ?é preciso conhecer o passado para compreender o presente e preparar o futuro?. O DN constitui um marco fundamental na história do jornalismo português. Vale, pois, a pena recordar o que sobre ele dizem alguns autores que o estudaram.
O aparecimento do DN
J. M. Tengarrinha, no seu livro A História da Imprensa Periódica Portuguesa, afirma que foi Eduardo Coelho, em 1865, com a fundação do DN, a desempenhar, em Portugal, papel idêntico ao de Milhaud, em França, com o Petit Journal, Émile de Girardin com La Presse e Villemessant com Le Fígaro. A sua intenção era dirigir o jornal a uma mais vasta camada de leitores, ?não como um jornal de opinião, mas meramente noticioso?, um ?jornal popular, a dez réis, de estilo ao alcance de todos, moldado no jornal de cinco cêntimos parisiense, estritamente noticioso e sem filiação partidária?, que visa ?unicamente interessar todas as classes, ser acessível a todas as bolsas e compreensível a todas as inteligências. (…) Eliminando o artigo de fundo, não discute política, nem sustenta polémica. Regista, com a possível verdade todos os acontecimentos, deixando ao leitor, quaisquer que sejam os seus princípios e opiniões, o comentá-los a seu sabor?.
O ?comentário de fundo?
Cristina Ponte, na sua tese de doutoramento sobre a cobertura jornalística da infância, expõe alguns ?traços do jornal?, nos 30 anos abrangidos pela sua investigação. Referindo-se ao ?artigo de fundo?, no DN, diz Cristina Ponte: ?Estava inscrito no primeiro número o desejo da sua eliminação em privilégio do registo de factos. Os primeiros editoriais surgem, contudo, logo em 1868, a propósito da Questão Ibérica. Eduardo Coelho iniciava então a rubrica Assumpto do Dia, prosseguida por outras figuras com responsabilidade no jornal até 1919.? Segundo a autora, ?a par da cobertura política sob a forma de notícias, o jornal estava ligado a figuras da cultura e dava relevo de topo de primeira página a eventos de ordem cultural?.
Os últimos anos
Sobre as ?profundas transformações? sofridas pelo Diário de Notícias nos últimos 30 anos do século XX, Cristina Ponte identifica:
?As condições sociais de produção da notícia (do regime de censura ao direito da informação)?; o ?enquadramento institucional (jornal de grupo privado sem vocação para o sector, jornal estatizado, jornal privatizado e pertença de grupos multimedia)?; a ?composição de redacção (da formação profissional na tarimba ao domínio de licenciados, feminização e juvenilização)?; a rede informativa (de correspondentes locais sem formação à cobertura jornalística profissional em delegações regionais)?; as ?mudanças tecnológicas?; o ?surgimento de secções especializadas?; as ?mudanças na hierarquia de conteúdos e na paginação?; as ?mudanças na oferta de imprensa, a nível de diários e semanários?."