MÍDIA NO IRAQUE
Saad al-Bazzaz é um jornalista de história invejável. Apesar disso, poucos gostariam de ter seguido sua trajetória: ele foi chefe de reportagem da TV estatal iraquiana e editor-chefe do principal jornal de Bagdá, al-Jammhoria. Em reportagem a James Silver [The Independent, 8/7/03], ele conta como é trabalhar sob a ditadura de Saddam Hussein e as manobras que teve de fazer para agradar Uday, o déspota primogênito do ditador.
Até a queda de Saddam, o império midiático pessoal de Uday incluía grande parte da mídia do país: dois jornais diários, sete semanários, duas revistas mensais, um canal de TV e um de rádio. Como fosse editor-chefe do principal jornal iraquiano entre 1990 e 92, al-Bazzaz tinha de lidar regularmente com Uday. "Em uma reunião de pauta, ele ficou furioso com um artigo em meu jornal e empunhou sua arma", disse al-Bazzaz. "Imagine nossa reação quando ele começou a brincar com a arma enquanto gritava conosco. Depois disso, qualquer tipo de diálogo se fez impossível."
Três anos antes, quando comandava a TV estatal, al-Bazzaz quase foi executado por um cúmplice de Saddam. Foi intimado a comparecer a um dos muitos palacetes do ditador nos arredores de Bagdá. Saddam vestia uniforme militar, com expressão de desgosto atrás de sua escrivaninha. Para desespero do jornalista, estava diferente das últimas vezes que o encontrara. Não era incomum que funcionários públicos "desaparecessem" repentinamente após enfurecerem Saddam.
Al-Bazzaz estava tentando achar, havia algum tempo, uma brecha que permitisse um grau mínimo de liberdade de imprensa. A TV estatal e as rádios transmitiam horas de poemas e música em homenagem a Saddam todos os dias. A maioria das manifestações de adoração ao líder era terrível, o que levou al-Bazzaz a pedir que produtores descartassem as piores. Saddam queria saber por quê. "Quem é você para julgar? Quem é você para impedir que o povo expresse seus sentimentos por mim?", perguntou o ditador. Nessa hora, al-Bazzaz temeu ser executado. Mas, depois de uma pausa, o presidente apenas falou sobre a liberdade de imprensa: não haveria trégua no controle da mídia. No dia seguinte, tudo voltou a ser como antes.
Não muito depois do incidente com Uday, al-Bazzaz fugiu do Iraque com outros 150 jornalistas. Viveu na Jordânia e nos EUA antes de se estabelecer em Londres, onde montou uma editora a serviço de milhares de exilados iraquianos em todo o mundo.
"Jornalistas não eram queridos e as coisas sempre foram duras, mas a situação piorou muito quando Uday assumiu a maior parte da mídia", disse al-Bazzaz. "Ele não tinha nada a ver com jornalismo mas viu-o como meio poderoso de tentar controlar a mente do povo iraquiano. Ele sabia muito bem que a maioria dos jornalistas não apoiava seu pai. De dia, faziam seus trabalhos silenciosamente, mas à noite trabalhavam contra o regime". Quem criticava o regime era silenciado. Desapareciam, eram espancados, ameaçados de morte, assassinados, quando não optavam pela medida de precaução: fugir do país, de preferência com a família, para evitar as temíveis vinganças de Uday.
Quando uma nova lei foi aprovada em 1991 atenuando as restrições à imprensa, al-Bazzaz perguntou a Saddam se pretendia realmente pô-la em prática. "Saddam ficou bravo e disse: ?Como você me faz esse tipo de pergunta? Você acha que vou levar essa lei a sério? Você acha que jornalistas iraquianos como você merecem liberdade de falar o que quiserem? De jeito nenhum! Essa lei é uma medida temporária para permitir que vejamos quem está se escondendo e mantendo suas idéias na obscuridade?", conta al-Bazzaz. "Naquele momento, percebi que o presidente do Iraque tentava armar uma emboscada a seus críticos e dar descarga nos dissidentes da imprensa."
Agora, com a queda de Saddam, al-Bazzaz mudou seus negócios para o Iraque, produzindo edições de Azzaman Daily em Bagdá e Basra. Segundo o jornalista, um apetite por notícias na classe-média fez a circulação chegar a 60 mil cópias diárias. Uma equipe enxuta, que inclui mulheres, está produzindo cerca de 20 páginas de notícias. Al-Bazzaz também tem planos para revistas e um canal de TV. "As pessoas daqui estão desesperadas por uma imprensa livre e neutra após 30 anos de Estado totalitário."