JORNAL NACIONAL
Cláudia Rodrigues (*)
Em três semanas o JN já repetiu duas vezes o enfoque para a pauta do desemprego. "Pessoas que ganhavam até 1.800 reais no último emprego disputam vaga para salário mínimo". Frases como essa são aliadas ao tom de indignação dos apresentadores quando dizem que alguns dos candidatos têm terceiro grau completo.
Assistindo à matéria senti algo esquisito no ar, e pensei na razão pela qual uma notícia sobre desemprego/subemprego não aponta para as causas reais do problema, como a obsessão pelo excesso de lucro, sempre usado para aumentar a produção e o faturamento, com a velha desculpa de que isso gera empregos.
Por que não aponta as possíveis soluções, como o microcrédito? Por que não levanta as razões que impedem o Brasil de ter bancos éticos, como o Triodos e outros menores que facilitam a vida dos que não nasceram em berço de ouro?
Na manhã seguinte, depois da matéria sobre os desempregados desesperados e os empregados que se cuidem, a Kelly entra em casa e diz: "Dona Cláudia, pelo amor de Deus, a senhora viu no Jornal Nacional como é que estão as coisas? Por isso que eu digo, a gente tem que dar valor, porque conseguir emprego não está nada fácil".
Daí matei a charada sobre o "algo esquisito". O algo esquisito que vinha da matéria não tem a ver apenas com a falta de profundidade da questão, mas como é possível piorar uma situação com abordagens superficiais, com o terrorismo que brota das "máquinas de moer gente", como diz um amigo que trabalha numa operadora de telecomunicações.
O Jornal Nacional, com essa abordagem do professor de História que precisa virar gari, consegue assustar os desempregados e tornar os empregados ainda mais arrolhados do que já estão.
Todas as lutas sociais e trabalhistas dos últimos 100 anos estão sendo enfraquecidas, em doses homeopáticas, por matérias como essas. Separando as pessoas, instaurando um espírito de competição e superestimando os empregadores, o que teremos mais a esperar? Mais acovardados? Mais submetidos?
E o que dizer dos lucros anunciados, dos escondidos, das exportações por baixo dos panos para o Paraguai?
O Brasil não é um país pobre que precisa aprender a dividir igualmente a sua pobreza, como disse o presidente Lula. O Brasil é um país rico, há muito dinheiro aqui dentro, há muito dinheiro saindo e entrando. O Brasil tem um enorme caixa 2, e se há algo a ser feito na distribuição de renda não poderá ser bem-executado se o dinheiro do caixa 2 ficar de fora.
Estamos mal
Agora vamos sonhar, porque os sonhos alimentam a alma. Já pensou se o JN, com essa influência toda, fosse atrás do caixa 2? Com certeza, não aterrorizaria os desempregados e não pressionaria os empregados para uma subserviência ainda maior.
O JN não terminaria com a matéria-pizza, fútil, mas encerraria com uma questão sobre o principal assunto do dia. Uma questão para o telespectador pensar. Os sem-terra, por exemplo. Essa questão nunca é discutida. Só é dada a notícia; a versão dos sem-terra, a versão dos fazendeiros, o que diz o governo e como age a polícia. Mas a questão da reforma agrária, a história desse Brasil, as eternas e ainda atuais brigas entre colonos e índios, por exemplo, nada disso é colocado no pano de fundo da questão da reforma agrária.
Se denuncia escola ruim, prefeitura que não fez o que devia, prefeito corrupto ? e isso deve ser feito ?, nada é colocado sobre as causas desses abusos. Provavelmente porque as causas do abuso de autoridade, do tráfico e da violência nasçam no seio da desigualdade. E mexer na desigualdade, como atestam os juízes revoltados, é uma tarefa espinhosa, que afeta vaidades e privilégios ancestrais.
O JN pisa em ovos com suas pautas pré-elaboradas. Está sempre desarmando a bomba imaginária da convulsão social. É tão antigo esse medo da convulsão social, e estamos tão longe de uma mobilização das massas ? aliás, correndo em direção oposta, de qualquer maneira.
Lá vai o William Bonner, um jornalista inteligente, articulado e de acordo com o sistema. A seu lado caminha a Fátima Bernardes, jornalista também inteligente, sensível e, infelizmente, tão de acordo com o sistema. Eu tinha fé. Quando eles assumiram a edição do JN eu tive fé em que tudo mudaria, que o jornal não seria mais tão chapa-branca. Eles têm a audiência máxima do horário. Eles são bonitos e simpáticos. Mas, infelizmente, estão do lado de lá, de acordo com as regras do jogo.
Boris Casoy não dá. O americaníssimo Band News também não. Voltarei ao entediante Jornal da Cultura, que poderia ser realmente diferenciado, mas teima em ficar mais ou menos na fachada do que está levando e consegue somar os defeitos de ser alternativo com as tentativas de se enquadrar no sistema.
Em matéria de telejornal estamos mal.
(*) Jornalista