Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eduardo Ribeiro

DUPLO EMPREGO

“A dupla atividade e a ética no jornalismo”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 25/7/03

“No auge da Ditadura Vargas tornou-se comum, no País, a prática consagrada pelo velho DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda de ?comprar? os jornalistas dos principais veículos com um segundo emprego no Estado – em geral melhor remunerado do que no jornal. Desse modo, o mesmo jornalista que de manhã escrevia o release do governo, &agraveagrave; tarde o editava no jornal em que trabalhava e estávamos conversados. Com isso, poucas vezes em nossa História tivemos uma imprensa tão manipulada e adestrada aos interesses do poder, como naquela época. Era realmente uma vergonha e uma desmoralização não só para os profissionais, como para o próprio jornalismo, visto com justificada desconfiança pela sociedade.

Isso melhorou muito desde então, mas foi a partir da obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional que o jornalismo no País ganhou credibilidade e deslanchou. Há um grande questionamento em relação a isso, hoje em dia, sobretudo depois da precipitada decisão da justiça de conceder uma liminar contra essa obrigatoriedade, mas é inegável que ela foi benéfica em vários sentidos para o jornalismo – inclusive por acabar com a história do compadrio, da troca de favores, do uso da carteirinha para fins escusos, dos vergonhosos salários etc. Podemos ser contra ou a favor da obrigatoriedade, da rediscussão de caminhos para o acesso à atividade profissional etc., mas é inegável que a exigência de formação superior trouxe para o jornalismo mais benefícios que prejuízos (embora estes também existam, sobretudo pela transformação do diploma numa commoditie e pela proliferação de faculdades sem qualificação para formar profissionais competentes).

Mas esse é tema para outro artigo e (inflamados) debates numa outra oportunidade.

Aqui, a proposta é refletir realmente sobre um tema que continua a atormentar aqueles que defendem uma imprensa livre, transparente, ética e capaz de exercer seu poder de crítica e fiscalização. É correto, é ético um profissional atuar numa assessoria de imprensa e num veículo de comunicação ao mesmo tempo? Nos momentos em que estive mais próximo às discussões no âmbito dos sindicatos dos jornalistas me lembro que chegávamos até a aceitar esta hipótese, desde que as atividades se dessem em áreas diferentes (esporte e política, por exemplo), de tal modo que ficasse clara a inexistência de vínculos promíscuos. Mas essa prática, sobretudo quando o mesmo profissional atua nas duas pontas, numa mesma atividade, sempre foi profundamente condenável. Sempre a condenamos, na história do segmento de assessoria de imprensa, por considerá-la imoral e inaceitável dentro do jornalismo. A pessoa que faz um release, ou assessora uma ou várias empresas, não pode ser também profissional de redação, sobretudo se tiver um cargo que lhe permita manusear e editar informações da área em que faz assessoria. Mais condenável ainda é o profissional que está em redação e cria, paralelamente, uma assessoria para atender (formal ou informalmente) fontes de informação na qualidade de clientes. É um despautério, para falar o mínimo. Caso de polícia mesmo.

Todos sabemos que em várias regiões os salários, no jornalismo, também são uma vergonha, obrigando centenas de profissionais a buscar uma segunda e até terceira colocação, para sobreviver. Isso, no entanto, não justifica, sob qualquer hipótese, que ele se deixe corromper, valendo-se de sua condição de jornalista para auferir benefícios espúrios.

Os jornalistas, em seus vários fóruns, têm lutado muito contra isso, por saber o perigo que traz para a imagem do jornalismo e para o próprio fortalecimento da democracia. Mas é ainda mais comum do que podemos imaginar a prática de pagar jornalistas (regularmente – via jetons ou mesmo salários) para abrir espaço para personalidades, empresas e autoridades governamentais. E é uma prática que vem a reboque dos baixos salários, da falta de visão empresarial de grande parte dos donos de veículos de comunicação, e de uma situação até cultural por nós vivenciada há décadas. Eu até compararia com a situação dos policiais, que, ganhando um salário indecente, mostram-se vulneráveis nesse sentido.

Não quero aqui posar de moralista, mas considero importante trazer para nossa reflexão um tema que ainda muito nos incomoda. E o faço motivado pela carta que recebi de uma colega de Brasília relatando o que lá – em plena Capital Federal – tem acontecido nesse sentido. E se for tudo verdade é uma vergonha. E cabe aos colegas que atuam em Brasília lutar para desmontar esquemas tão desmoralizantes.

Diz a colega:

?Está tendo uma epidemia aqui no mercado de Brasília, que considero uma vergonha. Gostaria de, reservadamente, saber sua opinião a respeito. Vários jornalistas de veículos estão abrindo assessorias de imprensa e atuando nas duas áreas simultaneamente.

1 – As representantes da revista… acabam de abrir uma assessoria de imprensa. Atendem personalidades da cidade e escrevem para a revista.

2 – Uma outra colega mantém uma coluna cultural numa importante emissora de tevê e tem uma assessoria especializada no mesmo segmento que cobre jornalisticamente; e ?por mera coincidência? quase a totalidade do espaço de seu programa é dedicado aos seus clientes.

3 – Um outro colega, da área automotiva, tem coluna em dois veículos e – surpresa! – tem também sua empresa de assessoria de imprensa.?

Como a colega quer a minha opinião, eu digo que essa é uma situação realmente inaceitável e o mercado tem de combater com dureza, tanto em nome do próprio jornalismo quanto da boa prática da assessoria de imprensa. Temos aí o Código de Ética dos jornalistas, aprovado em Congressos da Fenaj, e o próprio setor das agências de comunicação também tem o seu, aprovado recentemente em assembléia geral. São fóruns que estão aí exatamente para ajudar a coibir práticas inaceitáveis – seja em relação ao jornalismo, seja em relação ao negócio assessoria de imprensa.”