Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marco Antônio Martins

MARCINHO VP, O CRIME E A MIDIA

“Marcinho VP é morto em Bangu 3”, copyright Jornal do Brasil, 29/7/03

“Há um mês na lista dos livros mais vendidos, com 35 mil exemplares, ?Abusado?, do jornalista Caco Barcellos, conta a vida no tráfico de drogas de Márcio Amaro de Oliveira, 34 anos, apontado pela polícia como chefe da venda de entorpecentes do Morro Dona Marta, em Botafogo. Desde então, Marcinho VP, como era conhecido, passou a ser visto pelos integrantes da facção criminosa Comando Vermelho como uma espécie de fanfarrão. Ontem, quando esperava a visita do advogado, no presídio Bangu 3, o traficante, condenado a 42 anos de prisão, foi morto, provavelmente por asfixia. O corpo foi encontrado dentro de uma lixeira.

? Ele ficou muito mal dentro da facção. Causou insatisfação dentro do grupo mas nunca pediu para ficar na área de seguro (uma espécie de isolamento) – contou o secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos.

A 34? DP (Bangu) recebeu, ainda na noite de ontem, a lista dos 56 presos da ala A3, onde Marcinho VP estava preso. A Secretaria de Administração Penitenciária também abriu inquérito para apurar a morte do criminoso, que ganhou as manchetes dos jornais em 1996, quando negociou com o cineasta Spike Lee a gravação de um clipe do popstar Michael Jackson, no Morro Dona Marta. Deu uma entrevista a jornalistas e dias depois acabou preso.

Mas a história de Marcinho, nascido no próprio morro, começou bem antes disso. Criado na Zona Sul da cidade, ele ganhou o apelido VP quando ainda era menino e costumava xingar os amigos com dois palavrões que começam com as letras V e P.

Sobrinho do traficante Pedro Gílson Dias de Araújo, o Pedrinho da Prata, ex-líder do tráfico no morro, ele foi escolhido seu substituto assim que Pedrinho foi preso. O jovem optou pelo tráfico depois de ter tentado ser modelo, desenhista e escrever poesias.

Abandonou tudo, alegando preconceito. Passou pela prisão, após o episódio com Michael Jackson, fugiu e voltou a brigar pelo morro, então, dominado por Zacarias Gonçalves Rosa, Zaca, um eterno rival de Marcinho.

Após reconquistar o Dona Marta, ele seguiu para a Argentina, onde teria sido financiado pelo documentarista João Moreira Salles para escrever um livro. Na ocasião, Marcinho era procurado no Rio pela polícia, enquanto dizia que pensava em se aliar ao subcomandante Marcos, líder Zapatista, no México.

Resolveu voltar ao Rio e, após ser procurado por três meses, foi preso numa favela da Zona Norte, sozinho numa casa. Levado inicialmente para Bangu 1, o traficante foi transferido, no ano passado, para Bangu 3, presídio onde se concentram criminosos ligados ao Comando Vermelho. Lá, ele cumpriria pena até 2042 por condenações por tráfico de drogas, formação de quadrilha e corrupção. Respondia ainda a seis inquéritos por homicídios no Dona Marta.

Além de estar sendo mal visto pelos integrantes da facção, por causa do livro ?Abusado?, a polícia também trabalha com a hipótese de uma rixa com o traficante Ronaldo Pinto Lima e Silva, o Ronaldinho, da Ladeira dos Tabajaras, preso pela Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos há dois meses. Ele não estaria gostando da postura de Marcinho e, apesar de pertencerem à mesma facção, não eram amigos.

Para evitar uma guerra pelo comando do tráfico de drogas no Dona Marta, que possui uma posição estratégica para a venda de entorpecentes na Zona Sul, policiais do 2? BPM (Botafogo) ocuparam a favela às 20h de ontem. A Polícia Civil tem informações de que o tio de Marcinho, Pedrinho da Prata, pode retornar ao morro para comandar a quadrilha. Por enquanto, um criminoso conhecido como Preto é o homem escolhido pelo traficante para cuidar da venda de drogas no local, a maioria através de motoboys.

O jornalista Caco Barcellos, procurado pelo JB na noite de ontem, não quis comentar a morte de Marcinho e se disse muito abalado.”

 

“Um corpo jogado no lixo”, copyright O Globo, 29/7/03

“Numa caçamba de lixo no pátio do presídio Bangu III, agentes penitenciários encontraram ontem, por volta das 16h, o corpo do bandido Márcio Amaro dos Santos, de 33 anos, que chefiava o tráfico de drogas no Morro Dona Marta, em Botafogo. O traficante, que ficou conhecido como Marcinho VP, cumpria pena de 42 anos. O serviço de inteligência do Desipe (Departamento do Sistema Penitenciário) acredita que a própria facção criminosa do traficante teria tramado a sua execução. Foi interceptado um telegrama do traficante Márcio dos Santos Nepomuceno, do Morro do Alemão, preso em Bangu I, também conhecido como Marcinho VP, com ameaças ao bandido.

A correspondência, encontrada há alguns dias pelo serviço de inteligência, era clara: ?Cala a boca, senão você vai pra vala. Você tá querendo aparecer demais”. Apesar disso, Marcinho VP não pediu para ser colocado no ?seguro” (cela destinada a presos ameaçados de morte). As investigações já determinaram que Marcinho VP foi morto por asfixia mecânica. A constatação só reforçou a hipótese de que o traficante foi morto por um grupo de presos dos da galeria A-3, onde estão 56 detentos, todos da mesma facção criminosa.

As investigações começaram por volta das 12h15m, quando foi constatada a ausência de Marcinho na galeria. Após uma rápida contagem, os agentes deram início a uma operação de busca em todo o presídio. Os agentes só deram falta do traficante quando o advogado Ezequiel Pereira chegou para visitá-lo. Marcinho VP não foi localizado. Ontem no fim da noite o principal suspeito de ter executado o traficante era o bandido Ronaldo Pinto Lima e Silva, da Ladeira dos Tabajaras, que foi cúmplice de Marcinho VP e também cumpria pena em Bangu III

Inquérito vai apurar a morte no presídio

O secretário de Administração Penitenciária, Astério Pereira, disse ontem que há várias vertentes de investigação e uma delas dá conta de que os presos estavam irritados com Marcinho VP desde a publicação do livro ?Abusado”, do correspondente da TV Globo em Londres, Caco Barcellos. O livro conta detalhes do tráfico no Dona Marta e citaria outros bandidos.

? Os agentes penitenciários nos informaram que havia um descontentamento muito grande dos outros presos com Marcinho VP. Ele passou a ser considerado fanfarrão por causa das declarações que fez no livro, inclusive envolvendo terceiros ? revelou o secretário.

Astério Pereira dos Santos afirma que chegar ao autor da morte do bandido não será uma tarefa fácil:

? Geralmente, quando ocorre uma morte na cadeia, um bandido se apresenta como sendo o autor, embora muitas vezes não tenha praticado o crime. Isso, até agora, não ocorreu ? disse o secretário.

O delegado Marcelo Itagiba, subsecretário-geral da Secretaria de Segurança Pública, informou que por determinação do secretário, Anthony Garotinho foi aberto inquérito para apurar as circunstâncias do morte do bandido.

? Nossa participação limitou-se a pedir que a morte seja investigada com rigor ? disse Itagiba.

O presidente do Conselho da Comunidade, entidade que acompanha a execução da lei penal, Marcelo Freixo, criticou o esquema de segurança dos presídios do Rio. Ele está concluindo um relatório mostrando que aconteceram 40 assassinatos em 2001 e 2002.

? O número é altíssimo, muito acima do aceitável. Isto significa execução sumária de pessoas sob custódia do estado ? disse Freixo, que entregará o documento em setembro à representante da ONU, Asma Jahangir, que deverá chegar ao Brasil em setembro para apurar casos de execução no país. ? Não há segurança porque não há número suficiente de agentes penitenciários. Por plantão, são dez agentes para todo o presídio quando seria necessário ter pelo menos duas vezes esse número.

Segundo Astério, Bangu III tem 792 presos espalhados em 14 galerias, mas sua capacidade é de cerca de 500 presos. O secretário lembrou ainda que ontem os presos da galeria A não tiveram banho de sol. Marcinho VP fora condenado em dois processos, um da 10 Vara Criminal por tráfico e corrupção ativa (17 anos), e outro da 18 Vara Criminal por tráfico e associação para o tráfico (25 anos). Preso desde abril de 2000, o bandido cumpriria pena até 2042.

O advogado Ezequiel Pereira assegurou que esteve por volta das 12h no presídio, chegou a assinar a lista de visitantes e a receber senha, cumprindo a rotina de segurança, até que, depois de esperar por mais de meia hora, foi avisado por outro preso, que ele identificou como sendo do bando do Morro Dona Marta, de que Marcinho VP não iria recebê-lo porque estava com dor de dente. Ele afirmou que não foi informado do desaparecimento do seu cliente e, apesar de ter estranhado o comportamento do traficante, decidiu que voltaria hoje para saber o que estava acontecendo.

? É muito estranho. Começo a achar que nesse horário ele já estava morto. De qualquer forma, estou surpreso porque ele não me falou sobre ameaças. Cheguei a citar o livro, ele disse que estava aborrecido mas que por enquanto não era preciso fazer nada ? disse o advogado.

O assassinato em Bangu III aconteceu quatro dias após a morte do coordenador de segurança dos presídios do complexo de Bangu, Paulo Roberto Rocha. Rocha foi morto Avenida Brasil, na altura de Irajá, por dois homens numa moto enquanto dirigia um carro oficial. Os principais suspeitos são os traficantes da Favela da Coréia, acusados de terem matado o irmão do coordenador de segurança. Ele já havia sido vítima há quase oito meses de um atentado a tiros.

Uma outra versão para a morte de Marcinho VP que circulava ontem é que ele teria sido morto por um antigo rival na disputa pelo controle do tráfico no Dona Marta. O suspeito seria o traficante Ronaldo Pinto Lima e Silva, o Ronaldinho, de 31 anos, apontado pela polícia como chefe do tráfico na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Ronaldo, segundo a polícia, seria o braço-direito do ?atacadista” Jorge Luiz Soares da Silva. Ele foi preso pela polícia na Ladeira dos Tabajaras no dia 30 de abril.

Marcinho e Ronaldinho tinham uma longa história de disputas. Os dois fizeram parte do triunvirato que comandou o tráfico no Dona Marta a partir de meados dos anos 80. O terceiro integrante era o irmão de Ronaldo, o traficante conhecido como Raimundinho. No livro de Caco Barcelos, a história das disputas entre os três é contada com riqueza de detalhes. Ao longo da narrativa, enquanto Marcinho aparece com uma aura de herói revolucionário, Ronaldo (no livro chamado de Claudinho) é o chefe vacilante, sempre disposto a cumprir ordens da direção do Comando Vermelho e a fazer acertos com a polícia.”

 

“?Bolsa? paga por cineasta gerou crise de governo”, copyright Folha de S.Paulo, 29/7/03

“A revelação de que o cineasta João Moreira Salles havia pago mesada para que Marcinho VP, então foragido, escrevesse um livro, em fevereiro de 2000, causou uma crise na cúpula de segurança do Estado do Rio.

Pouco mais de um mês depois, Luiz Eduardo Soares foi demitido da secretaria de Segurança. O então governador do Rio, Anthony Garotinho, ligou a demissão a um suposto acobertamento por Soares da relação entre o traficante e Salles. O cineasta foi indiciado por favorecimento ao traficante, e prestou serviços comunitários.

O primeiro contato entre Salles e o traficante ocorreu em 1995, durante o projeto do documentário ?Notícias de uma Guerra Particular?.

Salles, então na fase de pesquisa, acertou com o traficante que ele contaria sua história de chefe do tráfico no morro Dona Marta. O cineasta afirmou que pagou a ele R$ 1.200 mensais, por quatro meses, em troca do livro autobiográfico e pela tentativa de fazer o traficante deixar a vida de criminoso.”

 

“Mais um preso morto em Bangu: ?Marcinho VP?”, copyright O Estado de S.Paulo, 29/3/03

“O seqüestrador e traficante Márcio Amaro de Oliveira, de 33 anos, o Marcinho VP, foi assassinado ontem no presídio Bangu 3. O secretário estadual de Administração Penitenciária, Astério Pereira dos Santos, informou que a morte aconteceu por estrangulamento. O corpo foi encontrado numa lata de lixo. Mesmo preso, ele chefiava a venda de drogas na Favela Dona Marta, em Botafogo, zona sul, segundo a polícia.

VP estava na galeria A3 com 57 presos e foi morto durante o banho de sol.

Transferido recentemente para a unidade, o traficante Ronaldo Pinto Lima e Silva, de 31 anos, o Ronaldo Tabajara, líder do tráfico na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, é o principal suspeito.

A morte será investigada pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública e de Administração Penitenciária. As autoridades querem apurar as circunstâncias do crime e a possibilidade de conivência por parte de agentes penitenciários. Os depoimentos começam hoje.

Além do criminoso morto ontem, há outro Marcinho VP no tráfico carioca.

Considerado mais perigoso, Marcio dos Santos Nepomuceno, chefe do Morro do Alemão, é aliado de Fernandinho Beira-Mar, e acusado de ter participado da chacina em Bangu 1 na qual morreram quatro presos, entre eles Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, em setembro do ano passado.

Clipe – Márcio Amaro de Oliveira ganhou notoriedade em 1996, quando o cineasta norte-americano Spike Lee foi ao Dona Marta gravar um clipe de Michael Jackson. Na ocasião, Lee teve de negociar diretamente com VP e pedir autorização para as filmagens.

Logo após a gravação do clipe, jornais do Rio publicaram uma longa entrevista com VP. Na ocasião, o então governador Marcello Alencar mandou a polícia cercar a favela e prendeu o traficante uma semana depois. VP conseguiu fugir em 1997 e, foragido na Argentina, recebeu ajuda financeira do documentarista João Moreira Salles.

O relacionamento do traficante com o cineasta, iniciado nas filmagens do documentário Notícias de uma Guerra Particular, provocou uma crise na cúpula da segurança pública do Estado, em 2000. O primeiro contato entre Salles e VP ocorreu em 1995, quando o filme, que retrata o tráfico nos morros, ainda era um projeto.

A Polícia Civil investigou Salles para saber qual era sua relação com Marcinho VP e pediu seu indiciamento, negado pelo Ministério Público Estadual. O cineasta admitiu ter pago uma bolsa de US$ 1.200, durante os quatro meses que o traficante passou fora do Brasil, para que ele escrevesse uma autobiografia. Marcinho VP confirmou o recebimento do dinheiro em depoimentos à polícia. Ele foi preso em 2000 no Morro do Fallet, em Santa Teresa, no centro. Na ocasião, prestou depoimento na CPI do Narcotráfico e foi levado para Bangu.

A trajetória de Marcinho VP foi contada pelo repórter Caco Barcellos, no livro Abusado, o dono do Morro Dona Marta, lançado em maio pela Record, em que aparece com o nome Juliano.

Contagem – Os agentes notaram a ausência do traficante no fim da tarde, ao fazer a contagem de presos. Ao procurá-lo, encontraram o cadáver. ?Sabíamos que ele tinha inimigos, mas ele nunca pediu seguro?, afirmou Astério Pereira dos Santos, garantindo que o traficante não solicitara proteção.

?Ele só pode ter sido morto pelo Comando Vermelho, porque estava numa ala que era só dessa facção?, disse a inspetora Marina Maggessi, coordenadora de inteligência da Polícia Civil. Pessoas que estiveram com Marcinho teriam dito que ele aparentava estar deprimido. (Rodrigo Morais, Clarissa Thomé, Karine Rodrigues, Felipe Werneck)”

 

“Fama ao lado de pop star”, copyright Correio Braziliense, 29/7/03

“Márcio Amaro de Oliveira, encontrado morto ontem, não é o Marcinho VP original. Preso em Bangu 1, Márcio Nepomuceno dos Santos, ex-comandante do tráfico no Complexo do Alemão, era considerado muito mais perigoso. Ele também faz parte do Comando Vermelho (CV). Mas Márcio Amaro acabou ??herdando?? o apelido, já que, no tráfico, VP, de vapor, significa pequeno comerciante de droga.

O Marcinho VP do morro Dona Marta ganhou fama em 1996, quando o cineasta americano Spike Lee negociou com ele a filmagem de um clipe do cantor Michael Jackson na favela. Empolgado, o traficante afirmou, durante uma entrevista, que não bebia nem fumava, mas era viciado em matar.

Em seguida, ele foi capturado, mas fugiu antes de completar um ano na prisão. Em 2000, a revelação da relação do cineasta João Moreira Salles com Marcinho VP abriu uma crise na cúpula de segurança do estado do Rio.”