BLECAUTE EM NOVA YORK
Arnaldo Dines,
de Nova York
Enquanto editores internacionais abusavam em suas manchetes de
têrmos como "caos" e "crise" para descrever
os resultados iniciais da falta de energia elétrica em Nova
York, a realidade demonstrada pela imprensa presente no local era
de de tranqüilidade e responsabilidade, tanto da população
como das autoridades.
A razão imediata de alívio para qualquer nova-iorquino
foi a notícia, logo difundida por estações
de rádio, de que o corte na energia elétrica teria
sido causado por falha técnica e não por ato de terrorismo.
Ainda visivelmente traumatizados pela memória de 11 de setembro
de 2001, os habitantes da cidade encararam os eventos de 14 de agosto
de 2003 como nada mais do que um desconforto momentâneo. Se
11 de setembro foi um ato de violência contra a dignidade
humana, 14 de agosto foi uma mera demonstração de
falibilidade e incompetência industrial.
Talvez seja esta uma indicação da nada sutil diferença
entre a visão da imprensa que cobre um evento a distância,
e por controle remoto, e a aquela que participa da cobertura no
local dos acontecimentos. Para um editor internacional, as imagens
de milhões de pessoas nas ruas podem parecer um sinal de
anarquia. Mas para quem estava presente, a realidade é que
o passo da multidão progredia de maneira calma e ordenada.
Portanto, que fique claro para quem se deixou influenciar pela
leviandade de certos segmentos da imprensa que o ocorrido foi uma
quebra no fornecimento de energia elétrica, mas não
de humanidade e de solidariedade. Não houve atos de vandalismo
ou saques, afora uma ocorrência isolada e rapidamente controlada.
Vizinhos ajudavam os vizinhos, principalmente os idosos, que estariam
mais vulneráveis aos rigores do calor de verão. E
os serviços de emergência funcionavam em força
e com a maior eficiência, demonstrando os frutos das lições
aprendidas desde setembro de 2001.
A melhor ilustração dessa situação
é que, no auge do blecaute, as autoridades da cidade de Nova
York dispensaram a ajuda oferecida pelo estado de Nova York, que,
por sua vez, também dispensou qualquer ajuda federal. E como
explicação adicional para os incautos, o anunciado
estado de emergência decretado para os estados afetados pelo
blecaute é, na verdade, um ato burocrático visando
facilitar a liberação de verbas federais adicionais
para compensar os gastos não previstos.
Radinho de pilha
Em suma: não houve caos, infelizmente para alguns meios
de comunicação ? na sua maioria não americanos,
diga-se ? que já apostavam em criar um clima de crise para
incrementar a audiência ou circulação e, principalmente,
para aproveitar a brecha e editorializar a cobertura com seu habitual
leque de mensagens políticas.
E por falar em apostas, pouco mais de quatro horas depois do início
do blecaute, no outro lado do planeta os mercados financeiros asiáticos
abriam seus pregões de sexta-feira apostando em uma baixa
substancial nos índices futuros do Dow Jones e Nasdaq, os
mais representativos dos mercados americanos. Só que os mercados
financeiros de Nova York abriram pontualmente na sexta (15/8) sob
a força de geradores, sem grandes oscilações
e fechando o pregão com uma ligeira alta em um dia de pouco
volume de negócios.
Moral da história: deram-se mal tanto os especuladores financeiros
como os especuladores da imprensa internacional. Abutres sociais
herdados do século 20, ambos esperavam faturar com a desgraça
alheia. Resta agora esperar que a crise não materializada
lhes sirva de lição.
Por último, que seja dado crédito às emissoras
locais de rádio, o único meio de comunicação
que conseguiu de fato servir o público. Considerado por muitos
como um dinossauro em vias de extinção, o rádio
foi a única fonte de informação capaz de atingir
sua audiência. Em Nova York, uma cidade com sistemas de cabo
com 500 canais e internet via banda larga, nada como depender de
um radinho de pilha para colocar a vida moderna sob uma nova ?
ou velha ? perspectiva.