O CRIME E A MÍDIA
Excertos da transcrição do debate havido no programa Observatório na TV n? 252, de 5/8/03, com a participação de Zaqueu Teixeira, diretor da Secretaria Nacional de Segurança Pública; Walter Maierovitch, ex-secretário Nacional Anti-Drogas e atual presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone; Luiz Carlos Bernardes, jornalista; e Marina Maggessi, coordenadora de Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro
1? BLOCO
Zaqueu Teixeira ? (…) Existe uma grande dificuldade com relação à exposição da imagem do traficante porque eles sabem que serão identificados pela polícia e essa identificação fará com que eles sejam presos. Então isso faz com que, havendo a possibilidade de se agir para que essa imagem não seja exposta, isso eles vão fazer, para que não fiquem fragilizados nessa relação. Entretanto todos nós sabemos o que acontece e a mídia está expondo de forma fria e nua o que acontece no tráfico de entorpecentes.
Alberto Dines ? Você acha que nós jornalistas estamos forçando a barra, criando a impressão que houve intimidação [em relação ao documentário "Falcão, os meninos do tráfico"]
Marina Maggessi ? No caso do MV Bill? Olha, primeiro respondendo ao Dr. Zaqueu, realmente o tráfico não gosta de ver suas ações retratadas na TV. Mas não gosta quando eles são pegos de surpresa. A partir do momento que eles liberam, eles não têm nenhum tipo de censura. São 240 horas de filmagem feitas em várias favelas do Brasil e dos 16 protagonistas 15 estão mortos, então vamos eliminar isso. Segundo, MV Bill é uma pessoa extremamente querida na Cidade de Deus, de onde ele é proveniente. E ele tem um respeito muito grande do tráfico e tenta fazer um trabalho social, ele é respeitadíssimo.
Bom, resumo: pelas minhas investigações, tenho certeza, e estou aqui empenhando a minha palavra, de que ele não foi ameaçado pelo tráfico. Eu também tenho já uma pista muito boa das razões só que não posso revelar porque as razões são dele, e o tempo vai dizer que é uma questão comercial. Não tem nada a ver com o narcotráfico do Rio de Janeiro, é uma coisa completamente diferente de qualquer coisa que acontece no Brasil e no mundo. O narcotráfico no Rio não é glamourizado como muita gente diz, ele é supervalorizado. Hoje está totalmente sucateado, são esses menores de 20 anos extremamente violentos. Eles não têm essa organização. Gostam sim dos holofotes, e ficam até enciumados quando seus rivais aparecem mais do que eles na mídia.
2? BLOCO
Dines ? Há indícios de que houve algum tipo de intimidação [em relação a Falcão, os meninos do tráfico]?
Marina Maggessi ? É bom nós deixarmos aqui esclarecido que a Polícia Federal instaurou um inquérito assim que a Rede Globo começou a fazer as chamadas e as escaladas a respeito do documentário. A Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar o tráfico de entorpecentes, para que então pudesse requisitar essa fita que seria exibida. Então, esse foi o motivo da instauração do inquérito. Mesmo porque a PF não poderia instaurar inquérito por ser uma ameaça, porque apurar a ameaça é um crime de ação em que o ofendido precisa ir lá dizer para a polícia para que ela faça essa apuração. A PF não tem essa competência, a função do inquérito é apurar o tráfico de entorpecentes.
Luiz Carlos Bernardes ? Eu conheci o MV Bill aqui em Belo Horizonte há um ano, num debate promovido pela Polícia Militar sobre imprensa e crime organizado. Fiquei muito impressionado com a força e com a vitalidade e com a irritação dele com a estrutura social brasileira. Fiquei muito surpreso quando ele recuou diante da possibilidade da apresentação do filme. Quer dizer, pode até ter havido razões comerciais, mas fiquei muito surpreso, e acho que pode ter havido intimidação. Porque o MV Bill que conheci aqui em BH era uma figura muito forte e queria inclusive criar um partido político no morro.
Dines ? Foi uma jogada comercial, promocional?
Marina Maggessi ? Não, promocional, não é muito mais sério que isso. É lógico que ajudou a promover, mas eu não quero falar mais sobre isso. Eu só lhe digo o seguinte: garanto que o MV Bill não foi ameaçado pelo narcotráfico. Como estou lhe falando, o narcotráfico é supervalorizado.
3? BLOCO
[A respeito da situação de violência]
Marina Maggessi ? É grave, é gravíssimo, é mais grave do que se fosse organizado. Até porque desses todos, os chefões do narcotráfico estão presos. São jovens extremamente viciados nas mercadorias deles, na cocaína. São jovens que não sabem fazer conta de somar nem de subtrair. Então não posso admitir que esses caras sejam comparados à máfia italiana, pessoas riquíssimas e cultas. (…) Não é organizado e muito menos narcotráfico, porque eles usam mais do que vendem.
Walter Maierovitch ? Duas coisas, a primeira dela é a afirmação de que todos os chefões estão presos, que é totalmente equivocada. Na realidade os chefões não estão presos e fica muito claro isso a partir do momento que o Rio de Janeiro ou o Brasil ainda não se desplugaram das grandes redes internacionais. Vale dizer, as armas chegam, a droga chega. Os grandes chefões que movimentam e são responsáveis por esse fluxo, pelos 400 bilhões de dólares/ano que o tráfico de drogas coloca e lava no sistema bancário internacional, os 290 bilhões de dólares de lucros de armas anual que é colocado no sistema bancário internacional. Então os grandes chefões não estão presos. Estão sendo presas as pessoas cuja atividade é terceirizada. São organizações pré-mafiosas com controle social que se plugam a organizações maiores. (…) O segundo ponto é que é um engano muito grande dizer que jornalistas italianos não foram mortos em território do crime organizado.
Luiz Carlos Bernades ? Eu recebi, no intervalo, um telefonema do jornalista Afonso Borges que promoveu o lançamento do livro do Caco Barcellos (Abusado). Ele disse que recebeu ontem um e-mail do Caco Barcellos que dizia o seguinte: "Afonso Borges será que eu deveria ter feito o livro? Qual é o papel da imprensa nessa situação do narcotráfico?" Então pelo que eu percebi, Caco ainda está sofrendo o impacto pela morte de Marcinho VP.
Marina Maggessi ? Queria colocar aqui minhas desculpas ao juiz Maierovitch. Exagerei quando falei de grandes chefões, só que são outros chefões a quem ele está se referindo. O tráfico do Rio de Janeiro é supervalorizado porque não tem ligação nenhuma com estes chefões que enviam droga para fora do Brasil. Eles são municiados por aquele tráfico formiguinha e esse pessoal milionário, grandes traficantes, eles não têm nenhum tipo de conexão com esse tráfico do morro que gera essa violência no Rio.
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