TELEJORNALISMO
Marcelo Salles (*)
No Jornal Oficial Nacional de quarta-feira (6/8/03), o telespectador esteve diante da propaganda pró-reforma mais bem-elaborada e eficaz até o momento. Nem o governo faria melhor. Mais bem-elaborada porque produzida por profissionais competentes (e aqui uso estritamente a acepção técnica do termo), que dispõem dos melhores equipamentos encontrados no mercado; mais eficaz porque veiculada sob o manto da imparcialidade jornalística e anunciada por apresentadores bem vestidos e investidos de uma certa aura de "prenunciadores da verdade".
O Jornal Oficial Nacional destacou em palavras e imagens a manifestação dos servidores públicos, automaticamente julgados baderneiros (vez por outra esse veículo de comunicação assume a condição de juiz e emite um parecer): "Grupos de baderneiros tentaram invadir o Congresso Nacional nesta quarta-feira, depois da aprovação do texto básico da reforma da Previdência", anuncia o arauto. O título da matéria é "Vandalismo no Congresso", e pode ser visto na página do Jornal Oficial Nacional na rede, associado a uma foto dos manifestantes.
Após 48 segundos de imagens em que os servidores são mostrados como inimigos da ordem pública, a repórter afirma: "Seguranças da Câmara fizeram uma barreira, mas os baderneiros avançaram (…). A segurança reagiu". Interessante notar como para o Jornal Oficial Nacional a força policial nunca age. Apenas reage.
Vale lembrar que a mesma lógica de demonização é aplicada ao MST e a quaisquer outros movimentos que possam ameaçar o status quo.
Ilhas e tubarões
Para fechar com chave de ouro a peça publicitária, o JON abre espaço apenas para as falas do presidente do Senado e do presidente da Câmara. Aquele diz que ferir o Congresso é ferir a casa e o coração do próprio povo; este propõe que os deputados respondam aprovando as matérias.
Observemos também que a edição foi um primor. Em nenhuma das matérias relacionadas à reforma da Previdência os chefes do Jornal Oficial Nacional escolheram falar sobre a pressa que tomou conta das votações, quando sessões extraordinárias foram convocadas para 23h, 0h, 1h, 2h, 3h, 4 da manhã. Como dizia Maquiavel, em O príncipe: "Se for obrigado a fazer o mal, faça rápido. Porque rápido também se esquece".
Também não escolheram falar da ordem dada à Polícia Rodoviária para atrasar ao máximo a chegada de caravanas a Brasília. Não escolheram falar, por exemplo, da carta de intenções enviada por Palocci e Meirelles ao FMI, em que garantiam a aprovação desta reforma da Previdência o "mais rápido possível". Não escolheram, tampouco, registrar que a todo e qualquer cidadão brasileiro é permitida a entrada na "casa do povo".
Sutilezas como o uso de "contribuição dos inativos" em lugar de "taxação dos aposentados" completam esse promíscuo cenário em que, na calada da noite, uns e outros trabalham para rasgar a Constituição e usurpar direitos adquiridos de 16 milhões de servidores que já amargam pelo menos oito anos de empobrecimento, enquanto os bancos Itaú, Bradesco e Santander anunciam lucros bilionários.
O problema é que o Jornal Oficial Nacional não apresenta os fatos com isenção ou mostra os acontecimentos de acordo com os interesses do desenvolvimento da nação. Antes, o JON está preocupado em alimentar os vorazes tubarões neoliberais que nadam nos mares que circundam suas ilhas de edição.
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense