Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Paraguai, o vizinho distante

A posse do presidente Fernando Lugo, ocorrida na sexta-feira (15/8), trouxe à baila a questão das relações entre Brasil e Paraguai. Apesar da proximidade geográfica, o Paraguai é uma nação praticamente desconhecida dos brasileiros. Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Fernando Lugo manteve uma posição de defesa dos interesses paraguaios que ameaçava a estabilidade da economia brasileira. Prometeu forçar o Brasil rever o acordo que rege a hidrelétrica binacional de Itaipu. Pela regras atuais, os países dividem a produção da usina, mas como o Paraguai não consome toda a cota destinada, o país vende ao Brasil o excedente.


Lugo também defendeu as invasões do Movimento dos Sem Terra. O problema envolve interesses de agricultores brasileiros estabelecidos no Paraguai e seus descendentes, os chamados ‘brasiguaios’. Hoje, a posição do presidente é mais conciliadora.


As diferenças entre os dois vizinhos remontam à Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1864 e 1870. Ao final do conflito armado, o maior já visto na América, o ditador Francisco Solano Lopez – derrotado pela Tríplice Aliança formada por Brasil, Uruguai e Argentina – foi morto pelas tropas aliadas e fracassaram seus planos de expandir o território e conquistar uma saída para o Oceano Atlântico.


O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (19/8) pela TV Brasil discutiu a cobertura da imprensa brasileira sobre o Paraguai. Participaram do debate ao vivo os jornalistas Claudio Bojunga, no estúdio do Rio de Janeiro, e Ariel Palacios, por telefone, de Buenos Aires. O professor de história Marcos Lobato Martins participou no estúdio da Rede Minas, em Belo Horizonte.




Claudio Bojunga, jornalista, é formado em Direito e estudou Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Foi repórter, redator, crítico e correspondente internacional. É professor da PUC-Rio e escritor.


Ariel Palacios, jornalista, é correspondente da Globonews e de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires, onde vive há 13 anos.


Marcos Lobato Martins, doutor em História pela USP, é professor dos cursos de Direito e História das Faculdades Pedro Leopoldo em Minas Gerais. Publicou diversos artigos em periódicos especializados do campo da História. É também autor do blog ‘Minas de História’.


No início do programa, Alberto Dines comentou as notícias que foram destaque durante a semana. O primeiro assunto da seção ‘A Mídia na Semana’ foi o fiasco da delegação brasileira nas Olimpíadas de Pequim. ‘Dunga prometeu que não mudará os seus planos. Significa que cabe a nós mudá-lo e mudar a CBF para evitar novos vexames nos próximos anos’. Outro assunto a sétima edição do Congresso Nacional de Jornais. Dines criticou o fato de a imprensa ter renunciado a sua função institucional e passado a se apresentar apenas como um negócio: ‘Fica esclarecido o silêncio em torno dos 200 anos de criação da imprensa brasileira. O patrono Hipólito da Costa via a imprensa como um serviço público, seus herdeiros são apenas industriais. São coisas diferentes, está tudo explicado’.


Patriotismo e preguiça


‘O Paraguai sempre teve uma agenda de reivindicações junto ao Brasil. Especialmente no último ano, quando a plataforma do candidato da oposição, Fernando Lugo, contrariava frontalmente os interesses brasileiros. Acontece que a mídia brasileira por patriotismo ou por preguiça – o resultado é o mesmo – preferiu seguir a linha oficial negando liminarmente todas as pretensões do presidente eleito no país vizinho’, disse Alberto Dines em editorial [ver íntegra abaixo]. Segundo ele, imprensa tem obrigação de buscar a isenção: ‘O interesse nacional admite divergências entre governo e a imprensa, mesmo em matéria internacional. A longo prazo, ganham todos’, disse.


Na reportagem exibida antes do debate ao vivo, a historiadora Míriam Saraiva, professora de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), avaliou o comportamento da imprensa paraguaia. Assim como a Bolívia e o Uruguai, os jornais paraguaios têm em relação ao Brasil um sentimento misto de temor, de raiva, e uma sensação de que são vítimas de ‘um certo imperialismo’. Ao mesmo tempo, admiram o Brasil. ‘É comum que quando aparecem movimentos identitários a primeira vítima seja o Brasil, ou o primeiro alvo para as críticas’, disse Míriam. Para a historiadora, o presidente Fernando Lugo, por ser oriundo de movimentos sociais e estar preocupado com a reconstrução de uma identidade nacional, terá uma postura mais ativa e fará alianças com governos de origens semelhantes às dele.


A política externa brasileira caminha na direção de parcerias, na opinião do historiador Maurício Parada, professor de História Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). O Paraguai seria um parceiro importante não só nas questões ligadas às áreas de energia e fronteira, como também na economia, principalmente na agricultura e pecuária. Existe uma preocupação em fazer com que o Paraguai seja cada vez mais ativo no bloco do Mercosul.


Para o historiador, a mídia brasileira se dedica muito pouco à América Latina. As exceções seriam as coberturas da Argentina e da Venezuela. Míriam Saraiva concordou e acrescentou que nos últimos quatro anos a região passou ocupar maior espaço nas páginas dos jornais. Em comparação com outros países da América Latina, a mídia brasileira apresentava uma cobertura mais superficial, mas atualmente a situação está equilibrada. ‘Quem sabe sobre a história do Paraguai? O que aconteceu depois da guerra? Da guerra ao general Strossner, em 1954, as pessoas não sabem’, avaliou. Por não conhecer bem o Paraguai, a mídia brasileira tende a repetir o discurso dos governos.


O olhar distorcido


No debate ao vivo, Claudio Bojunga contou que esteve no país durante os nove dias que antecederam a posse de Fernando Lugo. No período, fez uma série de entrevistas, inclusive com o presidente eleito. Para o jornalista, a imprensa brasileira não é absolutamente alinhada ao governo paraguaio, mas há uma ‘distorção no olhar’. Para não reduzir as relações entre os dois países a questões como a Guerra do Paraguai e o acordo energético da usina de Itaipu, é preciso que os meios de comunicação visitem o Paraguai. Bojunga disse que ao conhecer melhor as questões internas do país, a imprensa brasileira teria uma visão menos jurídica e econômica e valorizaria mais o aspecto político.


A imprensa de Minas Gerais, conforme relatou o professor Marcos Lobato, deu pouco destaque às eleições no Paraguai. O principal jornal local, o Estado de Minas, na semana da posse fez apenas duas referências à troca de cargo. Com o início do mandato de Fernando Lugo, o Brasil seria ‘forçado’ a refletir mais profundamente sobre política externa e sobre sua posição no cenário internacional. Lobato ressaltou que a fraca cobertura também se deve ao fato de os jornais brasileiros manterem poucos correspondentes na região. As universidades, por sua vez, quase não dedicam trabalhos acadêmicos ao país vizinho.


Sem analisar qualidade da cobertura, Ariel Palacios comparou a o trabalho da imprensa brasileira com a de outros países latino-americanos. De forma geral, os meios de comunicação enviam correspondentes apenas em momentos decisivos, como as eleições e a posse, e depois os mantêm ali por um curto período – cerca de dois dias. As exceções são a Argentina e o México, onde a cobertura se iniciou em dezembro, quatro meses antes das eleições.


Claudio Bojunga acredita que o presidente Fernando Lugo não manterá o mesmo posicionamento da época da campanha. Para o jornalista, o líder defendeu propostas mais radicais para vencer as eleições. Além disso, na opinião do jornalista, não há espaço para propostas de setores mais ‘delirantes’, como a ‘devolução’ de Itaipu para o governo paraguaio porque a usina é um empreendimento binacional na fronteira. ‘O delírio vale no palanque’, disse. Pela composição do ministério de Fernando Lugo, Bojunga acredita que o presidente irá procurar uma aproximação com líderes com o perfil de Luiz Inácio Lula da Silva e Michelle Bachelet, presidente do Chile.


Guerra do Paraguai, 144 anos depois


O professor Marcos Lobato explicou que a visão historiográfica de hoje é a de que o acúmulo de tensões na região do Prata levou a um choques entre estados nacionais que estavam em processo de formação. A tese de que o Brasil seria um instrumento da Inglaterra não encontraria mais espaço. Na Argentina, segundo Ariel Palacios, desde os anos 1940 prevalece a idéia da Guerra do Paraguai como uma ‘vergonha’ para os argentinos. Os heróis nacionais estariam mais identificados com as guerras pela Independência e com a conquista da Patagônia.


Os paraguaios têm mais reclamações da relação com o Brasil do que com a Argentina, conforme explicou Palacios. Além de grandes acordos entre Argentina e Paraguai serem considerados mais justos, a presença argentina na economia do país é menor. ‘Existe um maior melindre econômica e politicamente em relação ao Brasil. Brasil e Argentina são criticados no Paraguai, mas as críticas em relação ao Brasil são mais intensas’, avaliou.


Alberto Dines pediu que Claudio Bojunga avaliasse a mídia paraguaia. Bojunga destacou que a imprensa do país tem ótimos cronistas políticos, que exercem um papel crítico em relação ao partido Colorado. Ariel Palacios disse que o jornalismo paraguaio é ‘muito interessante’ e parcial. Palacios considera que ali a mídia é muito ativa, mas é preciso ‘pegar com pinça’ alguns comentários em jornais paraguaios porque percebe-se nitidamente a posição de cada veículo de comunicação em relação aos fatos políticos.


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A eleição de Lugo


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 474, no ar em 19/8/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Nas questões relativas à política internacional, a mídia deve endossar sempre a linha do governo? Se recorrermos ao passado recente, vamos encontrar no final da guerra do Vietnã, anos 1970, uma resposta clara para o dilema. Na ocasião, a imprensa americana era vigorosamente contrária à política da Casa Branca. Significa que estava sendo antipatriótica?


O Paraguai sempre teve uma agenda de reivindicações junto ao Brasil. Especialmente no último ano, quando a plataforma do candidato da oposição, Fernando Lugo, contrariava frontalmente os interesses brasileiros.


Acontece que a mídia brasileira, por patriotismo ou por preguiça – o resultado é o mesmo – preferiu seguir a linha oficial negando liminarmente todas as pretensões do presidente eleito no país vizinho. Sobretudo no tocante ao acordo que criou a binacional de Itaipu.


Ora, um governo tem obrigação de defender os interesses do país, para isso foi eleito. A imprensa não é eleita, mas, numa democracia, tem um mandato moral para buscar a isenção.


O interesse nacional admite divergências entre governo e a imprensa, mesmo em matéria internacional. A longo prazo, ganham todos.


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A mídia na semana


** O fiasco não foi individual, de um atleta, foi um desastre institucional. O futebol brasileiro está em crise. A humilhação diante da Argentina mostra que a CBF, seu presidente, Ricardo Teixeira e o técnico Dunga, imposto por ele, vão levar o futebol brasileiro para o abismo. Diego Hypólito pediu desculpas ao povo brasileiro, Fabiana Murer culpou a organização dos Jogos, mas Dunga prometeu que não mudará os seus planos. Significa que cabe a nós mudá-los e mudar a CBF para evitar novos vexames e novas tristezas nos próximos anos.


** O 7º Congresso Nacional de Jornais que acabou hoje (terça, 19/8) trouxe uma novidade: o quarto poder abriu mão da sua função institucional e agora se apresenta modestamente como ‘indústria jornalística’, e apenas um negócio. Fica esclarecido o silêncio em torno dos 200 anos de criação da imprensa brasileira. O patrono Hipólito da Costa via a imprensa como um serviço público, seus herdeiros são apenas industriais. Coisas diferentes, está tudo explicado.

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Jornalista