DIPLOMA DE JORNALISMO
Ricardo Faria (*)
A desembargadora Alda Basto, ao determinar efeito suspensivo, em parte, à decisão da juíza Carla Rister, que havia eliminado a exigência de diploma universitário específico para o exercício do jornalismo, afirma que a possibilidade de emissão de título de jornalista em caráter precário para quem não tem diploma estava criando "titulares de ilusão". E Luciano Martins Costa afirma neste Observatório: "A desembargadora produziu uma peça inspiradora para a análise da crise da imprensa e a angústia dos jornalistas." Quais deles, cara-pálida?
Poderia ter completado a informação e contar como nasceu a obrigatoriedade do diploma, pelo Decreto-Lei 972, de 17 de outubro de 1969:
"Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. Os ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3 do AI 16, combinado com parágrafo primeiro do artigo 2 do AI 5 DECRETAM:ART. 4 ? O exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho que se fará mediante a apresenta&cccedil;ão de:Prova de nacionalidade brasileira;Folha corrida; Diploma de curso superior de jornalismo…"
Ou seja, apenas uma licença expedida pelo Estado para o pleno direito de livre expressão. E o que é pior: não houve e não há lei aprovada pelo Congresso Nacional regulamentando o assunto ? os defensores da obrigatoriedade abrigam-se apenas no ditatorial Decreto-Lei 972/69, cujos efeitos senti na pele.
Jânio da Silva Quadros, nosso presidente pé de cana, já havia tentado sem sucesso regulamentar o jornalismo, e Costa e Silva o conseguiu. Na época estava no jornal Notícias Populares, também escrevia para alguns jornais do interior e, para continuar, deveria me registrar, o que significava apresentar três trabalhos assinados, bater dedo na Federal e comunicar qualquer mudança de endereço. A escola do Notícias Populares falou mais alto: não tomamos conhecimento, e de lá para cá a ordem foi escrever onde aparecesse espaço. Algo meio difícil para quem fez parte da canalha sensacionalista nacional, com manchetes como esta, de 1968: "Cachorro fez mal à moça", e dentro, "moça comeu cachorro-quente e passou mal". (Mérito à parte, morro de saudades do tempo do NP, tido como sangrento, do qual os "bacanas" sentiam nojo. Quando o compravam nas bancas colocavam, por vergonha, no meio da Folha, do Estadão ou mesmo da Gazeta o que, naturalmente, ajudava o NP a permanecer em primeiro nas vendas em banca. Quem adorava e comprava era o povão. E quantos tomaram gosto pela leitura por meio do Notícias Populares, que já trazia colunas especializadas, e nunca erros de ortografia, ponto de honra para a turma da redação.)
Mas, voltando ao assunto obrigatoriedade de diploma, o interesse fica bem claro: controle da comunicação para sobrevivência e boa vida daqueles que privatizaram a coisa pública, tentando, a qualquer custo, negar ao cidadão o acesso à educação, obrigação do Estado.
O jornalismo renasce
Os pilantras que detêm o poder de pai para filho neste país conhecem exatamente o funcionamento do Cartório Brasil, velho, carcomido, mas ainda em funcionamento, garantia de mando, de vida e morte sobre a grande maioria dos brasileiros. "Sabe com quem está falando?" ainda se escuta daqueles que recebem 20, 30, 40, 50 mil reais dos cofres públicos. Malditas sejam estas antonietas que, de uma hora para outra, poderão nos levar a todos a uma convulsão social sem precedentes.
A manutenção do poder passa pelo controle da comunicação, da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Principalmente nas cidades do interior, onde quem desejar produzir um pequeno jornal tablóide, de meia dúzia de páginas, deverá ter um jornalista responsável. E sempre haverá um sanguessuga se oferecendo para tão somente assinar. E outro também pronto a denunciar a "irregularidade". Se em São José dos Campos, SP, isto ocorre, imaginem no restante do país…
A lucidez da juíza Carla Rister é tábua de salvação contra a reserva de mercado, a indústria do ensino e a cafetinagem dos incontáveis auto-intitulados professores, diretores, PhDs, com mestrado na Espanha, na Inglaterra, na França, com anel no dedo, diploma na parede e muito lero-lero. E nos tira ainda das péssimas companhias do Haiti, da Bolívia, do Chile, Equador ou de Cuba onde, além do diploma, há outras exigências para o jornalismo.
O argentino Ricardo Elvio Trotti, coordenador do programa de liberdade de imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), com sede em Miami, foi um dos idealizadores do relatório oficial que exorta os poderes públicos dos países onde existe a obrigatoriedade de afiliação e diploma de jornalismo para o exercício da profissão que a declarem inconstitucional ou a cancelem expressamente. E Júlio César Ferreira de Mesquita, do jornal O Estado de S. Paulo, também da SIP, já tendo sido presidente da entidade. A jornalista cubana e residente em Miami Caridad Enriquez escreveu certa vez em "A Declaração de Chapultepec": "Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e o seu exerc&iiacute;cio não é concessão das autoridades, mas sim um direito inalienável do cidadão."
Realmente, continuar a cercear a liberdade de expressão num país como o Brasil é um crime terrível. Se alguns acham que as faculdades são importantes que as cursem, que as façam funcionar. Se outros resolvem agrupar-se em associações e sindicatos exercem seu direito. Mas, com mil camarões! Não se esqueçam nunca do nosso direito de aceitar ou não. E, principalmente, desejando ser jornalistas, lembrem-se do mais importante: do leitor. Ai sim, serão candidatos a um Hélio Fernandes, a um Sebastião Nery, a um Carlos Chagas a um Zé Simão ou Mino Carta. Quem sabe a um Monteiro Lobato, só para citar alguns. O jornalismo brasileiro está renascendo, com toda a certeza não aceitará atrelamentos, e se submeterá apenas ao mais importante: a opinião pública. Fora disso é assessoria ou titulares de ilusões.
(*) Jornalista
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