GALINHADA NAS ARCADAS
"A Vida e o Barco", copyright Jornal do Brasil, 17/08/03
"A festa do centenário do Centro Acadêmico 11 de Agosto mal começara quando um dos estudantes na platéia teve a idéia de jerico: arremessar uma galinha preta na direção da prefeita Marta Suplicy. Se tivesse ignorado a cachorrada, as coisas morreriam aí. Mas Marta incorporou a pantera ferida e a confusão passou ao capítulo seguinte. Controlando a custo a fúria, convidou o rebelde sem causa a usar o serviço de som.
?Sou do Partido Feudal?, começou. Não conseguiria ir adiante. ?O cara é uma besta?, gritou alguém na multidão. A presidente do grêmio confiscou o microfone ao arremessador de galinhas. ?Essa gralha não me deixa falar…?, queixou-se o orador. Retomado o microfone, Marta decidiu trocar o discurso escrito pela fala de improviso. Mas não contornou aquela viagem pelo mundo maravilhoso da fauna brasileira.
?Essa galinha deve ser algum tucano disfarçado?, desdenhou. Talvez quisesse ser engraçada. Acabou enfiando na história o PSDB, que nada tinha a ver com tudo aquilo. Tampouco tinha a ver com a barafunda o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que resolveu enriquecer o enredo e produziu uma gafe inverossímil. ?É como jogar um veado sobre um homem que está discursando?, comparou. O doutor Márcio deve precisar de um descanso.
O paralelo invocado pelo doutor Márcio, em geral tão ponderado, não teria ocorrido nem mesmo à anta de tênis criada no começo dos anos 70, durante o apogeu do Pasquim, por Jaguar e Ivan Lessa. Porque não se limitou a conferir conotações sexuais de baixo calibre ao caso da galinha.
Também destravou o aquário do homossexualismo e inundou a praça com ondas de duplo sentido. Para completar o desconsolo dos brasileiros equilibrados (e a perplexidade dos técnicos do Ibama), tudo isso às vésperas do casamento formal entre a prefeita e Luiz Favre.
Os jovens do Largo de São Francisco sempre gostaram de divertir-se com bichos, mas já mostraram mais graça e bastante inventividade. Um episódio famoso foi a encenação da peça A ceia dos cardeais, do português Júlio Dantas, por alunos supostamente seduzidos pela arte teatral. Marcada a noite da única apresentação, fez-se a lista de convidados. Nenhum professor foi esquecido. Os atores entraram em cena trajados de príncipes da igreja, espalharam-se pela mesa e passaram à ação.
Enquanto devoravam meia dúzia de perus assados e derrubavam sucessivas garrafas de vinho, trocaram idéias sobre coisas da vida. Menos de uma hora depois, o estudante sentado à cabeceira ergueu-se, avançou alguns passos e informou: ?Está encerrada a ceia dos cardeais.?
Só no dia seguinte os professores que tinham engrossado a platéia constataram o tamanho da audácia daqueles moleques. Os perus servidos à mesa haviam sido furtados nos quintais do corpo docente.
O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, leva nesta semana a taça criada para premiar autores de declarações tão vistosas quanto ininteligíveis. Segue-se a vitoriosa sopa de letras do procurador-geral:
?A CONSTITUIÇÃO DIZ QUE O USO DA PROPRIEDADE SE DESTINA À SUA FUNÇÃO SOCIAL, OU SEJA, ELA MARCA UMA IDÉIA DE SOLIDARIEDADE, O QUE É MUITO DIFÍCIL PARA NÓS, BRASILEIROS, QUE SOMOS UM POVO EGOÍSTA E EGOCÊNTRICO.?
Yolhesman Crisbelles para o senhor também, doutor Fonteles.
Muita gente passou a infância tentando decifrar um enigma: como podia o filho ser mais velho que o pai? Nos retratos pendurados nas paredes das escolas, o imperador Pedro II se apresentava já idoso, com barbas de bisavô. Pedro I tinha a expressão do jovem que só pensava naquilo, e não via a hora de o pintor terminar o serviço para correr à caça de mulheres. O pai parecia o filho caçula (e sem juízo do outro).
Os dois imperadores foram também poetas, ambos de quinta categoria. Depois do soneto publicado na semana passada, da lavra de Pedro I, a seção encerra sua fase monárquica com um poema produzido por Pedro II durante viagem de navio realizada em 1887.
Com a saúde restabelecida, João foi ao botequim em São Bernardo para saber dos amigos o significado da fotografia que mostrava Lula de chapéu entre duas belas jovens. Para confundir o primeiro símbolo do PT, cinco metalúrgicos que ali estavam defenderam teses distintas.
Três garantiram que Lula quis liqüidar de vez a barulheira em torno do bonezinho do MST. Por isso, recepcionara com aquele chapelão duas filhas de fazendeiros ligados à UDR. Outros dois juram que foi só um treino para o espetáculo do crescimento. João está pensando em mudar de botequim.
Andar e mais andar é a vida a bordo; Mal estudo, e apenas eu vou lendo; A noite com a música entretendo; Deito-me cedo, e mais cedo acordo. Saudosíssimo a pátria eu recordo, E, pra consolo, versos lhe fazendo, Desenho terras só aquela vendo, E para não chorar os lábios mordo. Enfim há de chegar, eu bem o sei, Que o Brasil eu reveja jubiloso; E, se outrora eu servi-lo só pensei, Muito mais forte e muito mais zeloso, Para ainda mais servi-lo, voltarei Té que nele encontre o último repouso."
"Veado na cabeça", copyright Meio Norte, 15/08/03
"Faz tempo que sabemos que a política nacional mais parece uma selva, onde os bichos para sobreviverem se comem uns aos outros. A bicharada, logo cedinho, vai à caça. O grande come o pequeno, o menor come o ainda mais pequenino e, assim, a cadeia alimentar da sobrevivência segue seu curso. Há exceções, claro!
A galinha, por exemplo, não come ninguém. Em compensação, pense num galináceo macho e recém-saído do ovo, pois é, basta que ele dê o primeiro canto, para que logo surja alguém com um facão para degolá-lo e comê-lo à mesa. Tem também aqueles frangos já graúdos nos quais enfiam um espeto que penetra por uma região pouco nobre, digamos assim. E é nesta situação vexatória que os pobrezinhos ficam rodando naquela imensa assadeira que, maldosamente, dizem que o José Grazziano, do Fome Zero, já apelidou de ?televisão de cachorro pobre?. Sabe-se, e isto é voz corrente, que, mesmo quando bem entrada nos anos (com trocadilhos, tá?), a galinha velha ainda rende um bom caldo. Dizem até que há quem goste. Ora!
Por pior que esteja a dureza, sempre sobra algum para preparar um honesto franguinho com farofa. E mais: até hoje existe quem se dedique à discussão deveras importante para saber se quem nasceu primeiro foi o ovo ou foi a galinha. Há, ainda, os indivíduos que não têm respeito pela família alheia. São aqueles que, durante um jantar para o qual não foram convidados, entre uma garfada e outra da ?galinha de cabidela? que a sua sogra, não a sogra dele, preparou, dão sempre um jeito de falar, cuspindo o arroz na toalha nova, que ?você não devia contar com o ovo dentro do ânus da galinha?. Numa alusão clara à sua pretensão de ter um aumento e de ter planejado um jantar para comemorá-lo antes de obter a resposta do seu chefe.
Com a galinha – tem quem a chame de franga – há os que têm uma relação mais íntima a ponto de retê-la dentro de si – será mesmo, meu Deus? Durante um tempo o companheiro (sem preconceitos, por favor) a guarda, até que, num belo dia, ele a solta alegremente, sem um pingo de remorso. Dizem também que, quando falta galinheiro, o companheiro (olha…) guarda a franga dentro de um armário. Mas me ocorreu uma situação que envolveu uma jovem e bela vizinha minha, que a molecada dizia que ela era meiga. Eu achava aquilo bonito, sabia? Cheguei a considerar que o mundo tinha jeito, ao vê-los com todo aquele carinho fraternal para com a mocinha. Se bem que, num domingo, a molecada estava sentada no muro que cerca o prédio onde eu moro, e eu, de passagem, acho que ouvi um deles dizer sobre a moça: Ah, então ela é meiga? É… Ela é mei-galinha… E o resto da molecada quase fez xixi de tanto rir. Piada velha pode? É, ninguém respeita mais nada.
De galinha eu sei que as pretas são sacrificadas para serem colocadas em despachos nas encruzilhadas. Agora, que galinha tinha virado arma de protesto… Pelo amor de Deus… Mas e não é que um menino mal-educado jogou uma galinha no palanque para tentar ?despachar? a prefeita Marta Suplicy de São Paulo? Não acertou, ainda bem, mas deu a idéia… A nova forma de utilização das galinhas pode vir a revolucionar o mundo dos protestos e também, e por que não, o mundo granjeiro. Mas liga não, dona Marta, esses meninos não sabem o que fazem. Na sua próxima aparição pública, ordene à sua segurança que feche todas as avícolas da redondeza. Ou comprem todas as galinhas vivas. De nada…
Bem, com toda a razão, você, leitor, deve estar se perguntando o que é que o ?Veado na cabeça?, título deste artigo, tem a ver com a história. Também não faço a menor idéia, meu caro, pergunte ao ministro da Justiça… (Aquiles Rique Reis, músico e integrante do MPB4)"