Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sozinhos na selva – ou quase

NOTAS DE UM LEITOR

Luiz Weis

Nos maus velhos tempos da imprensa brasileira, nenhum periódico citava outro. Era um tal de "segundo um matutino carioca", ou "conforme um diário paulista", de dar vergonha.

Isso acabou ? ou quase.

No domingo 24/8, o Estadão abriu duas páginas e o Folhão, uma e meia, às entrevistas de seus repórteres Roberto Lameirinhas e Fabiano Maisonnave, com o número 2 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), Raúl Reyes. (O número 1 é o septuagenário Pedro Antonio Marín, ou Manuel Marulanda, ou ainda Tiro Fijo.)

O texto de Lameirinhas origina a matéria nas "montanhas do Sudoeste da Colômbia". O de Maisonnave, "em área do território colombiano controlado pelas Farc".

Até aí, tudo bem. Não seria de imaginar que dessem a latitude e longitude do lugar onde Reyes está acantonado ? sem falar que o mistério é jornalisticamente charmoso.

Lameirinhas informa no lide que "no coração da selva colombiana (?), um guerrilheiro em uniforme de camuflagem recebe o grupo no qual viaja o repórter do Estado". Grupo de quê? Simpatizantes? Enviados do Vaticano? Negociadores do governo de Bogotá? Representantes das Nações Unidas? Mais mistério.

Só na 28? linha da 12? coluna do pacote da reportagem (além do bem escrito lidão de 105 linhas em medida larga, a entrevista com Reyes, um perfilete de um certo guerrilheiro Pablo e o making of "Odisséia de barco: chuva, morcegos, encalhes e medo") fica-se sabendo que o "pequeno" grupo era formado de jornalistas.

Nem a mais remota pista sobre as suas identidades e os órgãos para os quais trabalham. Podiam ser um checo, um jamaicano, um filipino, um montenegrino ? lo que quieras, como dizem os hispanos. Para saber que "a concorrência" também estava lá, só lendo a concorrência.

E o que se descobre? Que "a convite da guerrilha terrorista marxista, a reportagem da Folha esteve nesta semana" na tal área do território colombiano. E que "dias antes, Reyes já havia sido entrevistado por dois jornalistas", sem nome nem sobrenome, naturalmente.

Só na 7? coluna do pacote mais modesto que o do Estadão fica-se sabendo, pelo menos logo na 6? linha do divertido making of "Visita às Farc revela ausência do Estado" ? talvez seja bom esclarecer que o Estado em questão é o poder público da Colômbia ? que "a reportagem da Folha" tinha companhia: "a de outro jornal brasileiro". Haja.

Maisonnave porém deixa entrever algo verdadeiramente importante sobre os vínculos brasileiros das Farc. Falando das cerca de três horas em que ficaram no acampamento, nota que foi tempo suficiente, entre outras coisas, "para a entrega de duas encomendas: um livro do sociólogo Emir Sader, presenteado por um representante das Farc no Brasil, com quem a reportagem negociou a viagem, e o livro Renda de Cidadania, do senador petista Eduardo Suplicy, entregue a pedido do vereador de Guarulhos Edson Albertão (PT), que esteve com Reyes em julho."