TEMPO REAL
Luciano Martins Costa (*)
O choque da tecnologia nos meios de comunicação, especialmente nos jornais, está longe de dar um alívio. Na verdade, o golpe mais violento começa a se configurar, sob a forma de aparelhos de comunicação móvel ? telefones celulares, computadores de mão e outros dispositivos eletrônicos, que conjugam a mobilidade com a capacidade de transmissão de dados, imagens e voz.
Depois da internet, que ofereceu uma mistura de oportunidade e risco às empresas de jornalismo e vem produzindo um inexorável e potencialmente devastador efeito de fragmentação da mídia, a aceleração do desenvolvimento da tecnologia de comunicação móvel se apresenta mais como risco do que como oportunidade, por acontecer num momento de extrema fragilidade das empresas tradicionais de comunicação.
A oportunidade se encontra exatamente na concretização do conceito de tempo real, anunciado nos anos 1990 como a panacéia para os jornais que haviam entendido a necessidade de manter suas redações permanentemente abertas, para produzir notícias 24 horas por dia. Com os aparelhos móveis, a notícia em tempo real acontece de fato, pois pode alcançar o objetivo em qualquer lugar e a qualquer hora, transmitida no ato do próprio local do acontecimento, com imagens, texto e sons, por qualquer transeunte.
O risco está na lentidão, ou na aparente incapacidade das empresas de comunicação de reagir com a mesma agilidade demonstrada há uma década, quando o programa Mosaic possibilitou o surgimento das webpages como as conhecemos. Outras empresas, dos mais variados setores e com vocações muito distantes do jornalismo, estão largando na frente, criando sistemas de entrega de dados e imagem, com troca de mensagens entre seus escritórios e funcionários em trânsito. Muitos desses sistemas se apresentam sob a forma de boletins, com título, subtítulo, foto ou gráfico, legenda e comentários. Alguma semelhança com uma página de jornal?
Estado de latência
O próprio leitor pode se tornar autor da notícia, ao testemunhar um fato relevante, com a possibilidade de fotografar ou filmar um evento, acrescentar um texto curto e informativo, e imediatamente transmitir a "matéria" para sua rede de relacionamento ou para uma intranet corporativa. Acidentes, engarrafamentos de trânsito, eventos esportivos, acontecimentos sociais, uma celebridade flagrada num restaurante, trechos de um show, tudo isso começa a escapar da mídia tradicional e pode engrossar o rol das commodities de comunicação.
A tendência, ainda incipiente, tem tudo para se transformar numa onda avassaladora, na medida em que caem os preços da traquitanda eletrônica e cresce a percepção, por parte de muitos gestores das mais variadas empresas, da importância da comunicação como ferramenta para melhoria dos resultados. A crescente sofisticação dos serviços de assessorias de comunicação, que as conduz para muito além dos antigos house organs, é outro aspecto desse movimento, que pode transferir para longe das empresas de mídia mais uma fatia do bolo de publicidade e outros serviços de valor que potencialmente poderiam ser embarcados nesses novos processos e aparelhos.
Ainda não se pode prever quanto tempo isso levará para se tornar um fator relevante para o mercado de comunicação, e também é preciso avaliar a capacidade dos meios tradicionais de adaptar rapidamente seus processos e estrutura para se apropriar desses meios móveis. Além disso, há sempre a possibilidade da realização de parcerias, que poderiam colocar empresas de mídia no centro dessa tendência, fornecendo meios para comunicação corporativa.
No entanto, o histórico recente da relação dos jornais com a tecnologia e com as mudanças da economia não inspira muito otimismo. Pelo menos um portal de internet ? www.TextAmerica.com ? já se dedica exclusivamente a receber e partilhar conteúdo de mobloggers (ou blogueiros móveis), que andam por toda parte com seus celulares-câmeras ou suas câmeras digitais e computadores de mão, flagrando a realidade das grandes cidades.
Alguns analistas, como a portuguesa Elisabete Barbosa, da Universidade do Minho, autora do estudo intitulado "Interactividade: A grande promessa do Jornalismo Online", acreditam que o movimento vai explodir num futuro próximo. Na visão de alguns observadores, esse jornalismo feito por transeuntes, anônimos ou não, vai funcionar numa estrutura semelhante a uma "nuvem de informação", na qual os fatos estarão em permanente estado de latência para se transformar em notícia.
Interesse público
Para ilustrar a realidade que essa onda vai encontrar: o presidente de uma multinacional de tecnologia comentava em São Paulo, há poucos dias, em conversa informal com jornalistas, que as empresas de comunicação brasileiras estão pagando um custo extra pela obsolescência de seus ativos tecnológicos.
Ele não se referia ao parque gráfico, em geral satisfatoriamente bem resolvido na maioria dos grandes jornais. Ele falava dos sistemas informatizados de edição e armazenamento de dados, um dos principais objetos de investimento priorizados nos anos 1990. Aqueles sistemas que fazem o inferno de repórteres e editores na hora do fechamento e se tornam especialmente problemáticos durante o chamado "pescoção", quando a rede ainda não se aliviou da edição do sábado seguinte e já estão sendo processadas as páginas do domingo.
Mas nem tudo é má notícia. O lado bom da história é que nenhum outro negócio tem mais potencial para se apropriar dessa tendência ? e administrá-la com eficiência ? do que uma empresa jornalística. Ali se encontram os profissionais mais preparados para organizar os fatos originados por esses aparatos da modernidade, ali se acumulam décadas de experiência na escolha rápida de eventos que valem a pena divulgar, ali se consolida a cultura da informação de interesse público e viceja o sentido de urgência que a comunicação exige. O que falta, na maioria dos casos, é apenas visão estratégica.
(*) Jornalista