ESTANTE
Sonhando com sotaque ? confissões e desabafos de um gringo brasileiro, de Michael Kepp, 244 pp, Editora Record, Rio de Janeiro, 2003; R$ 25,00
"Houve estrangeiros que chegaram aqui, nos examinaram e pensaram que nos entenderam, mas não se envolveram. Outros se envolveram tanto que perderam a perspectiva. Michael Kepp se abrasileirou o bastante para descobrir nossas manhas e nossos truques mas manteve a distância exata para nos surpreender com suas observações (Luis Fernando Verissimo).
A declaração de Verissimo resume bem o espírito de Sonhando com sotaque ? Confissões e desabafos de um gringo brasileiro, de Michael Kepp. O livro é uma coletânea de crônicas sobre a vida pessoal do jornalista americano no Brasil e suas impressões sobre o país que adotou há mais de vinte anos. Dividido entre Confissões e Desabafos, as bem-humoradas crônicas de Michael não poupam elogios nem críticas ao país. "Ser polêmico é como ser vulnerável, faz parte da minha natureza e me ajudou a escrever essas crônicas. Para mim, escrever é como fazer um strip-tease. Preciso me revelar, não porque sou exibicionista, mas por que expressar quem eu sou e como penso é um exercício libertador e uma maneira de me ver e ver o mundo à minha volta com mais clareza", diz Michael.
Com apresentação de Luis Fernando Verissimo e prefácio de Fritz Utzeri, o autor apresenta a perspectiva de um estrangeiro sobre o "jeitinho" brasileiro de ser. Um estrangeiro que, como tantos outros, ama o Brasil e confessa que depois de duas décadas se sente mais brasileiro que americano. Michael já até sonha em português, ainda que nos sonhos sempre fale com sotaque. "O livro foi escrito tanto para um brasileiro, quanto para um estrangeiro que vive aqui e que gostaria de ler sobre a vida pessoal e as opiniões de um gringo brasileiro. Tudo dito de um ponto de vista singular", explica.
Em casa
Na primeira parte de Sonhando com sotaque, Kepp concentra as crônicas mais íntimas do livro. "A meu ver, poucos cronistas brasileiros contemporâneos usam esse tom confessional", conta. Em "Gringo solteiro procura", o autor descreve sua busca por namoradas nos classificados do jornal Balcão. Em outras tantas, ele fala de seus sonhos eróticos e de suas experiências desafortunadas com terapeutas. Já em "Doidona", Kepp conta o relacionamento nada amistoso entre a mulher e o papagaio Doidona, com mais de 18 anos. "Ambas possuem fortes laços monogâmicos e terríveis ciúmes em relação a mim", brinca.
Na segunda e última parte, o autor escreve sobre os lugares-comuns dos brasileiros. Aspectos curiosos das relações, a dificuldade de se dizer não ? e a subseqüente mania de usar pode ser e vamos ver ? e a impossibilidade de mostrar aos adolescentes brasileiros a importância de lavar seus pratos. Algo comum no dia-a-dia dos teenagers americanos.
Michael Kepp nasceu em St. Louis, Missouri, meio-oeste americano, em 1950. Tem dois bacharelados ? Zoologia e Cinema. Depois de um longo período de busca pessoal e profissional ? que incluiu vários anos na estrada, pegando carona e vivendo de bicos ?, ele encontrou o jornalismo. Durante essa trajetória errante, morou em Indiana, Chicago, Paris, Nova York, Miami e Berkeley, na Califórnia.
Em janeiro de 1983, chegou ao Rio de Janeiro e sentiu-se em casa. Começou a trabalhar como free lancer para a Associated Press, para as revistas Time e Newsweek e para The Wall Street Journal. Atualmente trabalha para publicações americanas especializadas em negócios e em ecologia.
Comentários sobre o livro
"Sempre soubemos que o Brasil não é para principiantes. Esse livro do Mike mostra que ele é um Ph.D. em nossa loucura tropical." (Arnaldo Jabor)
"Li o material que me enviou. Achei o estilo leve, ágil e as observações agudas e bem-humoradas. A leitura enviesada e comparativa que você faz, na qual há uma recusa em se sentir ofendido, inferiorizado ou superior pelas diferenças culturais, é muito importante para um maior entendimento entre os Estados Unidos e o Brasil. Espero que você tenha sucesso com o seu livro, que revela a lucidez de uma leitura do mundo pelo prisma de um ?mulato cultural?: uma pessoa que vê o Brasil pelo lado americano e os Estados Unidos pelo viés brasileiro. Se os poderosos deste mundo assim fizessem, estou certo de que haveria menos guerra e menos arrogância nesta tal globalização fajuta que vivemos." (Roberto DaMatta)
"Numa saborosa coletânea de crônicas, Michael Kepp se mostra por inteiro. Logo de cara sabemos que mora aqui há mais de vinte anos, é casado com uma piauiense e, da cultura americana, manteve a salutar capacidade de dizer não. Por outro lado, a caricatura que faz do brasileiro tentando evitar dizer a palavra "não" é tão perfeita que não pude deixar de pensar no tempo que levei para escrever estas maltraçadas ? será que demoraria tanto se soubesse que ele sabia que nós somos assim? Uma agradável leitura, uma nova maneira de fazer um amigo." (Chico Caruso)
"Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil não é para principiantes: o seu livro mostra isso com humor, intensidade e inteligência." (Paulo Coelho)
Esperança na Palestina (Editora Casa Amarela).