Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jorge Barcellos

GOVERNO LULA

"A biblioteca do presidente", copyright Jornal do Brasil, 23/08/03

"Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral, Org. Antonio Neto e Eliseo Verón, Unisinos, 176 páginas, R$ 27

O que é Governo Lula, Luis Otávio Cavalcanti, Landy, 77 páginas, R$ 18

Recentemente, chegaram às livrarias dois livros dedicados a analisar a ascensão de Lula ao poder. O primeiro, Lula presidente: televisão e política na campanha eleitoral, faz uma reflexão sobre as eleições presidenciais de 2002 e analisa o papel dos meios de comunicação na campanha. O segundo, O que é governo Lula, procura identificar as escolhas estratégicas e projeta cenários de atuação futuros.

Sem ter escrito nenhum livro, Lula é um dos presidentes que mais têm livros sobre si. A campanha de 1988 já havia sido analisada em, As cartas ácidas da campanha de Lula, de Bernardo Kucinski. Depois veio O filho do Brasil: de Luíz Inácio a Lula, de Denise Paraná, biografia realizada com depoimentos do próprio Lula, entre outros livros. Os dois novos livros diferenciam-se da historiografia lulista por não endeusarem sua figura e serem posteriores ao período eleitoral, com novos dados.

Antônio Neto e Eliseu Veron examinam o papel específico dos média na campanha eleitoral. O discurso é de pesquisadores universitários e talvez por isso seja de difícil leitura, principalmente na análise da construção sígnica e discursiva. Mas traz um relato detalhado da campanha não oficial, as entrevistas dos presidenciáveis levadas ao ar, as estratégias de controle do discurso político. O melhor é a sensacional análise do ambiente em que se processou o debate final (?A arena da Globo?). Os autores defendem a idéia de que este foi um momento decisivo transformação da campanha em fato de mídia e que atualiza as questões teóricas mais contemporâneas em comunicação: o pistache de ?gêneros? de televisão, o controle da linguagem e o uso de modalidades de programas do tipo reality show.

Não há dúvida de que o tiro é certeiro: ?ao deslocar a política para determinados gêneros e espaços da programação televisiva (…) as mídias produzem duas operações distintas: desligam a política de sua função persuasivo-argumentativa, e asseguram a audibilidade e visibilidade da política via seu deslocamento. Tais estratégias tornam, assim, a política ?refém? da propaganda.?

O fato de Luiz Inácio Lula da Silva, ter sido eleito com 61,3% do eleitorado é atribuído pelos autores, em parte, ao sucesso do marketing político do candidato, que investiu pesado na desmistificação do seu perfil e no tom conciliador, estabelecendo definitivamente um caminho de cumplicidade com o público. O estudo oferece matéria-prima para analisar uma das principais caracteristicas atuais de Lula: a absorção da lógica das mídias para benefício de seu potencial comunicativo. Para os autores, Lula assumiu cada vez mais a condição de ator, pela facilidade no trato da ironia, a consciência frente à imagem pública, e o aprendizado acelerado do funciomanento da TV. Os autores não dizem, mas, de fato, chegou a era de ?Lula Supestar?.

Luis Otávio Cavalcanti é professor da Universidade Federal de Pernambuco, trabalhou no Ipea nos anos 80, foi secretário estadual da Fazenda e do Planejamento e diretor de jornal. Daí que sua pergunta não seja como se construiu o mito Lula, mas o que ele, uma vez eleito, fará. Para Cavalcanti, o país está em trânsito, saindo de um estágio para outro, e a obrigação dos cientistas sociais não é refletir sobre o que passou, mas o que virá.

A análise concentra-se nas definições das linhas de ação dos primeiros 20 dias de governo, mas já aponta tendências que se tornaram evidentes. ?O governo Lula fez escolha estratégica quando adotou orientação conservadora na área econômica e mantém postura reformista na área política. Respeito ao mercado financeiro e avanço social é binômio administrativo que torna o governo Lula bifronte.? Acertando na definição, Cavalcanti erra quando aposta na aceitação e obediência pelos quadros partidários — ele não imaginaria a repercussão da esquerda radical.

O livro toma algumas variáveis apoiadas em dados qualitativos e mensuráveis para verificar o grau de evolução do governo ao longo do tempo: a taxa de inflação, o crescimento do PIB, além das formas como Lula obtém a maioria parlamentar no Congresso Nacional para o encaminhamento das reformas da Previdência, tributária e trabalhista. Finalmente, as variáveis sociais são o grau de implementação dos programas Fome Zero e os assentamentos de reforma agrária, o que tem sido, de fato, um calcanhar-de-aquiles do atual governo.

Conservador na economia, reformador na política, com ampla base popular, socialdemocrata na ação administrativa, conectado com o setor privado. Cavancanti se pergunta: até que ponto é um governo de esquerda?

O livro desenha três cenários possíveis: o favorável, com Lula atingido sucesso previsto em sua estratégia; desfavorável, com o comportamento surpreendente das variáveis que o governo planejou; mediano, uma ação equilibrada em relação ao planejado. Aponta que as variáveis econômicas tenderão ao atender o primeiro cenário, as variáveis sociais ao segundo, e as variáveis políticas (maioria parlamentar) ao terceiro.

Ambas leituras oferecem uma perspectiva diferente da leitura que existia até então sobre Lula. Permitem perceber o quanto mudou ao conquistar o poder; permitem dar o lugar devido ao marketing lulista, que longe de esgotar-se com a eleição, parece renovar-se a cada dia. E colocam nas entrelinhas uma questão paradoxal: o que acontecerá com o governo no qual depositamos nossas esperanças se, em vez de ser realidade, ele se comportar como tênue imagem?"


"Campanha quer mostrar que quem manda é Lula", copyright O Estado de S. Paulo, 24/08/03

"Vai ao ar a partir de setembro uma campanha publicitária com objetivo bem claro: tentar vincular a boa imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à imagem declinante do governo. A intenção é mostrar que Lula tem o domínio da situação, seja ela econômica ou política, e, para tanto, os anúncios não vão fugir de temas espinhosos, como a reforma agrária.

Na simulação de campanha que tiveram de produzir para a concorrência promovida pelo governo, 47 agências apresentaram slogans e peças publicitárias justamente sobre a questão agrária. A orientação, que será repetida nos anúncios de verdade, era mostrar a reforma do campo não só como uma questão de justiça, mas como fator de desenvolvimento do País, distribuição de renda e modernização da economia. Tudo, com absoluto controle do presidente Lula, que devia ser exibido como alguém não cede a pressões, e sim dialoga com os movimentos sociais.

A verba publicitária para os próximos 12 meses é de R$ 150 milhões. Embora três agências tenham vencido a licitação para a campanha, a expectativa no Palácio do Planalto é que o publicitário Duda Mendonça – o primeiro colocado na disputa – dê a orientação para todas elas. Afinal, ele conhece Lula e o governo petista como ninguém, pois tomou conta de todo o marketing vitorioso da campanha presidencial. Além de Duda, farão a propaganda do governo as agências Lew, Lara (dos publicitários Jaques Lewkowicz e Luiz Lara) e Matisse (de Paulo de Tarso Santos, que já trabalhou para Lula e depois fez campanhas para Fernando Henrique e para o PFL).

Os R$ 150 milhões não serão distribuídos de forma igual para as três agências. Elas têm a garantia de 15% apenas. O restante do dinheiro será repassado aos poucos para as que se mostrarem mais eficientes, de acordo com critérios que serão analisados pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo, Luiz Gushiken. Uma inovação deste governo.

As primeiras inserções deverão mostrar o presidente vitorioso e suas dificuldades de início de governo. Conforme assessores do Planalto, será lembrado que quando Lula assumiu o governo a inflação estava acima dos 3% ao mês, o dólar havia chegado a quase R$ 4 e o risco Brasil subira tanto que ultrapassara a Argentina e a Nigéria, esta totalmente instável política e economicamente, aquela tão quebrada que servia de sinônimo para o caos.

Agora, passados pouco mais de oito meses, deverá dizer a propaganda, a inflação foi controlada, os juros caíram mais do que o previsto pelo mercado, o dólar patina nos R$ 3, a ponto de haver reclamação dentro do próprio governo quanto à valorização do real, o risco Brasil é baixo e os investimentos externos foram retomados. Haverá muitas menções a respeito da parcerias com a iniciativa privada que o governo quer ter com as áreas de infra-estrutura, principalmente nas rodovias, ferrovias e hidrelétricas.

Fome – Será dada ênfase ao trabalho que o governo vem fazendo para combater a fome. Por isso, o festejado Programa Fome Zero terá espaço muito grande na propaganda oficial. As peças mostrarão que grandes empresas como a Nestlé e a Kraft Foods, cooperativas e associações tornaram-se parceiras não do governo, mas da sociedade, para que 40 milhões de pessoas possam ter aquilo que Lula mais prometeu durante a campanha: três refeições por dia.

A publicidade oficial não vai esquecer as reformas. O governo de Lula será lembrado como aquele que conseguiu aprovar a reforma da Previdência em menor tempo possível, talvez no mundo todo. As críticas de servidores públicos, de que a reforma da Previdência os está prejudicando, serão todas respondidas.

O governo dirá que esta é a reforma mais justa, porque protege o pequeno e cria condições para que todos possam gozar de aposentadorias no futuro, sem risco de quebradeira geral.

Conforme informações de assessores do Planalto, todos os assuntos importantes ou polêmicos deverão ser tratados na publicidade. Dessa forma, o governo dará uma satisfação para a sociedade quanto à sua posição em relação aos transgênicos. Pretende apresentar-se, na propaganda, como um Estado avançado, que se preocupa com o assunto, que tem uma legislação específica, que tem cientistas envolvidos nos estudos desses produtos. Como na defesa do meio ambiente, o Brasil aparecerá como um país de vanguarda.

Outros pontos que deverão ser abordados pela propaganda dirão respeito ao saneamento básico, à construção de habitações populares e à transposição de águas para o semi-árido, região que será mostrada como provável celeiro de produção de alimentos."


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"No ?Fantástico?, respostas muito bem ensaiadas", copyright O Estado de S. Paulo, 24/08/03

"O núcleo estratégico do governo comemorou a boa aceitação por parte dos calculados 35 milhões de telespectadores da entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Fantástico do domingo passado. Boa parte das respostas do presidente, ou mesmo suas participações ditas espontâneas, foram ensaiadas antes por Duda Mendonça.

O exemplo mais marcante de uma estratégia que deu certo foi a forma como o presidente contou que, durante refeições em família, acaba lavando os pratos de todo mundo, pois sabe que não pode mesmo contar com o trabalho dos filhos. O entendimento é de que o presidente mostrou a imagem de uma pessoa caseira, que não se envolve em farras, que nas horas de lazer gosta de estar com a família e ainda ficar à beira do fogão à lenha.

O ministro da Casa Civil, José Dirceu, não se conteve e contou ao presidente que Cristine, mulher do deputado tucano Eduardo Paes (RJ), ficara impressionada com o depoimento. Eduardo confirmou. Segundo ele, assim foi a reação de sua mulher: ?Como é que você tem coragem de votar contra um homem como esse??, cobrou Cristine do marido, um dos principais opositores do governo, assim que terminou a entrevista de Lula. ?Acho que vou ter de enquadrar minha mulher?, disse Eduardo Paes, pois Cristine não só se entusiasmara com o depoimento de Lula como passara a fazer cobranças ao marido por suas posições políticas na Câmara.

Papel – Conforme a estratégia montada no Palácio do Planalto pelo presidente e pelos ministros José Dirceu, Luiz Gushiken (Comunicação de Governo), Luiz Dulci (Secretaria-geral da Presidência) e Antônio Palocci (Fazenda), cada um terá um tipo de papel na ?venda? da boa imagem do governo. Dirceu continuará a fazer o papel de durão e falará em nome do Planalto. Há cerca de 20 dias, Lula telefonou para ele, que estava em Palmas (TO), e determinou: ?Você tem de dar uma entrevista enquadrando o MST.? Dirceu foi até os repórteres. Disse que o governo respeita os movimentos sociais, mas não cede a pressões. E fará com que todos cumpram a lei."