INTERNET
"O spam pode parar a internet em breve", copyright O Globo, 25/08/03
"Há três anos, um spam era só uma coisa chata. Hoje, é uma grande ameaça?. Vinda de um dos principais especialistas em segurança online, essa declaração é no mínimo preocupante. Phillip Hallam-Baker engrossa a voz daqueles que, hoje, vêem no lixo virtual a maior ameaça à estabilidade da internet. Ao mesmo tempo, afirma que é essencial o desenvolvimento, pelos grandes fabricantes, de plataformas mais seguras de hardware e software.
Em entrevista ao GLOBO, Hallam-Baker falou sobre proteção pessoal contra spammers, certificação digital e o que cada um pode fazer para minimizar os efeitos do ?break down? que vem por aí.
A Comissão de Comércio Americana (FTC) avisou que o spam pode matar a internet. Acredita nisso?
PHILLIP HALLAM-BAKER: Se o spam não parar, sim. Um spam é um saco, dez por hora, um grande incômodo, cem por dia, sinal de problema, imagine cem por hora! Um amigo recebe meio milhão de spams por dia. Sua conta de email, nesse ponto, fica completamente imprestável. O spam gasta muita banda de internet e pode pará-la, em breve. Há três anos as pessoas achavam o spam ?uma coisa chata?. Hoje, ele é tratado como ameaça por organizações de todo o mundo.
A que ameaças a web está exposta?
BAKER: A primeira geração da web era de pessoas falando com máquinas: você usava o email e acessava páginas, era só, não tinha muito problema. Depois surgiram sites com cookies, screensavers, códigos maliciosos, spams. Agora, computadores falam com computadores, por isso a segurança precisa ser redobrada.
É possível alguém, hoje, viver sem um firewall?
BAKER: Na área de pesquisa em segurança, principalmente acadêmica, muitos falam mal do firewall: que os códigos são obscuros e que ele não funciona. Não concordo. Se você olha plataformas sérias, vê segurança lá. Prover segurança é crítico. Em qualquer empresa na América você vê uma mesa com um segurança. Mas se chegam seis punks com penteado moicano, alfinetes no nariz e metralhadoras, o guarda vai correr e chamar a polícia. Segurança de permissão é isso. É assim que o firewall funciona: permitindo ou não a entrada de estranhos. Se você usa ADSL ou cable modem, precisa de firewall. Ele pode não impedir todos os acessos, mas impede um bom número. A estrutura do DNS (Domain Name System, organização que, entre outras coisas, controla a entrega de emails e tem 13 servidores-raiz no mundo, sem os quais a internet não funcionaria) recebe mil ataques/dia e efetua 10 bilhões de transações/dia. São ataques contínuos de fontes diversas, de 30 a 40 ocorrendo no mesmo momento, o tempo todo. É crítico. Se a DNS der pau, a internet dá pau. Se as pessoas usassem firewall, conseguiriam deter de um a cinco ataques. Se os ataques aumentarem para cem, no mesmo instante, como controlar?
É como uma epidemia…
BAKER: Exatamente. É como parar infecções de AIDS. Se você fizer com que cada pessoa infecte um número menor de pessoas, você controla. Um firewall pessoal pode diminuir o número de ataques, já que ele pode pegar 80% deles.
Até em blogs existe spam…
BAKER: O único jeito é controlar o acesso. Assim você decide quem pode ou não entrar. O jeito que muitas pessoas encontraram para resolver isso é através da moderação. O Slashdot (www.slashdot.org) é uma comunidade grande e pessoas votam nos comentários mais pertinentes. Isso pode ser feito a uma parte do milhão de blogs que têm o mesmo tema que o seu. Não seria ótimo agregar reputação através dos blogs? Pode-se criar um ranking de posts. Há um tempo eu tinha 50 pontos no Slashdot e tinha reputação e liberdade para postar. Não seria ótimo ter isso em blogs? Basta criar sistemas de identificação. Não quero dar minha identificação a você porque só visito seu blog? OK. Mas se você não der, pode me mandar spam! Posso ter o direito de escolher se quero ou não receber certos comentários em meu blog. É assim que se mata o spam.
Mas isso não tira a liberdade da internet?
BAKER: Sim. Mas o passaporte é um limitador também, não? A possibilidade de identificação, de mostrar quem você é, muda tudo. Mas é uma escolha. Se estou apenas andando num supermercado brasileiro, por exemplo, sou só um anônimo. Mas quando vou pagar a conta e dou meu cartão de crédito significa que alguém vai pagar a conta. Estou falando de controle de riscos. É impossível eliminar riscos, mas é possível se proteger.
Quando vocês criaram a web acreditavam que ela daria tão certo?
BAKER: Sim. Quando tínhamos poucos milhares de usuários eu já estava convencido da necessidade desse tipo de comunicação. Com ela o indivíduo ganhou habilidade para se comunicar: se você é um bom jornalista e tem o argumento certo, pode ter graus de influência iguais aos de uma organização de mídia inteira. A internet naquela época era usada só pela elite científica. Queríamos democratizá-la, e democratizar a internet significava torná-la acessível a pessoas comuns, para que pudessem ler coisas ou comprar online. Isso exige segurança.
Você conseguia visualizar como seria a web no futuro?
BAKER: Sabíamos que teríamos que trabalhar duro para fazer o que queríamos. E o tempo na web é mais rápido, não parece tempo real. Eu trabalho com a web há onze anos. Como as coisas acontecem muito rápido nela, eu já devia estar aposentado (risos). Não terminarei meu trabalho nem em vinte anos, devido ao potencial dessa coisa. Temos muito a criar em segurança, por exemplo. Quando morava em Genebra, comprava livros numa grande livraria, a Blackwells. Gastava parte dos meus dias indo lá. Mas ela era em Genebra. Se ela fosse na Inglaterra eu não teria cerca de mil livros! Com a Amazon, não importa onde você esteja, pode comprar o livro que quiser. Isso não aconteceria se você não tivesse confiança. Era esse meu desafio ao desenvolver minha parte da web: colocar segurança dentro dela.
O usuário comum precisa de um certificado digital?
BAKER: O interessante do certificado digital é você fazer uma pessoa ter certeza de que você é quem diz ser, que tem endereço, é legalizado. Ajuda a controlar riscos. O usuário comum ainda não precisa. Deveria ter, se pudesse e quisesse? Claro.
Mecanismos de buscas concentram muitas informações. Deve-se temê-los?
BAKER: Agregar informações é perigoso, não só no Google. A questão é dar ao dono da informação o controle sobre ela. Privacidade é uma das coisas mais importantes na era da informação. Um exemplo: me inscrevi para uma conferência e os organizadores colocaram online meu telefone de casa e meu endereço. É preciso controlar informações pessoais. O Google só expõe o problema. Alguém lendo minha conta bancária? É mau. Mudando minha conta bancária? É pior. O problema da privacidade é o próximo estágio. Onde vai parar? Controlar troca de informações é difícil, porque micros não são confiáveis e o hardware é parte do controle. As próximas gerações de micros serão assim: seu hardware poderá conversar com o meu e dizer que aplicação é confidencial."
"Internet chega a povoado sem luz elétrica do Ceará", copyright O Estado de S. Paulo, 25/08/03
"Em Almécegas, distrito do munic&iiacute;pio de Trairi, a 137 quilômetros de Fortaleza, a internet chegou antes da luz elétrica. O povoado ainda utiliza lamparinas e é o primeiro do Brasil a conseguir usar energia de placas solares para se conectar à rede mundial de computadores. O espanto foi geral na comunidade de quase 600 pessoas. Todos já viram. Mesmo assim, alguns ainda duvidam. ?Disseram que a gente pode tirar CPF, saber o que acontece lá do outro lado do mundo. Mas, não sei não…?, comenta, meio ressabiada, Lídia Nunes, de 42 anos, mãe de 13 filhos.
Durante o dia, ela trabalha como auxiliar de serviço e à noite cursa a 5.? série na Escola de Ensino Fundamental Santa Luzia, onde foram instalados os três computadores e toda a parafernália, como placas solares e antenas, que garantem o funcionamento deles. A festa de inauguração aconteceu no dia 18, uma segunda-feira. A população fez fila para entrar na sala onde está a ?novidade?, pomposamente batizada de Núcleo Digital Solar das Almécegas.
Analfabeta, a agricultora Maria Carneiro da Silva, de 58 anos, ficou maravilhada ao escrever o nome no teclado e, em seguida, vê-lo estampado na tela luminosa do computador. O único eletrodoméstico em que já tinha mexido na vida era uma televisão – também movida a energia solar -, que fica na escola, ligada apenas uma vez por semana. ?É uma beleza!?, disse, abismado, o agricultor Raimundo Mariano da Silva, de 70 anos. ?Eles (os computadores) vieram para legalizar tudo.?
Instaladas no quintal, dez placas solares de 85 watts garantem o funcionamento dos três micros por oito horas diárias, suficientes para cursos com os alunos pela manhã e à tarde e, à noite, para atendimento social com a comunidade – pedidos de CPF, consultas à Caixa Econômica Federal e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de credenciamento nos programas sociais do governo.
As placas captam luz do sol e um aparelho chamado inversor transforma a energia armazenada em uma corrente elétrica de 220 volts. Uma torre montada em frente da escola comunica-se, por meio de ondas, com uma outra, em Trairi. De lá, as informações seguem por cabos de fibra ótica para Fortaleza, onde entram na internet por uma rede da Telemar. Foi desse modo que os moradores do interior cearense passaram a ter acesso à internet gratuita e em alta velocidade.
Esperança – Para a agricultora Cristina Marques da Silva, de 38 anos, os computadores darão aos quatro filhos as chances que ela e o marido, Pedro, de 29 anos, não tiveram. ?Ave Maria! Vai ser um passo à frente que eles vão dar na vida?, diz, segurando uma lamparina e com olhos refletindo esperança. ?Este aqui tem 9 anos e está na quarta série?, gaba-se, apontando para o filho mais velho, Hugo Henrique, que começou a ter aulas de informática e sonha em ser dentista.
A família Silva mora ao lado da Escola Santa Luiza, numa pequena casa de taipa com três cômodos (sala, cozinha e quarto) e sem nenhuma mobília.
?Comida? Só a do dia e quando alguém traz?, responde Cristina, ao ser perguntada sobre onde conserva os alimentos. A iluminação, assim como em todas as casas do lugarejo, é garantida por lampiões a querosene.
Cristina e o marido nasceram em Almécegas. Quando moça, ela trabalhou em Fortaleza como doméstica em uma casa de família. Decidiu voltar para a terra de origem, formou família e, agora, com a chegada da internet, faz planos para os filhos ajudarem a melhorar a vida na comunidade. ?Para sofrer no meio do mundo, no lugar dos outros, prefiro ficar aqui?, justifica.
Não há igreja e nem posto de saúde. O maior bem da comunidade e também a melhor edificação do lugar é a escola. Não existe uma residência ou um bar que tenham geladeira ou TV. Aliás, a maior ambição do comerciante José da Silva Marques, de 67 anos, dono de um boteco pouco sortido, é comprar um congelador ?para o negócio e para guardar comida fresca para a família?."