Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cristina R. Durán

SALÃO DE HUMOR DE PIRACICABA

“Copacabana em ?Pira?”, copyright Valor Econômico, 29/08/03

“?O rei estava vestido?, grita uma criança, pendurada no meio de uma sala de tortura e perpetuada em charge desenhada pelo traço firme do então desconhecido Laerte . É uma clara metáfora contra o regime vigente à época, militar e repressor, que os desenhistas de humor não deixavam de criticar com o seu sarcasmo. Ao subverter a ordem da fábula infantil ?A Roupa Nova do Rei? – em que apenas uma menina inocente é capaz de denunciar o fato de o rei estar cavalgando sem roupa diante do povo -, o jovem aspirante a cartunista ganhou o primeiro prêmio da primeira edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, há três décadas.

?Eu era uma cara de 22 anos, otimista, animado com a vida e excitado com a idéia de ver o meu trabalho ser visto pelos grandes nomes do desenho de humor?, lembra o hoje reconhecido Laerte. ?Eu não tinha uma perspectiva para a eficácia política do desenho, mas vivíamos nos anos de chumbo e tudo era uma metáfora política.?

Amanhã o salão comemora a sua 30? edição e homenageia o artista plástico e cartunista Zélio, considerado seu padrinho. Ziraldo, irmão dele e um dos fundadores do ?Pasquim? que inspirou a criação do evento, também será homenageado. E, ainda, os gêmeos Caruso, Paulo e Chico. Na época eles eram dois garotos deslumbrados diante dos traços dos mestres que conheceram freqüentando o salão.

A comemoração inclui o projeto de lançamento do livro ?30 Anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba?, com apoio do Valor. A publicação reunirá o acervo da instituição formado pelos cartuns, charges e quadrinhos premiados em todas as suas edições – são mais de 200 imagens. Segundo Paulo Caruso, a obra terá patrocínio da Petrobras e será editada pela Imprensa Oficial. ?Só falta resolvermos algumas questões que envolvem os direitos autorais?, diz ele. Em paralelo, será publicado um catálogo com todas as obras exibidas nesta 30? competição.

Até 19 de outubro, o Armazém 14 do Parque Engenho Central de Piracicaba reunirá 221 trabalhos de cartunistas, caricaturistas e chargistas nacionais e do exterior. Também apresentará 50 pranchas de tiras feitas por 26 profissionais, em uma das novidades da mostra, que substitui a categoria histórias em quadrinhos. As obras foram escolhidas entre 1 mil trabalhos de 440 artistas inscritos de todo o Brasil e de mais de 30 países.

?Apenas fui um instrumento para ajudar a viabilizar o salão. Alceu Riguetto e mais dois colegas dele deram a idéia e eu apenas dei o apoio?, diz Zélio, lisonjeado com a homenagem. Por paradoxal que pareça, apesar da dureza da ditadura, foram tempos divertidos aqueles em que o salão surgiu inspirado nos moldes do jornal ?Pasquim? – fundado em 1969 por Jaguar, Tarso de Castro, Claudius, Carlos Prósperi, Sérgio Cabral, Millôr Fernandes, Fortuna, Ziraldo, Marta Alencar.

Um ano antes, em 68, havia sido decretado o temido Ato Institucional n? 5, mais conhecido como AI-5. Iniciava-se, assim, uma era de perseguições, torturas, assassinatos, direitos civis e políticos cassados. A censura corria solta, a crítica cultural estava amarrada. Começava o êxodo dos exilados. Organizações da esquerda armada começavam a se formar.

O grupo de jornalistas, cartunistas e chargistas citado não hesitou em se reunir contra tudo isso e cumprir a missão de escancarar, criticar e zombar da repressão e daquele tenebroso cotidiano. Eles fundaram o ?Pasquim? .

Publicação cáustica e bem-humorada, foi uma espécie de respiro para os que viam sua liberdade de expressão cerceada. Quem não lembra das estripulias do endiabrado Fradim, criado por Henfil? Ou da ironia do ratinho Sig, filhote de Jaguar?

Com perdão do trocadilho, o quartel general desta trupe era em uma sala da Distribuidora Imprensa, na rua do Rezende, no Rio de Janeiro. A 800 quilômetros dali, em Piracicaba, cidade do interior do Estado de São Paulo, a 162 km da capital, uma turma inspirada e animada teve a idéia de criar um salão de humor. ?Víamos a irreverência do ?Pasquim? como um oásis porque naquele tempo existia um ranço ufanista, de Dom e Ravel, ?Brasil: Ame-o ou Deixe-o?, e aquele jornal oferecia outras coisas?, conta o pedagogo Alceu Rigotti, que à época tinha 30 anos.

Ele, o professor de jornalismo Adolfo Queiroz e o produtor Carlo Colonese criaram o hoje trintão salão – ao qual já não estão ligados. ?Vendo tudo aquilo, decidimos levar Copacabana para Piracicaba?, recorda Rigotti. O trio não teve dúvidas e foi bater na porta do estúdio de Zélio, em São Paulo. Ele era o braço do ?Pasquim? na capital paulista e o grupo foi lhe pedir para fazer a ponte com os cariocas.

?Para mim, Piracicaba não era mais do que uma música?, lembra Zélio. ?Mas peguei um mapa e um compasso e fiz um círculo em torno da cidade?, continua. ?Vi que havia outros municípios interessantes por perto e achei que era melhor negócio fazer um salão em uma cidade de porte médio do que em uma capital que acaba engolindo tudo.?

Estabelecida a ponte e conhecendo a fama da trupe do ?Pasquim?, o audacioso trio piracicabano encheu o carro de garrafões da famosa cachaça produzida na região e rumou para o Rio. ?Chegamos em horário comercial, mas eles não estavam. Sentamos na calçada, com os garrafões ao lado, para esperar?, relata Riguetto. Como os tempos eram sombrios, logo, logo, eles começaram a ser sondados por policiais que suspeitaram daquele agrupamento.

?Dois minutos depois, eles nos abordaram com ar ameaçador?, continua ele. ?Mas aí chegou Jaguar em seu buggie amarelo, perguntou o que era aquilo, experimentou a cachaça, gostou e distribuiu para todos os que estavam por perto, inclusive para os guardas levarem para casa.?

Dá para imaginar o final da história, que acabou em bebedeira e festa em plena manhã carioca. Naquela mesma noite, o trio foi recebido por Ziraldo, que ouviu pacientemente a proposta dos três para apoiá-los na abertura de um salão dedicado ao desenho de humor em Piracicaba. ?Millôr ficou ressabiado e não queria saber de nada disso?, conta Riguetto. Mas Paulo Francis e Ivan Lessa apoiaram a rapaziada e Millôr capitulou.

Depois de serem ?apadrinhados? pela turma do ?Pasquim?, Riguetto, Queiroz e Colonese conseguiram o apoio da prefeitura de Piracicaba, que é mantido até hoje. Em seguida obtiveram autorização do gerente do Banco Português da cidade (adquirido pelo Itaú) para utilizar um de seus espaços vagos. ?Ele entendeu que seria uma exposição de arte. Mas quando o salão foi inaugurado e viu do que se tratava queria que o encerrássemos. Aos brados dizia que aquilo era subversão?, diverte-se Riguetto.

Vale lembrar que os membros do ?Pasquim? foram parar atrás das grades naquele mesmo tempo, por ação da polícia repressora. Mas, ignorando o mal-entendido do gerente, por incrível que pareça, o salão nunca foi censurado ou reprimido pela polícia, como conta Maria Ivete Araújo, uma das organizadoras do evento desde seus primórdios e atual diretora do Centro Nacional de Humor, mais conhecida como Zéti. ?Talvez eles não entendessem tudo aquilo, já que o humor gráfico transforma o horror em graça?, avalia ela. Pode ser. Mas é mais provável que uma das razões dessa liberdade se deva à esperteza de Zélio, que viajava muito à Europa e tinha uma rede de conhecidos no exterior. ?Desde o começo, nós tornamos o salão internacional. Não foi por megalomania, mas porque era uma forma de sermos protegidos pelos colegas estrangeiros caso acontecesse alguma coisa?, conta ele. ?Tínhamos o receio da reação do regime, a barra pesava muito naquele momento e nós procurávamos formas de nos proteger, mas nunca tivemos problemas.?

Hoje, Jaguar ri da história daquela monumental bebedeira matinal regada a pinga, no primeiro encontro com os piracicabanos, mas diz não se lembrar dela com exatidão. ?Claro, né? Com tanta cachaça?, brinca. No entanto, ele recorda com precisão do ?cheiro de vinhoto horroroso? do restaurante onde eles costumavam comer durante os primeiros Salões de Humor de Piracicaba. Ele participou diretamente de pelo menos dez dos primeiros. ?Lembro que fumávamos e bebíamos desbragadamente?, diz para emendar mais uma história etílica – desta vez sem pileque por absoluta falta de oportunidade.

?Da última vez que participei do salão fiquei traumatizado?, conta. ?Me presentearam com alguns garrafões de cachaça, que eu coloquei no porta-malas do carro com a minha bagagem. Quando cheguei no Rio, as garrafas haviam estourado e minha mala estava boiando em cachaça. Deve estar cheirando mal até hoje?, diverte-se ele.

Rapidamente o Salão Internacional de Humor de Piracicaba se tornou referência nacional e internacional – equiparado com outros fóruns do gênero, como o do Japão, da Bélgica ou, mais recentemente, da cidade do Porto, em Portugal. No país transformou-se em uma espécie de ?point? alternativo dos resistentes ao regime. ?A cidade se enchia de ?bichos-grilos?, as pessoas iam para lá em excursões, os cartunistas em começo de carreira se viraram como podiam, sem dinheiro?, conta Zélio.

Em uma cidade conservadora, cheia de barões fazendeiros exploradores da cana-de-açúcar, essa ?invasão estrangeira? nunca caiu bem. Até hoje, contam os cartunistas mais ligados ao evento, o salão não é bem entendido por eles, que oferecem resistência mas não interferem na sua execução.

Para os já citados irmãos Caruso e Laerte e, ainda outros desenhistas de humor, como os então desconhecidos Angeli e Glauco, participar daqueles primeiros salões era fascinante. ?Eles beberam muito dali, ganharam seus primeiros prêmios, criaram seus próprios espaços?, avalia Zélio.

Paulo Caruso, que hoje dispensa apresentações e se considera da geração da ?meia-idade do humor?, concorda. ?Eu tinha uns 23 anos e pude estar perto de profissionais veteranos que admirava, como o Ziraldo, o Jaguar, o Fortuna?, afirma. ?Foi uma convivência muito divertida em uma época em que queríamos fustigar o sistema, éramos uma minoria barulhenta.?

?Nunca havia tido ligação direta com o pessoal do ?Pasquim?, a não ser quando eles foram presos e o Brasil inteiro enviou textos e desenhos para o jornal, até meu pai (Erico Verissimo)?, conta Luis Fernando Verissimo, que na época tinha perto de 30 anos. Como hoje, ele vivia em Porto Alegre e não deixava de fazer o longo percurso até Piracicaba para ver os seus ídolos inspiradores de perto. ?Para mim foi muito importante, tive a oportunidade de conhecer Henfil, Millôr e todos eles?, diz. ?O Henfil era endiabrado como o seu Fradim. Uma vez ele mandou me acordarem às 4h da manhã dizendo que ele era eu?, lembra.

?Para mim foi uma grande emoção receber um prêmio sabendo que no júri estava o Millôr?, relata Laerte. Ele, como os outros, são discípulos da trupe do ?Pasquim?, praticamente toda ativa até hoje. Mas também se inspiraram em estrangeiros que se fixaram no Brasil e, igualmente, rondaram o salão.

Entre eles, listam-se o argentino Luis Trimano, o italiano-argentino-uruguaio Lan e o paraguaio Guevara. Trimano influenciou, em especial, o traço de Cássio Loredano, atualmente considerado um dos maiores desenhistas da caricatura moderna e da mesma safra dos irmãos Caruso, Glauco, Angeli, entre outros.

Há quem afirme que as caricaturas de linhas deformadas e o requinte no detalhe de Loredano transformaram o cartum brasileiro. Ele é contemporâneo de Trimano, com quem fez ilustrações no jornal ?Opinião?, nos anos 70, e de quem se tornou grande amigo. Em sua homenagem, em 1993, Loredano organizou o livro ?Luís Trimano – Desenhos 1968-1990?, pela editora Mil Folhas, de Caruso. Loredano também tem como referência o cartunista J. Carlos (1884-1950) e recentemente publicou ?O Bonde e a Linha – um Perfil de J. Carlos?, (ed. Capivara).

Mestres e discípulos somados, estes jovenzinhos dos primeiros salões de humor de Piracicaba, e hoje da geração da ?meia idade do humor?, são da safra que colocou o Brasil entre os países produtores de grandes desenhistas gráficos do humor. Eles também já têm seus descendentes, na ?novíssima? geração de cartunistas como Lula, Cavalcanti ou Leo Martins, Jan, Dalcio.

Mas se nos primeiros Salões Internacionais de Humor de Piracicaba o alvo eram os militares, a repressão e tudo o que eles representavam, nestes bons tempos da liberdade de expressão, qual seria a matéria-prima dos atuais desenhistas de humor? ?O rolex falso que José Dirceu ganhou e havia pensado em doar para o Fome Zero, por exemplo?, dispara Paulo Caruso. ?Ou a CPI do Banestado.? A corrupção, as elites, tudo é motivo para produzir humor.

?Na verdade, a matéria-prima não mudou muito, já que mais do que a política ela vem da observação do comportamento humano?, diz Caruso. De todo modo, temas políticos ainda merecem a atenção destes desenhistas. Não será à toa que as exposições paralelas deste 30? Salão Internacional de Humor de Piracicaba chamam-se: ?Bagdá, Faça Humor, Não Faça a Guerra? e ?Agora é Lula: do Estilingue à Vidraça.?

?O humor é um modo de ver as coisas?, diz Laerte, que, como Caruso, tem como referência o comportamento das pessoas. ?Mas sempre navega nesse terreno pantanoso das metáforas, que ao se libertar dos tempos repressivos hoje se renovou?, continua, citando Glauco – criador de doidões como o Geraldão, a Rebordosa ou o Zé do Apocalipse – como um dos marcos desta renovação na linguagem gráfica do humor.

Agora, o mais curioso e que pouca gente pode imaginar é que estes fabricantes de desenhos, tiras e charges de humor, que arrancam risadas dos observadores, nem sempre são bem-humorados. Eles mesmos se descrevem como sérios, céticos, rigorosos. ?Nosso trabalho é mais para pensar do que para rir?, diz Paulo Caruso, que parafraseia o histórico Millôr: ?Para ter humor é preciso conservar o mal-humor?. Quem diria.

?30? Salão Internacional de Humor de Piracicaba?. De amanhã (20h) a 19 de outubro. Terça a dom. das 10h às 21h. Entrada franca. Parque Engenho Central, Av. Maurice Allain, 454, Piracicaba (SP). Tel.: (0xx19) 3421-9194.”

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“De traço em traço, a nossa política”, copyright Valor Econômico, 29/08/03

“Dos costumes da corte, como o beija-mão público de dom João VI e de dona Carlota Joaquina, às peripécias políticas nos sucessivos governos de Brasília, como o recente desce-ou-não-desce dos juros, o desenho satírico brasileiro não perde a piada.

Desde que os desenhistas do Brasil se inspiraram e misturaram com o grafismo satírico de franceses, portugueses e ingleses, passaram-se mais de 160 anos. Esta arte confunde-se com a história da imprensa brasileira e lhe dá o tom de escárnio, zombeteiro e galhofeiro.

O auge e marco do humor gráfico brasileiro foi o ?Pasquim?, nos anos 70, que com a turma de Henfil, Jaguar e Millôr, entre outros, debochava e desafiava a ditadura brasileira (leia na página ao lado). A irreverente e cáustica publicação abriu caminho para uma nova geração de artistas que, ao lado dos históricos hoje domina o desenho de humor no Brasil – como os irmãos Caruso, Laerte, Glauco, Angeli, entre muitos outros.

Seria injusto, no entanto, esquecer de publicações que fizeram escola no seu tempo, como os magazines do início do século XX, ?Careta? e ?O Malho?, posteriormente quase sepultadas pela revista ?O Cruzeiro? que, nos anos 30, emplacou no gosto do leitor ao vir recheada de fotografias. Vale recordar também personagens criados pela pena saborosa dos humoristas brasileiros daqueles tempos, que se tornaram históricos como Juca Pato, Zé Povo, Jeca Tatu e o inesquecível e cínico Amigo da Onça.

O tema é assunto de diversas publicações, como o monumental trabalho de Herman Lima cuja obra ?História da Caricatura no Brasil? (ed. José Olympo, 1963) está com as edições esgotadas há anos. Hoje é um tesouro apenas encontrado em sebos que o exibem com orgulho quando possuem um exemplar. São 1.800 páginas em quatro volumes reunindo o melhor dos caricaturistas nacionais até a metade do século XX.

Esta obra é citada em ?Caricaturistas Brasileiros: 1836-2001?, de Pedro Corrêa do Lago, cuja primeira edição, pela Sextante (1999), rapidamente esgotou. Foi atualizada e reeditada em 2001 pela ContraCapa e hoje pode ser encomendada nas principais livrarias (R$ 98). O livro apresenta obras de 40 dos maiores caricaturistas brasileiros, em mais de 500 imagens, desde o começo do desenho de humor até hoje. E traça um panorama da evolução da caricatura no Brasil nestes quase dois séculos.

Como comenta o jornalista Zuenir Ventura, nesta mesma obra, de Araújo Porto-alegre (o primeiro do Brasil) até Angeli (um dos contemporâneos), passando pelo português Bordallo Pinheiro, Pedro Américo, Agostini, J.Carlos, K. Lixto, Di Cavalcanti (sim, o pintor) até chegar aos mais atuais, eles apenas precisam da ponta de um lápis e de muita liberdade para criar. A sua arte, observa Zuenir, é a da deformação, revelando o caráter das pessoas ?no detalhe que, de tanto ver, não se percebia?. E que por isso mesmo faz rir.

Para Corrêa do Lago, nestes 160 anos, a caricatura brasileira pode ser dividida em cinco fases. A primeira é marcada pela vocação de polemista de Agostini (1843-1910), em defesa das causas políticas mais avançadas para o seu tempo: a abolição da escravatura e a República. A segunda fase se dá na virada para o século XX, quando Julião Machado (1863-1930) abandona a litografia e é seguido, nas três décadas seguintes, por outros caricaturistas, como K. Lixto (1877-1957) e J. Carlos (1884-1950).

Os anos 30 marcam a terceira fase, influenciada pelo cubismo de Picasso, que inspira o paraguaio Guevara (1904-1964) recém-instalado no Brasil e se torna referência de brasileiros como Nássara ou Théo. Com o pós-guerra, como observa Lago, os caricaturistas perdem a inocência e carimbam a quarta fase da caricatura brasileira. Voltamos a cair nos mestres do ?Pasquim?, como Millôr. A quinta, destaca-se dos últimos 20 anos para cá.”

 

PASQUIM

“?Pasquim?, jornalzinho porreta”, copyright Valor Econômico, 29/08/03

“Foi assim, se não me falha a memória: o ?Pasquim? nasceu depois que o ?Carapuça? acabou . ?Carapuça? era um tablóide de humor editado por Sérgio Porto, o fero Stanislaw Ponte Preta. O cronista morreu pouco antes do golpe militar. Sorte dos milicos; o seu Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País – daria um livro mais volumoso que o Aurélio e o Houaiss juntos.

O jornaleco poderia continuar saindo todas as semanas mesmo depois que Stanislaw prematuramente cantou pra subir. Pelo seguinte: ele só entrava com o nome. Quem escrevia de cabo a rabo era o Eça, que fazia um pastiche razoável do estilo do homem. Mas seria difícil convencer os leitores que ele mandava as matérias psicografadas do Além.

Murilo Reis e Altair de Souza, donos do jornal, convidaram Tarso de Castro – que na época brilhava como colunista do jornal ?Última Hora? – para substituir o Stanislaw. Dias depois nos encontramos num boteco. ?Você acha que devo topar??, perguntou. Sugeri que fizesse uma proposta: fechar a ?Carapuça? e abrir um jornal novo. Toparam. Tarso e eu convocamos Sérgio Cabral, Claudius e Carlos Prósperi. Levamos um tempão para escolher o título. As reuniões eram na casa de um amigo nosso, Magaldi , diretor da TV Globo, o que resultou em grandes baixas na sua adega.

O jornal quase não saiu por falta de nome. Tinha uma lista de umas 60 sugestões, mas não havia jeito de chegarmos a um acordo. Pressionados pelos financiadores do jornal e pelo Magaldi , que temia o extermínio do seu estoque de uísque, tive um estalo de Vieira:

– Por que não batizamos o hebdô de ?Pasquim?? Vamos fazer um jornal que vai baixar o cacete, então os caras que esculhambarmos vão chamar de pasquim. Assim a gente corta logo de cara a onda deles.

Abre parênteses: só um grupo de malucos, àquela altura da guerra, lançaria um jornal para esculhambar o governo. Tivemos tanto êxito que, seis meses depois, mais da metade da redação estava atrás das grades. Fecha parênteses.

Outra discussão foi sobre o formato. Fizemos uma pesquisa entre o pessoal de jornal e de publicidade. A maioria achava que tablóide não emplacava no Brasil. Só pra chatear, como no samba do Príncipe Pretinho, decidimos pelo tablóide. Deu no que deu. O lançamento foi no dia 26 de junho de 1969, com uma tiragem de 20 mil exemplares (fui voto vencido, achava que ia encalhar, 10 mil estava de bom tamanho). Esgotou da noite para o dia. Poucos meses depois fizemos uma festa para comemorar os 100 mil exemplares.

A redação era numa sala da Distribuidora Imprensa , na rua do Rezende. Tá lá no expediente: Tarso editor, eu editor de humor , Sérgio Cabral editor de texto, Prósperi editor gráfico e o Claudius de líbero. Convidamos alguns amigos para colaborar no primeiro número. Nas chamadas de capa, além de nós, estavam Millôr Fernandes, Fortuna, Ziraldo, Marta Alencar, Don Martin (!), Sérgio Noronha e Luiz Carlos Maciel . Odete Lara deu uma de repórter especial contando o sucesso que Glauber fez no Festival de Cannes. Chico Buarque estreou como correspondente em Roma, para onde tinha escapado para não ser preso.

Frase da capa: ?Aos amigos, tudo; aos inimigos, justiça.? Millôr mandou um artigo em forma de carta: ?Meu caro Jaguar, você me garante que o ?Pasquim? vai ser independente. Tá bem, Jaguar.? E arremata: ?Não estou desanimando vocês, não, mas uma coisa eu digo: se essa revista for mesmo independente não dura três meses. Se durar três meses não é independente. Longa vida a essa revista!?

Tarso , Cabral e eu entrevistamos Ibrahim Sued num bar que não existe mais, em Copacabana, próximo ao escritório dele. Passei a conversa do gravador para o papel e levei para a gráfica. Tarso e Cabral apareceram quase na hora de rodar o jornal. Mostrei as laudas da entrevista . ?Falta fazer o ?copy desk?, pontificou o Tarso. ?Copy desk?, que porra é essa?? Afinal, eu era um cartunista , estava por fora desse negócio de jornal. ?Ô, rapaz? – Cabral me esclareceu – ?tem que botar em linguagem jornalística.? Finquei o pé : ?Qualé, ficou ótimo assim!? Bati o martelo : ?E de resto, não dá mais tempo , tá na hora de rodar.?

Foi assim que o ?Pasquim?, devido à minha ignorância e ao adiantado da hora, fez uma revolução no texto da imprensa brasileira, trocando a impostação pelo coloquial, o cafezinho pelo uísque e o senhor por você. Foi como se tivesse tirado o paletó e a gravata da tal da linguagem jornalística.

Tantas histórias , ao longo de mais de 20 anos, dariam um livro (aliás, deu vários, teses de mestrado e até foi enredo de Escola de Samba). Entre outras coisas, a Editora Codecri, que fez furor só lançando autores brasileiros, inclusive Dalton Trevisan, que na época só publicava livros financiados por ele próprio. Em 74, Fortuna e eu fizemos o regulamento do Primeiro Salão de Humor de Piracicaba, adaptando o regulamento dos salões de Montreal e Bordighera. Como diz a rapaziada, valeu. P.S. Estou falando do velho ?pasca? de guerra, não aceite imitações. Jaguar é cartunista e um dos fundadores do ?Pasquim?”

 

VIDAS DE CHICO XAVIER

“Chico Xavier nas palavras de um jornalista”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/08/03

“Há dez anos o repórter Marcel Souto Maior resolveu enfrentar um enigma e um desafio: escrever a biografia de Chico Xavier. Quando era subeditor do Caderno B, do Jornal do Brasil, publicou uma reportagem sobre uma peça espírita que era fenômeno de bilheteria em todo o país, ?Além da vida?. Mais de dois milhões de espectadores já tinham assistido ao espetáculo. Ao levantar informações para a matéria, Marcel leu várias reportagens sobre Chico Xavier e percebeu que ninguém tinha escrito ainda uma biografia jornalística – o mais isenta e objetiva possível – sobre o médium mineiro. ?Resolvi contar esta história numa grande reportagem?, conta.

Marcel queria contar, com isenção e objetividade, a história de um menino pobre, mulato, filho de pais analfabetos, que se tornou, primeiro, um escândalo nacional e, mais tarde, um ídolo popular, ao passar para o papel romances, poemas e mensagens assinados por mortos ilustres (Castro Alves e Augusto dos Anjos, por exemplo) ou anônimos.

Marcel, que não é espírita, escolheu Chico porque ele era e é um personagem fundamental da nossa história e ainda não tinha ?merecido? um tratamento jornalístico, abrangente e aprofundado, no país. Outro fato que o jornalista acha que deve ter influenciado foi sua infância. ?Durante anos, passei férias na cidade de Araxá, vizinha a Uberaba, onde Chico morava. Nestas férias – muitas delas vividas em fazendas da cidade – eram muitas as histórias do homem que falava com os mortos… Chico me dava medo, era uma ?assombração? da minha infância. Talvez por isto também eu tenha decidido enfrentar o ?fantasma?.

Como explicar este fenômeno? Como a trajetória de Chico foi construída? Para responder a estas perguntas, Marcel entrevistou 96 pessoas ao todo (do barbeiro ao médico particular de Chico) e passou semanas confinado na Biblioteca Nacional levantando documentos e reportagens de época.

Nas mensagens psicografadas, Chico consolava os vivos e difundia entre eles a verdadeira mensagem da caridade, esperança e amor. Em 1993, Marcel desembarcou na cidade mineira de Uberaba disposto a, como bom jornalista, olhar, ouvir e perguntar.

Marcel só teve um único encontro com Chico, quando aconteceu um fato inexplicável. Chico não aparecia no centro há mais de nove meses, por causa das doenças, e, nesta noite, decidiu aparecer. Além do jornalista, havia só mais seis pessoas no Centro. Ninguém acreditava que ele fosse à sessão.

?Eu me sentei a dois metros de Chico, preocupado com questões bastante práticas: como me apresentar a ele, como conseguir sua autorização para o livro etc. Enquanto eu pensava nesta ?operação jornalística?, Chico lia um texto de Kardec. De repente, eu comecei a sentir umas gotas caírem sobre minha camisa. Uma, duas, três vezes… Olhei para o teto em busca de uma goteira e nada. Não chovia em Uberaba. Só depois de algum tempo percebi que as gotas vinham dos meus olhos. Eram lágrimas inexplicáveis. Eu chorava sem emoção alguma e sem consciência também… Estava entrando num mundo novo, num universo realmente desconhecido?, disse Marcel em entrevista ao Comunique-se.

Chico Xavier estava muito doente na época (pneumonia, angina, catarata) e pediu para ser poupado. Neste primeiro encontro – em que Marcel pediu sua autorização para escrever o livro – eles tiveram um diálogo curioso.

?Eu me aproximei dele no Centro Espírita, me apresentei como um jornalista do Rio de Janeiro e fui direito ao assunto: Chico, gostaria de ter sua autorização para escrever sua biografia. Chico me encarou por instantes e disse: Deus é quem autoriza. Eu insisti: E Deus autoriza? Chico me olhou com mais atenção, abriu um sorriso e disse: Autoriza sim. Pode conversar com quem você quiser?.

No dia seguinte a este encontro, Marcel Souto Maior iniciou uma maratona de entrevistas com amigos, inimigos, crentes e céticos para traçar o retrato do homem que tanto o impressionou. Ali nascia a biografia ?As vidas de Chico Xavier?, inventário minucioso da vida do médium até aquele início da década de 90. Nos anos seguintes, cada vez mais debilitado, o médium mineiro continuou como pôde sua missão até morrer, no dia 30 de junho de 2002, aos 92 anos.

A pesquisa durou cerca de um ano e o livro foi escrito em apenas seis meses. Segundo Marcel, o mais difícil foi encontrar o tom certo do livro. ?Logo no início eu escrevia tudo no futuro do condicional. ?Chico teria visto o espírito?. ?Chico teria encontrado seu guia espiritual…?. O livro estava ficando insuportável. Tudo fluiu quando eu tomei a decisão de apostar no ponto-de-vista de Chico – e na fé dele. ?Chico viu os espíritos?. ?Chico conversou com seu guia espiritual…?. Quando assumi esta narrativa, tudo começou a dar certo?.

Marcel conta ainda que, em momento algum, deu sua opinião sobre os fatos descritos. ?Cada leitor avalia, julga, acredita ou duvida. Acho que este é o segredo do sucesso da biografia entre espíritas e não-espíritas?.

Os últimos anos da vida do médium e o legado que ele deixou foram reconstituídos pelo biógrafo para a nova edição do livro, ampliada e ilustrada por fotos raras e inéditas. Em fevereiro de 2003, Marcel viajou de novo a Uberaba e percorreu os mesmos cenários de 1993. No lugar deixado pelo homem frágil e carismático, encontrou o mito, que teve a casa e o quarto simples transformados em museu e continua a atrair levas de admiradores – hoje em peregrinação ao mausoléu construído em sua homenagem na cidade mineira.

Para Marcel a experiência significou muito. ?Chico era essencialmente um homem de fé, um homem que acreditava numa missão – divulgar o espiritismo e ajudar a montar uma rede de solidariedade no país – e que abriu mão de tudo (família, dinheiro, privacidade) para se dedicar à esta causa. Era um homem raro, talvez único, e estar em contato com ele – contar esta história – me tornou muito menos cético do que eu era quando comecei a escrever o livro. Chico tinha um sentido de missão, doação e aceitação raros. E eu aprendi um pouco com cada um destes ?sentidos?. Trabalho, solidariedade e tolerância. Tento exercitar os três um pouco todos os dias. Nem sempre consigo, mas vou tentando…?, conta Marcel.

?As vidas de Chico Xavier?, em dois meses, vendeu quase 34 mil exemplares e está há oito semanas seguidas na lista de mais vendidos, segundo a revista Veja. ?Estou negociando a transformação da biografia em minissérie e longa-metragem?. Este foi seu primeiro livro e já está pensando no próximo. ?Gostaria de contar a história de um personagem popular – religioso talvez -, mas ainda estou estudando alguns perfis?

Marcel tem recebido um ótimo retorno do público. ?É absolutamente fantástico. O livro é citado em blogs escritos por jovens internautas, é estudado em centros espíritas em todo o país, é lido e elogiado por pessoas que eu admiro muito como o Pedro Bial. Em lançamento recente em Brasília, fiz uma palestra para mais de 700 pessoas. Muitas delas eram jovens, rapazes e moças que estão procurando outros caminhos além do consumo e desta corrida desenfreada atrás de dinheiro?.

Marcel Souto Maior tem 37 anos e é roteirista da TV Globo. Como jornalista, trabalhou no Correio Braziliense, Estado de São Paulo e Jornal do Brasil antes de se transferir para a TV, onde começou como editor do programa ?Fantástico?. Atualmente está na equipe de criação da Globo como roteirista. Ele nasceu, por coincidência, no mesmo dia de seu biografado: 2 de abril. Nunca se identificou com qualquer corrente religiosa.

?As vidas de Chico Xavier?, de Marcel Souto Maior, Editora Planeta, 272 páginas, Preço R$ 28,60″

 

HOMOSSEXUALISMO NA MÍDIA

“Sem extremos”, copyright Folha de S. Paulo, 30/08/03

“?Uma coisa é a mídia deixar em paz os homossexuais, aceitando suas preferências. Outra muito diferente é ela fazer, em nome da defesa das minorias, uma quase apologia da homossexualidade. A continuar assim, em breve os heterossexuais teremos de sair às ruas em defesa de nossa minoria…? Oney Oliveira Leite (Ribeirão Preto, SP)”