DOIS ANOS DEPOIS
Marcelo Csettkey e Marcelo Gil (*)
Somos estudantes de Jornalismo na Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, cursando o quinto período no Campus Tom Jobim, Barra da Tijuca. Iniciamos esse trabalho em setembro de 2001, tão logo chegamos a universidade na tarde de 11 de setembro. O assunto foi largamente discutido em sala na aula de Política da Comunicação, com a jornalista Sandra Almada (ainda freqüentávamos o primeiro período). Achamos anormal e muito estranho um país como os Estados Unidos, com todo o aparato bilionário de defesa que possui, deixar que tal coisa acontecesse.
Iniciamos o acompanhamento dos fatos e seus desdobramentos e vislumbramos um futuro próximo negro para as relações internacionais, em todo o mundo. Realizamos um primeiro trabalho, ganhador de menção especial na Expocom/Intercom de 2002, em que questionávamos a realização do atentado ao mesmo tempo em que tentávamos explicar suas razões. Concluímos que a guerra contra o terrorismo deve ser a guerra contra a fome e a miséria humana e, talvez em texto visionário, previmos invasões generalizadas, como de fato ocorreram no Afeganistão e no Iraque.
Depois disso, acompanhando a divulgação na imprensa de matérias a esse respeito, encontramos enormes contradições nas declarações oficiais do governo americano e decidimos pesquisar profundamente o assunto. Nós utilizamos, inclusive, a Cooperativa de Catadores de Papel da Barra da Tijuca para reunir informações de todos os jornais e revistas aos quais tivéssemos acesso. Lemos, comparamos, analisamos e catalogamos os recortes. Visitamos sítios brasileiros e estrangeiros e o do Pentágono. Passamos noites em claro pensando e discutindo o assunto e concluímos que a cúpula dos serviços de inteligência norte-americanos e a Casa Branca sabiam do planejamento dos atentados.
Por interesse em restabelecer a hegemonia que estava se perdendo e também reforçar os orçamentos da indústria armamentista, financiadora da campanha de George Bush, o governo permitiu os atentados de 11 de setembro. Os terroristas, porém, não sabiam que estavam sendo seguidos e nem que lhes seria permitido realizar seu intuito. As conclusões do relatório final do Congresso foram toscas e repetitivas porque os congressistas, antes de tudo, são também cidadãos norte-americanos e sabem as conseqüências que a revelação da verdade podem trazer ao país.
Não temos dúvidas disso, mas a imprensa não pode silenciar sob qualquer pretexto. Nenhum compromisso publicitário ou político pode fazer com que os jornalistas sérios e compromissados com a verdade mantenham esse “vazio”de questionamento. O que de fato deve ser apurado é o setor antiterror do FBI, que bloqueou e impediu de todas as formas o trabalho de seus agentes Kenneth Williams e Coleen Rowley. Lá está a resposta da vergonhosa mentira de George Bush. Lá estará um outro coronel Oliver North a ser condenado no lugar de seus superiores. Peço-lhes que publiquem nosso trabalho ou, pelo menos, parte dele, para que se provoque discussão e cobrança.
Diversos correspondentes internacionais estão aqui no Brasil atentos à imprensa séria e responsável. Não nos importamos que nosso trabalho venha a ser chamado de mais uma teoria da conspiração, ou que venhamos a ser desacreditados pelos reacionários de plantão. Eu, Marcelo Gil, tenho 39 anos e sou corretor de seguros. Marcelo Csettkey tem 42 anos e é artista plástico. Estamos dispostos a arriscar, se preciso for, nossas futuras carreiras no jornalismo com essa contundente afirmação. Mas sabemos que é preciso.
O relatório do Congresso
Com a proximidade da data em que se relembrará o maior atentado terrorista da história, sugerimos aos veículos que considerem as informações aqui emitidas, dando-lhes atenção jornalística. Gostaríamos de fazer uma crítica à imprensa mundial no que diz respeito ao acompanhamento da divulgação do relatório do Congresso americano sobre o 11 de setembro. A declaração do senador Bob Graham, “a parte mais significativa dos fatos foi censurada e, portanto, o povo americano nunca terá acesso a ela”, é um claro pedido de socorro. Graham foi um dos primeiros a exigirem a criação da comissão de investigação, após a revelação da existência dos memorandos de Kenneth Williams e Coleen Rowley, ocultados durante oito meses por Washington. No entanto, nada foi dito de relevante a respeito deles na mais recente divulgação parcial dos resultados da investigação.
O Senado, como instituição política, tem compromisso com os cidadãos norte-americanos e, principalmente, com as famílias das vítimas dos atentados. A imprensa e a opinião pública têm as formas legítimas de pressão para fazer com que a verdade seja divulgada.Imaginamos que a conclusão final do relatório seja “explosiva”, mas foi censurada pela Casa Branca. Os responsáveis por essa censura, provavelmente, também respondem pelo bloqueio que sofreram os agentes Kenneth Williams e Coleen Rowley: “(…) os chefes do FBI, em Washington, trabalharam de forma consistente e quase deliberada para frustrar os esforços dos agentes em Minneapolis”. (O Estado de S. Paulo, 28/5/2002). Certamente, a parte censurada é a que investiga o setor antiterror do FBI em Washington. A verdade sobre “11 de setembro” está lá.
Esses dois agentes chegaram aos terroristas antes dos atentados e, certamente, teriam tempo para impedi-los, se suas investigações não fossem interrompidas por seus superiores. Portanto, não houve falhas, erros ou negligência. Houve uma ação efetiva do setor antiterror do FBI para bloquear seus agentes. Também não houve falta de comunicação entre a CIA e o FBI, pois este repreendeu a agente por ter pedido ajuda à CIA em sua investigação. Ainda assim, essa comunicação era desnecessária, pois o FBI já possuía em seus arquivos todas as informações necessárias a respeito de muitos dos terroristas.
Tentamos mostrar isso com o texto abaixo, resultado da análise de uma compilação de matérias publicadas nos mais diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais. Nós, estudantes de Comunicação, indignados com as respostas que nos eram oferecidas, decidimos buscar a verdade pesquisando profundamente o assunto. Pretendemos dar assim a nossa colaboração no sentido de apontar as contradições existentes nas declarações oficiais. Entendemos que exigir a divulgação, na íntegra, das informações obtidas nas investigações da comissão deve ser o objetivo e a maior contribuição da imprensa para a democracia.
Trinta dias que podem decifrar o 11 de setembro
Imediatamente após 11 de setembro, houve uma enorme movimentação do governo americano para descobrir os culpados pelos atentados e investigar as falhas na sua prevenção. O secretário de Justiça, John Ashcroft, enfatizou que aquela seria “a maior e mais intensiva investigação policial da história dos Estados Unidos”. O FBI mobilizou mais de 7 mil pessoas, entre agentes, auxiliares e especialistas em análises técnicas. Essa caçada teve seu começo de forma bem simples. Na lista de passageiros estavam os nomes verdadeiros dos terroristas. Todo esse contingente, porém, não era necessário. Um único agente foi suficiente para identificá-los antes dos ataques. Seus nomes estavam, há muito tempo, no banco de dados do FBI, apontados como perigosos membros da al-Qaida de Osama bin Laden. Desde janeiro de 2001, já havia memorandos, enviados de Phoenix, Arizona, exortando o setor antiterrorismo do FBI, em Washington, a investigar um grande número de árabes fazendo curso de pilotagem, os mesmos que estavam nos aviões seqüestrados. O agente era Kenneth Williams. Seu memorando foi arquivado e sua investigação deliberadamente bloqueada.
Reunindo as informações recebidas pela CIA e o FBI, antes de 11 de setembro, especialmente no mês de agosto, podem-se observar dados suficientes para interpretar e impedir os ataques terroristas ao World Trade Center e ao Pentágono, contrariando as declarações oficiais. Os alertas também foram dados por serviços de inteligência de vários países. Hoje sabemos que a cúpula do FBI sabotou deliberadamente seus agentes, impedindo-os de continuar seu trabalho investigativo. Os efeitos daquela tragédia só foram positivos para um seleto e poderoso grupo, a indústria armamentista, grande financiadora da campanha de Bush, e para o próprio presidente.
Os avisos
Em 1995, a polícia filipina comunicou à inteligência norte-americana a prisão, em Manila, de um terrorista que se dizia piloto e estava envolvido num plano para destruir o QG da CIA com um avião de passageiros seqüestrado. Ele trabalhava para Yousef Ramzi, condenado pelo ataque à bomba ao subsolo do World Trade Center, em 1993.
“(…) Em 1998, três anos antes dos atentados de 11 de setembro, serviços de inteligência dos Estados Unidos foram advertidos de que um grupo não-identificado de árabes planejava lançar um avião carregado de explosivos contra o WTC. É o que diz um relatório conjunto de comissões do Senado e da Câmara dos Representantes dos EUA”. (O Globo,19/9/2002)
Em janeiro de 2000, “(…) monitorando um telefone celular, a CIA, o principal serviço secreto dos Estados Unidos, soube que a al-Qaida estava para se reunir em Kuala Lumpur. (…) A pedido dos EUA, policiais da Malásia espionaram a reunião. Fotografaram e identificaram seus participantes. Graças a isso, em janeiro de 2000, a CIA descobriu que entre eles estava um saudita chamado Khalid Almihdhar, portador de um visto que lhe permitia entrar e sair dos EUA quantas vezes quisesse. Soube também que Nawaf Alhazmi, outro saudita presente ao encontro, voou direto de Kuala Lumpur para Los Angeles. No mesmo vôo viajava Almihdhar, conforme informações obtidas pela CIA mais tarde. (…) Os dois viviam em San Diego, na Califórnia, Rua Mount Ada, 6.401. Tinham carteira de motorista e cartão de crédito em seus nomes verdadeiros. Seus telefones e endereços constavam do catálogo da cidade. Ambos freqüentavam aulas de pilotagem de avião. No caso de Almihdhar, os motivos para desconfianças eram gritantes. Ele aparece numa foto obtida pela CIA ao lado de um dos suspeitos pelo atentado contra o navio americano USS Cole, atingido por uma bomba da al-Qaida em outubro de 2000, no Iêmen. (…) Só no fim de agosto de 2001, um ano e sete meses depois de saber quem eram Almihdhar e Alhazmi, a CIA enviou um alerta ao FBI para caçá-los. Faltavam menos de 15 dias para os ataques. (Época,10/6/2002)
Ainda assim, ambos conseguiram embarcar no vôo 77 da American Airlines que, supostamente, atingiu o Pentágono. Como pôde o presidente George W. Bush declarar que a CIA e o FBI não estavam se comunicando?
“(…) Em Janeiro de 2001, os responsáveis pela Jet Tech, em Phoenix, no estado do Arizona, pediram à FAA, agência americana que controla o transporte aéreo no país, uma investigação sobre o saudita Hani Hanjour. Um mês depois repetiram o pedido. Embora tivesse brevê de piloto comercial, Hanjour não sabia manejar aeronaves nem falava inglês, exigência básica para um piloto profissional nos EUA. Seus instrutores desconfiaram que o documento fosse falso. (…) Hanjour comandava o avião jogado sobre o Pentágono”. (Época, 20/5/2002)
Durante esse período, o agente do FBI Kenneth Williams atendeu ao chamado da escola. Em suas investigações, notou o grande número de estudantes árabes em escolas de aviação nos EUA. Além da Jet Tech, também foram encontrados suspeitos na Embry-Riddle Aeronautical University. Em seu memorando, enviado ao setor antiterrorismo, em Washington, mencionou Osama bin Laden e sugeriu que este poderia usar as escolas para treinamento de terroristas. Seu memorando foi arquivado. (Ao vazar para a imprensa a existência desse relatório, até então ocultado pelo FBI, mas confirmado pelo senador Bob Graham em maio de 2002, a pressão foi ainda maior para que fosse criada a comissão independente do Senado, pleiteada há tempos pelo senador Tom Daschle. O presidente Bush e o vice Dick Cheney se mostraram radicalmente contra. Alegavam que não deveriam dispensar esforços na busca de culpados, e sim prever um novo ataque iminente e ainda mais devastador. Mas este não aconteceu).
Agosto de 2001, um mês sem explicação
** A escola de pilotagem Pan Am, em Eagan/Minnesota, pediu a investigação de Zacarias Moussaoui. Ele foi considerado suspeito pelos instrutores porque queria voar um jato apenas em altitude de cruzeiro, não se interessava em aprender a decolar nem pousar. Foi preso dia 15 por estar com seu visto de permanência vencido. Coleen Rowley, agente e supervisora jurídica do FBI, em Minneapolis, interrogou Zacarias e este revelou sua intenção de lançar um avião comercial seqüestrado contra o WTC. Em sua busca aos arquivos do FBI, Rowley descobriu quem era Moussaoui. Cidadão francês, de origem marroquina, terrorista conhecido. Já havia participado de diversos atentados e foi treinado pela al-Qaida no Afeganistão. O serviço secreto da França já havia transmitido essas informações à inteligência americana.
“(?) The fact is that key FBIHQ personnel whose job it was to assist and coordinate with field division agents on terrorism investigations and the obtaining and use of FISA searches (and who theoretically were privy to many more sources of intelligence information than field division agents), continued to, almost inexplicably, throw up roadblocks and undermine Minneapolis’ by-now desperate efforts to obtain a FISA search warrant, long after the French intelligence service provided its information and probable cause became clear. HQ personnel brought up almost ridiculous questions in their apparent efforts to undermine the probable cause. In all of their conversations and correspondence, HQ personnel never disclosed to the Minneapolis agents that the Phoenix Division had, only approximately three weeks earlier, warned of Al Qaeda operatives in flight schools seeking flight training for terrorist purposes!” (“The Bombshall Memo”, Time, 3/6/2002)
A agente pediu várias vezes ordem judicial para examinar o computador de Zacarias Moussaoui. Seus pedidos foram rejeitados. Na divisão antiterror, chefiada por Dale Watson, em Washington, a mesma que arquivara o memorando de Kenneth Williams, um supervisor do FBI alterou os memorandos para que o mandado fosse negado. (O Estado de S. Paulo, 28/6/2002; Veja, 5/6/2002; IstoÉ,12/6/2002)
** O ministro do Exterior afegão, Ahmed Wakil Muttawakil, determinou o encontro de seu assessor com o cônsul americano David Katz em Peshawar, no Paquistão, para alertar que a al-Qaida preparava um grande ataque aos EUA com milhares de mortos. Muttawakil fizera um comentário que se mostrou profético: “Nossos convidados vão nos destruir”. Também enviou o alerta às autoridades americanas, CIA e FBI, que não deram importância aos avisos, alegando “excesso de advertências”. (The Independent, Kate Clark, publicado no Jornal do Brasil, 7/9/2002).
** O Mossad, serviço secreto de Israel, enviou dois agentes aos EUA para comunicar à CIA e ao FBI sobre uma célula terrorista, com 200 membros, preparando ataques a locais de grande valor simbólico. (The Sunday Telegraph, publicado em O Estado de S. Paulo, 17/9/2002)
** No dia 6, em relatório diário a Bush, o serviço de inteligência informa sobre a possibilidade de a Al Qaeda realizar seqüestros tradicionais de aviões. (O Globo, 17/5/2002)
** No dia 16 de agosto, a FAA (Administração Federal de Aviação) alertou para potenciais ataques com armas disfarçadas em telefones celulares, chaveiros e canetas. (O Globo, 17/5/2002)
Setembro de 2001
** Hosni Mubarak, presidente do Egito, avisa aos EUA que seus agentes infiltrados na al-Qaida obtiveram informações de uma ação terrorista de grande porte que estava para acontecer. A CIA negou o aviso. O porta-voz do Departamento de Estado Richard Boucher viria a admitir que o Egito passou informações, mas minimizou a importância delas. (The New York Times, publicado por Valor Econômico, Gazeta Mercantil e O Globo, 5/6/2002)
Não houve problemas na recepção dos avisos enviados pelas inteligências internacionais. Todos eles foram inseridos nos bancos de dados do FBI. Também não houve problemas na identificação da presença dos terroristas em território americano, dando seguimento ao planejamento dos atentados ao aprenderem ou aperfeiçoarem as técnicas de pilotagem em escolas americanas.
A questão relevante não está no sentido de apontar a incompetência dos agentes do FBI, ao contrário, estes foram extremamente eficientes no processo investigativo. Kenneth Williams e Coleen Rowley identificaram e apontaram os terroristas. Para um setor de investigação como a divisão antiterror, que tem como objetivo específico analisar e interpretar esse tipo de informação, estava bem claro o que deveria ser feito. Dar suporte aos seus agentes. O problema grave, e o mais suspeito, foi o impedimento, por parte da cúpula em Washington, de se dar prosseguimento às investigações.
“(…) os chefes do FBI trabalharam de forma consistente e quase deliberada para frustrar os esforços dos agentes em Minneapolis. (…) A descoberta de outros terroristas antes de 11 de setembro poderia ter limitado os ataques e a perda de vidas resultantes”. (Coleen Rowley, revista Time, 3 de junho de 2002)
Depois da divulgação na imprensa dos episódios relacionados a Kenneth Williams e Coleen Rowley, o chefe da divisão antiterror desde 1982, Dale Watson, renunciou ao cargo 16 de agosto de 2002. Watson supervisionava a investigação lançada pelo governo americano depois dos atentados e também os casos de antraz.
O antraz
O senador democrata Tom Daschle, opositor do governo George W. Bush, logo após o 11 de setembro propôs uma comissão independente do Senado para apurar as supostas falhas de segurança. O governo Bush nunca apoiou essa comissão. Coincidentemente (ou não), Daschle foi um dos dois senadores a receber, em outubro, uma carta com antraz. Também foram vítimas os escritórios das redes de TV NBC, ABC e CBS e o escritório do New York Post, em Nova York, entre outros. Curiosamente, os atingidos eram aqueles que poderiam ser potenciais questionadores de uma possível investigação superficial e exigir maior rigor das autoridades na busca da verdade.
O esporo da bactéria, contido nas cartas enviadas, era do tipo Ames, bactéria avançada, desenvolvida e manipulada somente em laboratórios especiais e sofisticados. As investigações do FBI chegaram a Fort Detrick, laboratório de armas biológicas do Exército americano, em Maryland. O principal suspeito, Steven Hatfill, tinha ligações diretas com o Pentágono. “(…) Tem mais. O jornalista Nicholas D. Kristof, do mesmo jornal (The New York Times), diz que o FBI identificou e interrogou o autor dos atentados a antraz, mas não o prendeu. Trata-se de um cientista norte-americano que tem fortes laços com o Pentágono e a CIA, e sabe coisas embaraçosas sobre programas secretos de guerra biológica”. (CartaCapital, 10/7/2002)
Após essa revelação, as cartas de antraz imediatamente cessaram, e o caso perdeu sua importância para o FBI. As investigações foram encerradas e, apesar das mortes ocorridas, ninguém foi preso. Seria a carta com antraz um aviso ao senador e à imprensa?
Reunindo e interpretando todas estas informações, formulamos uma pergunta que parece, em nosso entendimento, ser a peça que falta no quebra-cabeça. Teria o governo americano permitido que os terroristas executassem seu plano de lançar os aviões contra o WTC e o Pentágono, com o propósito de mudar o cenário político internacional a seu favor?
Lucro e poder
Essa hipótese não é absurda se observarmos o que vem acontecendo depois do 11 de setembro. Quais foram os maiores beneficiados com a tragédia? Antes, o governo George W. Bush vinha obtendo antipatia generalizada, até mesmo diante de seus tradicionais aliados, em função de diversos motivos. A começar por sua eleição, decidida pela Suprema Corte. A recusa em ratificar acordos internacionais deixou clara a postura agressiva e unilateral adotada pelo governo de Washington.
“(…) Os EUA vinham sofrendo uma série de reveses no quadro da ONU. Em março, foram expulsos de sua Comissão de Direitos Humanos, por ter votado sistematicamente contra todas as resoluções aprovadas por aquela instituição, desde 1948. Em junho, a conferência de Bonn aprovou o Protocolo de Kioto, por 178 votos contra um (EUA). Em seguida, os EUA foram levados a se retirar da Conferência Contra o Racismo, de Durban, juntamente com Israel”. (Caros Amigos, outubro de 2001).
Bush, sem nenhuma expressão para um chefe de Estado, lutava para se firmar com minguados 51% de popularidade. Depois dos atentados, esse índice foi catapultado para 90%, conseguindo do Congresso poderes nunca antes obtidos por nenhum outro presidente. A indústria bélica, grande financiadora de sua campanha, já em outubro, com o bombardeio ao Afeganistão, acusou nos pregões valorização de até 41% nas ações de algumas empresas. Fabricantes de caças, tanques, mísseis, satélites e munições tiveram forte alta no preço de seus papéis, deixando para trás a crise amargada durante os anos 90.
Durante os oito anos do governo Bill Clinton, as verbas para defesa vinham diminuindo progressivamente, e superávits fiscais eram acumulados (em 2000, superávit recorde de US$ 236,9 bilhões). Após o 11 de setembro, já em dezembro de 2001, foi aprovada pelo congresso uma verba de US$ 399 bilhões para defesa, apesar do déficit fiscal, criado por Bush, de US$ 307 bilhões.
“(…) Deste total, US$ 20 bilhões foram para a aviação, US$ 70 bilhões para o Pentágono e mais US$ 100 bilhões em incentivos fiscais para grandes empresas de armamentos, além de um contrato de US$ 20 bilhões para a compra de jatos, vencido pela Lockheed Martin”. (IstoÉ Dinheiro, 26/12/2001)
São vários bilhões de dólares destinados à luta contra um inimigo que se comporta assimetricamente à lógica ocidental. Sua pátria é o ódio, seu exército uma legião de suicidas e sua morte um prêmio a ser conquistado. De que adiantou essa estrutura bilionária de defesa, quando facas de plástico, de menos de US$ 1, utilizadas pelos terroristas, fizeram todo aquele estrago?
Aliado aos lucros vultosos do setor de armamentos, outro resultado do 11 de setembro foi o enorme poder alcançado por Bush. Depois de destruir o que restava do Afeganistão, sem prender Osama bin Laden, atropelou a ONU e partiu para o ataque ao mais antigo sparing do governo americano, Saddam Hussein. As tão temidas armas químicas, motivo da invasão, até hoje não foram encontradas. Saddam também não. O que se encontrou foi a determinação de Dick Cheney em, praticamente, obrigar os agentes da inteligência a escreverem um relatório mentiroso e sem fundamento a respeito do potencial destrutivo de Saddam. Para desviar as atenções desta nova farsa descoberta, o secretário de Segurança Interna, Tom Ridge, afirmou em comunicado a possibilidade de um novo ataque terrorista com armas de destruição em massa.
Silêncio condenatório
De setembro de 2001 até maio de 2002, foram oito meses de total silêncio por parte do governo Bush. As tentativas de Washington para explicar os atentados como tendo sido resultado de falha, negligência ou incompetência tornam-se pueris diante de todas as informações que, hoje sabemos, foram recebidas pelos órgãos de inteligência americanos.
Agosto de 2001 foi o mês mais importante. Nesse período, as informações chegavam de várias partes do país e do mundo. Todas apontavam em uma só direção. Elas eram tantas e tão conexas que qualquer um, leigo ou agente do FBI, poderia observar a rede terrorista al-Qaida planejando atacar alvos simbólicos americanos com aviões comerciais seqüestrados. Alegações absurdas como falta de verbas ou tradutores para os grampos ou ausência de comunicação entre os órgãos de segurança, beiram o ridículo. A comunicação foi feita, no mínimo, pela agente Coleen Rowley quando, após dois relatórios frustrados ao setor antiterror do FBI, fez um terceiro diretamente à CIA, comunicando a prisão de Zacarias e pedindo as providências necessárias, uma vez que a cúpula do FBI não a atendeu em seu pedido.
“(?) When, in a desperate 11th hour measure to bypass the FBIHQ roadblock, the Minneapolis Division undertook to directly notify the CIA’s Counter Terrorist Center (CTC), FBIHQ personnel actually chastised the Minneapolis agents for making the direct notification without their approval!” (“The bombshell memo”, Time, 3/6/2002)
O jornalista Bob Woodward disse no jornal Washington Post que “os integrantes da al-Qaida nos EUA foram, em alguns casos, inicialmente identificados pela CIA, que repassou essas informações ao FBI”. (O Globo, 24/9/2001)
O que se vê é um esforço colossal para esconder algo muito mais sério. Basta que algumas pessoas com funções importantes no governo, como Robert Mueller III, Tom Pickard, John Ashcroft, Donald Rumsfeld, Dick Cheney e o próprio George W. Bush, respondam a algumas perguntas:
** Por que Robert Mueller III afirmou que as informações que tinha eram desconexas, insuficientes e genéricas para prever os ataques se os seus próprios agentes apresentaram informações claras e objetivas?
** Por que os memorandos de Coleen Rowley foram adulterados? Qual a justificativa para tais ações?
** Por que o supervisor do FBI, que adulterou e engavetou os memorandos de Coleen Rowley, foi promovido pouco tempo depois dos atentados?
** Por que um terrorista conhecido consegue tão facilmente um visto de entrada nos EUA, se para cidadãos normais de qualquer país a dificuldade é enorme?
** Por que terroristas, conhecidos e perigosos circulavam livremente pelo país, com seus nomes verdadeiros e documentos oficiais norte-americanos, como carteira de motorista e cartões de crédito?
** Por que lhes era permitido freqüentar aulas de pilotagem, alugar carros, abrir contas em bancos etc.?
** Por que as companhias aéreas permitiram o embarque dos seqüestradores nos aviões, se eles utilizaram seus nomes verdadeiros?
** Por que os nomes deles não estavam listados, nos alertas dados pela FAA em 16 de agosto, para serem examinados no momento do embarque?
** Por que durante oito meses o governo norte-americano omitiu as informações de que já havia recebido alertas sobre as intenções dos terroristas?
** Por que Tom Pickard pediu demissão de seu cargo de direção do FBI, para Robert Mueller III assumir em 4 de setembro?
** Por que o presidente George W. Bush declarou, até maio de 2002, que nada sabia, se em junho de 2002 a imprensa divulgou que havia um relatório da inteligência sobre sua mesa, no dia 6 de agosto de 2001, alertando sobre possíveis seqüestros de aviões comerciais nos EUA por extremistas da Al Qaeda?
Obter essas respostas é uma obrigação do Congresso norte-americano. Cabe à imprensa, de todo o mundo, assumir uma postura firme no acompanhamento das investigações e na divulgação de seus resultados. O prazo final para as investigações do Congresso é maio de 2004, vésperas das eleições presidenciais americanas. Até agora, a divulgação parcial dos resultados da comissão indica que teremos mais um Relatório Warren. É incompreensível que justamente o senador Bob Graham se conforme com tamanha barbaridade. Parece-nos um contra-senso que a nação mais “democrática” do mundo aceite que seu próprio governo censure a verdade sobre o pior atentado sofrido em solo americano. Muita coisa está em jogo: a continuidade da política externa norte-americana, agressiva e intransigente, e a conseqüente ameaça à vida de milhares de inocentes em todo o mundo; ou a concepção de um mundo mais democrático, em que as nações honrem seus compromissos internacionais e onde a paz seja possível, não pela guerra, mas pelo diálogo. A decisão depende de cada um de nós.
(*) Estudantes universitários; texto registrado na Fundação Biblioteca Nacional sob o número 290.947, livro 527, folha 107