ROBERTO SILVEIRA
Telmo Wambier (*)
Roberto Silveira ? A pedra e o fogo, de José Sérgio Rocha, Casa Jorge Editorial, Niterói, RJ, 518 pp. Preço: R$ 50. Com DVD do documentário de título homônimo, de Otávio Escobar, e três CDs com discursos, jingles e músicas da época.
Biografia de político, no Brasil, a gente só lê por obrigação. Ou precisa apanhar algum dado para trabalho acadêmico, ou é dever de casa na faculdade, ou é obrigado a falar do biografado por qualquer circunstância. Ou ainda, caso raro, quando o biógrafo é insuspeito e escritor consagrado.
No caso de Roberto Silveira, a pedra e o fogo, que o jornalista José Sérgio Rocha está lançando pela Casa Jorge Editorial, aconteceu comigo mais ou menos assim. Eu precisava de um parceiro para escrever um livro que me haviam encomendado, porque não tinha tempo de cumprir a tarefa sozinho.
Conhecia José Sérgio como homem de redação, mas não sabia como avaliar se ele tinha fôlego para um trabalho além do texto jornalístico. Para garantir o frila, ele me entregou o calhamaço no original e disse: "Dê uma olhada; quem sabe você se convence". Comecei a ler por dever profissional e varei a noite logo no primeiro dia. Era muito mais que a tradicional bajulação dessas biografias encomendadas. Era uma aula de história política.
Claro que o livro é pró-Roberto Silveira. Mas isso não tira o sabor das centenas de histórias e bastidores, num texto delicioso e bem cuidado. Acima de tudo, refresca a memória e nos faz pensar na forma como se fazia a política nos moldes do populismo clássico. Forma que vigora até hoje, com outra roupa e outros personagens. Nada mais atual, por esse lado.
Curioso como os temas da política continuam os mesmos neste Brasil sem esperança. E com os mesmos dilemas. É o caso da reforma agrária. Nos anos 50, distribuição de terras só se cogitava no modelo "Na lei ou na marra". Mas no início da década de 60, em vez de abraçar mais uma bandeira ? ele foi ativista da memorável campanha O Petróleo é Nosso! ? Roberto Silveira preferiu lançar no Rio de Janeiro uma reforma agrária pacífica, feita em terras pertencentes ao antigo estado que tinha como capital Niterói, e com ocupações negociadas diretamente com donos de fazendas improdutivas, muitos deles grileiros. Se esse bom senso tivesse prevalecido, talvez Getúlio não precisasse dar o recado de sangue aos radicais de sempre. No fundo, continua tudo igual: o MST querendo a revolução agrária e o governo, meio em cima do muro, achando mais prudente a negociação. Foices e enxadas na Central do Brasil e João Goulart sem saber direito o que estava acontecendo. Quando acordou já era tarde.
Que ousemos viajar
Esta história, entre centenas de outras contadas no livro de José Sergio Rocha, é reveladora. Não foi uma iniciativa da boca para fora. Nas glebas desapropriadas, o estado entrava imediatamente abrindo escolas do Movimento Popular de Alfabetização ? até hoje, a única experiência do gênero que teve a iniciativa de um governo estadual e mais tarde seria copiada pelo Mobral do regime militar ?, instalando postos de saúde e subdelegacias de polícia que eram entregues aos cuidados de coronéis reformados da Polícia Militar.
O modelo não foi inventado. Seu artífice foi um técnico agrícola italiano que trouxe as idéias de um projeto bem-sucedido em seu país, na região de Maremma. Uma região que, apesar de formada por terras longe de serem ideais para o plantio, desenvolveu-se ao descobrir sua verdadeira vocação agrícola. Nicola Marfisi veio para o antigo Estado do Rio fazer a mesma coisa: tirar leite de pedra. E isso estava sendo conseguido. Um dos melhores momentos do processo foi a desapropriação de um antigo quilombo em Paraty mas, como a burocracia é um mal em si mesmo, somente em 1999 os descendentes de escravos tomaram posse definitiva da área.
Roberto Silveira, a pedra e o fogo é para ser lido de um só fôlego. Seu conteúdo bem apurado e o texto solto e despretensioso são antídotos contra a chatice. Tendo como fio condutor a vida do jovem e esquecido personagem que morreu num acidente de helicóptero em 1961, o livro conta as origens de um estado pobre que foi a província mais rica do Império, e resgata fatos que a fusão do antigo Rio de Janeiro com a antiga Guanabara apagou da memória do povo. Histórias de campanhas políticas de Nilo Peçanha a Jânio Quadros, momentos importantes da República Velha e do Estado Novo de Getúlio Vargas, casos saborosos protagonizados por Tenório Cavalcanti, Ademar de Barros e João Goulart, embutindo experiências, valem reflexões nos dias atuais.
Tem todos os ingredientes de uma obra de referência. E ao final de suas 500 páginas nos dá aquela sensação gostosa de percorrer o tempo, a bordo de um bonde chamado História que pára na Estação Brasil para que ousemos viajar nele.
(*) Jornalista