Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aziz Filho e Eliane Lobato

ENTREVISTA / BONI

“Bonifácio bilhões”, copyright IstoÉ, 8/09/03

“A compra e instalação de uma afiliada da Rede Globo por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, tem provocado um frisson na mídia na mesma proporção do surgimento de um magnata da comunicação. Com este exagero vem se noticiando a inauguração de sua emissora, a Vanguarda, prevista para estrear oficialmente no sábado 20. Trata-se de uma retransmissora com 46 estações no Vale do Paraíba e Litoral Norte de São Paulo, região com cerca de dois milhões de habitantes. ?É uma redezinha?, desdenha ele. Aos 67 anos, Boni diz enfrentar com prazer o novo desafio.

ISTOÉ – A Vanguarda está provocando tanto estardalhaço porque é a televisão do Boni?

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho – O estardalhaço é porque há um certo desejo de que realmente a gente mexa um pouquinho na televisão brasileira como um todo. Mas não é o caso. A Vanguarda é uma estação pequena.

ISTOÉ – Ela não é muito pequena para a dimensão do Boni?

Boni – Não é minha. Meus filhos é que vão mexer com a Vanguarda. Minha função maior é colocar no ar. Daí para diante, eu passo a atuar apenas como consultor.

ISTOÉ – O sr. espera parar na Vanguarda ou é possível que as pessoas se surpreendam com o anúncio de que Boni comprou o SBT?

Boni – Tive o cuidado de me separar da Vanguarda, tanto que não sou acionista. Quando você adquire uma afiliada da Rede Globo, há uma cláusula de fidelidade. Ficou claro para a Globo que não tenho nenhum vínculo com a empresa, o que me deixa livre para eventualmente tocar um novo projeto.

ISTOÉ – De zero a dez, qual é a possibilidade de esse ?eventualmente? se concretizar?

Boni – No momento, eu diria que é zero porque não basta ter o desejo. É preciso ter a oportunidade.

ISTOÉ – Isso gera frustração pessoal?

Boni – Não. Enquanto há esperança não há frustração.

ISTOÉ – Sua fama na Globo era péssima. Seus memorandos e gritos causavam tremores. Depois que o sr. saiu, parece ter virado ?santo? e só se fala dos ?bons tempos? do Boni.

Boni – O grito era folclórico. Os memorandos duros eram precisos, objetivos, para criar normas, procedimentos. As pessoas sabiam que tinham de fazer bem, não para me agradar, mas sabendo que eu iria avaliar. O receio não era da pessoa do Boni, mas do avaliador. Construí uma convivência amigável. Não é que virei um santo. Acho que, depois da primeira impressão de alívio, sentiram falta.

ISTOÉ – Se não tivesse ido trabalhar em televisão, qual profissão teria escolhido?

Boni – Gosto de medicina. Leio bula, tenho um dicionário de especialidades farmacêuticas no escritório e no computador, mas não sou hipocondríaco. Também não sou médico, mas em caso de emergência me apresento como tal. Sou um charlatão.

ISTOÉ – Esse charlatanismo já foi útil alguma vez?

Boni – Lá na Ilha da Jipóia (Angra dos Reis), onde tenho casa, às vezes não tem um médico à mão e sou obrigado a me virar. Uma vez um cachorro mordeu a boca de uma menina e eu fui lá costurar. Aprendi um pouquinho com o dr. Ivo Pitanguy, que é um improvisador incrível. Eu j&aacuaacute; o vi costurar gente com um anzol. Transformava o anzol em agulha e costurava. Costurei a menina com os apetrechos certos porque tenho tudo em casa: bisturi, linha, tudo. Dei uma costuradinha e depois mandei a menina para o dr. Ivo dar um retoque, um acabamento.

ISTOÉ – Como vai sua saúde?

Boni – Eu me cuido. Faço check up, alguns procedimentos a cada três anos. A saúde está bem, dá para encarar uma nova televisão. Se for o caso, uma rede mesmo.

ISTOÉ – A Vanguarda conta com investimento de R$ 12 milhões. Foi do seu bolso?

Boni – Não. Nós pegamos empréstimo em banco, como todo mundo faz. Imaginamos que poderemos pagar em torno de cinco anos.

ISTOÉ – Roberto Marinho fundou a Rede Globo quando tinha 60 anos. O sr. está com 67. Dá para começar uma nova Globo?

Boni – Dá. Dá para começar uma nova rede porque não é um trabalho solitário. É trabalho coletivo, tem gente boa, vai ter gente boa no mercado.

ISTOÉ – O sr. pensa na morte?

Boni – Com 32 anos achei que fosse morrer. Sempre tenho a visão de que estou exposto. Tenho saúde ótima, sou homem de movimento, ativo, mas, como tive uma vida difícil e desregrada, qualquer hora acho que posso ir embora.

ISTOÉ – Desregrada como? Vinho demais?

Boni – Vinho faz bem para a saúde. Desregrado é não ter horário, ficar gravando dois ou três dias sem dormir, comendo mal.

ISTOÉ – Naqueles anos, era comum o uso de drogas por altos executivos para ficar acordados. O sr. já cheirou cocaína?

Boni – Nunca.

ISTOÉ – Nem fumou maconha?

Boni – Não. Minha droga é a televisão mesmo. Sempre gostei da minha lucidez, da minha consciência. É postura. Nunca pude pensar em ficar incapaz de tomar uma decisão, fazer alguma coisa. Nem de uísque eu gostava. Sempre fui muito ansioso. Minha brincadeira é vinho, cerveja, que têm baixa dosagem alcoólica e eu bebo com prazer. Quanto às drogas, não sou juiz de ninguém, cada um faz o que quer. Mas eu não gosto, não me sinto confortável.

ISTOÉ – Consta que o sr. era assediado por mulheres bonitas, que teve casos com as atrizes mais desejadas. É verdade?

Boni – Isso é folclore. Para elas, não adiantaria nada porque eu sempre elegi o talento como fundamental para crescer. Eu me casei três vezes. O primeiro casamento durou quatro anos; o segundo, 15, e estou com a Lou há 17. É evidente que, nos intervalos desses casamentos, sempre tive namoradas, atrizes, não atrizes, gente do meio, gente de fora. Mas nós elegemos como droga, namorada, e objetivo de vida, a televisão.

ISTOÉ – O sr. é vaidoso?

Boni – Sou relaxado. Minha mulher reclama o dia inteiro. A Lou é muito engraçada. Ela me fez jurar que, se por acaso ela morrer, não vou sair para a rua sem fazer a barba, sem cortar o fio da sobrancelha ou sem abotoar a camisa.

ISTOÉ – Já fez plástica?

Boni – Já. Não fiz com o dr. Ivo porque ele é muito amigo, tem essa coisa de não cobrar dos amigos e eu fico constrangido. Fiz com o Paulo Müller. Não foi por vaidade, acho que foi por questão de saúde. Fiz um lifting de leve para não ficar muito esticado. É porque estava ruim, tinha que dar uma ajeitadinha.”

 

TV / EUA

“Mate a sua televisão!”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 5/09/03

“Os americanos costumam ser radicais em relação a quase tudo. Ainda mais quando se trata de discutir o poder da TV. A maioria dos telespectadores assiste a tudo o tempo todo e não se importam muito com as conseqüências. Alguns críticos e pesquisadores chegam a dizer que os americanos não conseguem controlar essa dependência e são considerados ?viciados? em TV. As últimas estatísticas apresentadas pelos institutos de pesquisa indicam que 98% dos lares americanos possuem pelo menos um televisor, 67% têm mais de um aparelho e que as crianças americanas assistem a uma média de quatro horas de TV por dia. Aqui entre nós, esses números impressionam, mas já foram muito piores. Hoje, o meio televisivo se depara com novos desafios e competidores poderosos como a Internet ou sistemas de gravação digital como o TiVo, DVD ou meios analógicos como o velho VHS. Mas de qualquer maneira a TV continua hegemônica e muito poderosa. Ainda é muito cedo para declarar a sua morte, mas alguns americanos estão dedicados a acabar com a TV de qualquer maneira.

Al Kaufman, 36, resolveu enfrentar o ?monstro? e declarar uma verdadeira guerra santa à TV. Ele é responsável por uma campanha nacional contra a TV com o sugestivo slogan ?Kill your TV? ou Mate a sua TV. Kaufman é um ex-jornalista que não obteve muito sucesso na profissão e alguns colegas o consideram excêntrico, muito ambicioso ou simplesmente ?maluco?. Ele, no entanto, faz questão de dizer que sempre foi um rebelde e que jamais se conformou com as injustiças e excessivos controles corporativos do meio jornalísticos. Kaufman trabalhou em diversas empresas de comunicação, se decepcionou muito. Fez de tudo na vida para sobreviver e hoje, faz questão de declarar que finalmente é feliz. Largou quase tudo na vida, resolveu ser professor e lutar pelo fim da TV. Acho que sei o que como ele se sente.

Mas a sua grande ?sacada? foi captar o atual clima de medo e insegurança da sociedade americana após os atentados de 11 de setembro para lançar uma campanha nacional contra o principal meio de comunicação de massa nos EUA e no mundo: a velha televisão.

Em tempos de caça às bruxas, Kaufman se tornou mais um desses líderes carismáticos americanos que prega não o fim do mundo, mas o fim da TV. Para isso ele ignora o meio televisivo, a grande imprensa e se utiliza da Internet para agregar outros militantes. Ele é o criador e responsável pelo site www.turnofftv.com (desligue a TV) de onde lidera uma bem sucedida campanha de mobilização popular contra os males causados pela TV.

A lista desses males vai da tradicional violência infantil, a crescente obesidade dos jovens, o fim dos valores familiares e até mesmo problemas recorrentes de saúde: TV impede as pessoas de se exercitarem e seria uma das principais causadoras de dores de cabeça dos telespectadores e de sérios problemas psicológicos. O site tem de tudo para quem adora odiar a TV e muitas informações e pesquisas para aqueles que ainda têm dúvidas sobre os malefícios dela. Ciência e religião não possuem muitas diferenças. Acredita quem quer ou sabe mais. No site você pode ler diversos artigos com dados recentes sobre o meio televisivo, baixar videogames que ajudam você a ?matar a TV?, animações bem produzidas que ridicularizam o meio e toda uma série de produtos para os militantes anti-TV.

Como todo o movimento popular ou qualquer nova religião americana, o importante é vender uma idéia ou produto e faturar bastante. Em essência, o objetivo dos militantes do movimento é ?matar a TV?, mas, enquanto isso não acontece, também podem ficar famosos e ganhar muitos dólares nessa luta pelo bem da humanidade.

Com muita criatividade e espírito empreendedor, Kaufman se tornou uma verdadeira ?dor de cabeça? para os donos da TV americana. Sua cruzada contra a TV tem lhe garantido uma enorme projeção na mídia em um cenário muito competitivo. Não falta maluco querendo aparecer e produtor de TV querendo assunto para manter a audiência em declínio. Eu não ficaria surpreso se o Kaufman se tornasse em breve estrela do seu próprio show de TV, o Kill your TV Show. Os americanos e seus radicalismos são muito pragmáticos e jamais cessam de me surpreender. Assim como já mataram diversos presidentes, líderes nacionais como Martin Luther King e tantos outros, talvez um dia consigam também ?matar a TV?.”