Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guerra aberta contra a baixaria na TV

ENTREVISTA / LALO LEAL FILHO

Leticia Nunes (*)

Mais uma semana e a polêmica continua. O caso da falsa entrevista com dois integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), exibida em 7/9 pelo programa Domingo Legal, do SBT, ainda dá o que falar. O foco da discussão mudou, mas ela ainda está presente na imprensa e nos programas de variedades.

A questão agora gira em torno da suspensão da exibição do programa de Gugu Liberato. A Justiça Federal, por meio de uma liminar, proibiu que o Domingo Legal fosse ao ar em 21/09. Se descumprisse a lei, o SBT teria que pagar uma multa de 100 mil reais. De acordo com o Ministério Público, as justificativas para a punição foram o abuso da liberdade de imprensa e o desrespeito à ética. Desta forma, a polêmica renovou-se, mas continuou intacta. Afinal, o ato de proibir que o programa fosse ao ar foi censura prévia?

Em entrevista ao Observatório da Imprensa, o jornalista, sociólogo e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Laurindo Lalo Leal Filho responde a esta questão e analisa a situação atual da programação da televisão brasileira. Lalo fundou e dirigiu a ONG Tver (www.tver.org.br) e é membro do Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e TV, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que age junto à campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania" (www.eticanatv.org.br).

Sua entrevista:

A suspensão do programa Domingo Legal na última semana pode ser considerada censura prévia?

Laurindo Lalo Leal Filho ? Não. A censura é caracterizada pela proibição a priori de fatos ou de presença de determinadas personalidades. O que aconteceu no caso do Domingo Legal foi uma punição imposta pela Justiça por causa de uma transgressão cometida pelo programa. Censura ocorre em estados ditatoriais onde o poder estatal proíbe a exibição ou expressão de informações ou opiniões. O que aconteceu aqui foi apenas uma ação rápida da Justiça para apenar o programa.

Como avalia o caso do escândalo do programa Domingo Legal?

L.L.L.F. ? Este caso é conseqüência de um processo que vem se arrastando há muito tempo. Decorre da falta de uma legislação atualizada a respeito do funcionamento das concessões públicas de TV. A televisão no Brasil opera num vácuo legal, sem nenhum tipo de controle. Se os programas que vêm exibindo constantemente as chamadas "pegadinhas" já tivessem sido punidos, talvez esse episódio específico não tivesse acontecido.

Por que o programa Domingo Legal chegou ao ponto de apelar para uma fraude jornalística e para a apologia ao crime?

L.L.L.F. ? Por causa da lógica de mercado imposta às emissoras de TV. No Brasil, concessões públicas operam sobre a lógica da concorrência comercial. Deste modo, as emissoras não refletem sobre o que apresentam ao público. Acabam por priorizar a audiência. Em busca dela, apela-se para qualquer recurso, independente dos valores éticos ou morais.

O que permite que esse tipo de abuso ocorra na programação televisiva?

L.L.L.F. ? Falta de responsabilização legal e social das emissoras. Os concessionários operam sem nenhum tipo de responsabilização pelo que fazem. É apenas isto.

A culpa também é do telespectador?

L.L.L.F. ? Eu não diria culpa. O telespectador pode ser responsabilizado na medida em que ele não exige uma melhor qualidade deste serviço público. O problema é que, no Brasil, não se tem consciência disso. O modelo de TV aberta implementado aqui desde a década de 1950 age através de um mecanismo perverso, onde se esconde da população que a televisão é um serviço público. Aproximadamente 90% da população, ou seja, a maioria, se informa apenas pela TV. E infelizmente, no Brasil, esta população ainda acha que a televisão a que assiste é gratuita. Não percebe que, a cada produto anunciado na TV que ela compra, está pagando pelo que assiste. Então, a população é responsável inconscientemente por esta situação.

Como analisa a programação da TV brasileira hoje?

L.L.L.F. ? A TV brasileira tem alguns momentos de altíssima qualidade, o que prova sua capacidade de fazer ótimos programas, em termos de técnica e de conteúdo. A Rede Globo, por exemplo, produziu coisas excelentes, como as séries O Auto da Compadecida (1999) e Os Maias (2001), e o especial A paixão Segundo Ouro Preto (2001). Este último, especificamente, foi uma parceria entre a Globo e o Grupo Galpão, de Belo Horizonte. Juntou-se o melhor da TV e o melhor do teatro. Este programa foi anunciado como um especial mensal, ou seja, fariam um episódio novo a cada mês. Isto nunca aconteceu. Então, o problema é que estes momentos de qualidade são esporádicos. No conjunto, a programação é de baixíssima qualidade. E o pior é a mesmice dos programas, o que acaba por nivelar por baixo a programação.

TV de qualidade não dá Ibope?

L.L.L.F. ? Dá. Isso é provado na Europa, onde canais comerciais disputam a audiência meio a meio com emissoras públicas. Para conseguir que uma programação de qualidade dê audiência, é preciso que se façam investimentos de médio e longo prazo. Pela lógica do mercado brasileiro, isso não valeria a pena. O que falta também é coragem das emissoras para apostar no novo. Quando isso é feito, quando se arrisca, os resultados são positivos.

Qual deve ser a função da TV?

L.L.L.F. ? As emissoras são concessões públicas, e por isso devem cumprir os preceitos da Constituição brasileira. Segundo ela, a TV tem a função de prover informação, educação e entretenimento. Não precisa fazer mais do que isso.

A TV brasileira tem jeito?

L.L.L.F. ? Tem. E por dois caminhos. O primeiro é a criação de um mecanismo institucional capaz de receber as demandas da população, analisá-las e acompanhar o processo de entrega de concessões, desde o desenvolvimento até sua execução. Este mecanismo teria também poderes de sanção, para punir irregularidades. O outro caminho é o fortalecimento de uma rede pública nacional de televisão, que sirva de serviço público para a população e que reflita esta população.

Você fundou e dirigiu a ONG Tver e é membro do Conselho de Acompanhamento da Programação de Rádio e TV, que age junto à campanha "Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania". Qual o papel da ONG? E há uma ligação entre ela e a campanha?

L.L.L.F. ? A ONG tem três atividades básicas. A primeira é analisar os programas de TV através de diferentes óticas, já que contamos com a participação de jornalistas, psicólogos, advogados etc. A segunda é discutir isso publicamente, pela imprensa ou por meio de seminários em escolas e universidades. E, por fim, nossa terceira atividade é levar as conclusões das análises e dos debates para os poderes públicos. Como não há uma legislação que cubra especificamente a TV, nós levamos às autoridades denúncias de programas que ferem a legislação brasileira ? com base em documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo. Denunciamos também concessões que são renovadas automaticamente sem nenhuma avaliação. Na campanha, o Conselho se reúne a partir do ranking da baixaria e faz pareceres sobre os programas. Esses pareceres são encaminhados às emissoras e estão disponíveis no site da campanha, em <www.eticanatv.org.br>. Três membros da ONG fazem parte do Conselho. São a ponte entre os dois.

(*) Jornalista