ESTUDANTES EM SALVADOR
Raquel Porto Alegre (*)
Que o papel da imprensa baiana, em relação às manifestações estudantis realizadas nas últimas semanas em Salvador contra o aumento das passagens de ônibus, não foi dos mais dignos, muito já se falou e se comentou, principalmente, dentro das salas de aula dos cursos de Comunicação Social da capital baiana. O fato foi útil por demais para a reflexão da prática e da ética jornalísticas. Os dois maiores jornais da cidade ? A Tarde e o Correio da Bahia ? tinham posições claramente contrárias e maquiavam, de acordo com seus interesses, a cobertura da situação que tomou conta da cidade. A imprensa do restante do país mal noticiou os acontecimentos que tumultuaram o dia-a-dia do cidadão soteropolitano, que foi obrigado a abandonar atividades diárias e compromissos por causa da manifestação, muito bem-organizada e arquitetada, diga-se de passagem, dos estudantes, em sua grande maioria, secundaristas.
Os grandes jornais brasileiros e as maiores redes de rádio e TV do país pouco deram importância ao acontecimento certamente pelo fato de os profissionais aqui instalados não terem “vendido” a informação de forma mais clara nas reuniões de pauta, via telefone, que sempre acontecem, diariamente, com as sucursais e afiliadas.
Mas o que mais chamou a atenção na cobertura da mídia em geral em relação ao movimento estudantil foi, na verdade, a ausência do rádio no episódio. A atuação do rádio soteropolitano na cobertura de manifestações que pararam o trânsito em vários pontos da cidade do Salvador foi vergonhosa e desastrada. O máximo que se viu, ou melhor, que se ouviu, foram comunicadores abrindo os microfones a manifestantes, empresários e governantes, que davam suas posições sobre o que estava acontecendo e sobre o que seria feito daquele momento em diante. Quando muito, algumas informações, pouco detalhadas, da via que estava congestionada em determinados horários em função das paralisações.
Informação, serviço e cidadania
O rádio-serviço, infelizmente, não mostrou sua cara neste episódio. E com ele fez falta! Mal se ouviram repórteres que, da rua, deveriam dar as condições do trânsito de forma completa e sugerir vias alternativas para o ouvinte. O que se ouvia, no máximo, era: “A Paralela já está congestionada”. Quanta informação! A via tem lá seus 30 quilômetros de extensão, em média, e é uma pista dupla, que vai e volta. Se a Avenida Paralela (Luiz Vianna Filho) estava congestionada, era interessante para o ouvinte saber em que ponto, em que altura, próximo a que local, em que sentido. As informações não chegaram ao ouvinte de forma clara e objetiva. Isso atestou a inexistência do rádio-serviço em Salvador. O rádio, que tem como grande público o motorista de carro, não soube explorar um fato que estava afetando sua própria audiência. O rádio não soube servir ao seu ouvinte mais fiel.
As emissoras baianas, na maioria, exploram apenas o entretenimento, com destaque para a veiculação de músicas. Algumas delas, a exemplo da Rádio Metrópole FM, que pertence ao ex-prefeito (nomeado e eleito) de Salvador Mário Kertész, da Rádio Sociedade da Bahia AM, que conta com um programa sob o comando do possível candidato à prefeitura do município, Raimundo Varela, e da Rádio Tropical Sat FM, do grupo de comunicação do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), arriscam programas que dizem ter caráter radiojornalístico, mas o que se vê são emissoras que fazem dos estúdios de rádio verdadeiras “mesas de bar”, onde se fala e se ouve de tudo, até mesmo piadas de baixo nível, que ofendem aos próprios profissionais que nela atuam.
Foi este tipo de emissora que buscou fazer o rádio-serviço e não soube explorar a situação da melhor forma possível. Elas deveriam ter colocado todos os repórteres ou redatores nas ruas, com telefones celulares em punho para entrarem no ar na hora mais necessária. O microfone deveria estar aberto a esses profissionais que podiam, diretamente das ruas, ter levado à população informação, serviço e cidadania. Informação na hora de noticiar a via que estava congestionada, serviço na hora de sugerir ao ouvinte ruas e avenidas alternativas para que os motoristas não tivessem que enfrentar os engarrafamentos e conseguissem chegar em seu destino sem tantos transtornos e cidadania levando à população o que estava gerando tal situação, por que motivo e o que estava sendo feito para se superar aquilo.
Carência antiga
Mas não, o rádio baiano não soube dar conta do recado. Na tentativa de fazer algo pelo público ouvinte, o rádio viu-se sem profissionais qualificados, sem adequação dos conteúdos que iam ao ar, sem radiojornalismo de qualidade.
A Rádio Educadora da Bahia, emissora controlada pelo Estado, tentou fazer algo de útil para a população, mas entrava apenas com informações durante os pequenos informativos que vão ao ar de hora em hora. O microfone da emissora também não estava aberto para repórteres que, a todo momento, deveriam entrar no ar com as últimas informações. Os microfones só se abriam de hora em hora. O problema, neste caso, é que no período de uma hora muita coisa pode acontecer e o ouvinte, o motorista, nesse meio tempo, perde o fato, a notícia, fica sem serviço, sem radiojornalismo e se vê no meio do engarrafamento já sem tempo de tomar outra via.
É uma pena que o radio informativo em Salvador seja tão carente. A carência já era notada por jornalistas e estudantes da área de uma forma geral. E as manifestações estudantis das últimas semanas atestaram que o radiojornalismo simplesmente não existe na capital baiana.
(*) Jornalista, ex-repórter da CBN Brasília, mestranda da Faculdade de Comunicação da UFBA e professora de Radiojornalismo das Faculdades Jorge Amado, em Salvador
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