MULHERES APAIXONADAS
Luciano Martins Costa (*)
Na quinta-feira (11/9), a professora vivida por Christiane Torloni na novela Mulheres Apaixonadas declamou um poema, e depois ensinou seus alunos que a obra, conhecida em muitos países, foi escrita por um poeta brasileiro, natural de Niterói. No dia seguinte, a jornalista Patrícia Kogut, titular da coluna "Controle Remoto", do Globo, espinafrou a direção da novela, dando nota zero para a cena. "Niterói pode até ser bom, mas o poema é do russo Vladimir Maiakóvski", declarou a jornalista, deixando vazar um bocado de bairrismo e preconceito no estilo arrogante dos fazedores de rankings.
O diretor da novela, Manoel Carlos, voltou à carga, colocando a atriz a se referir novamente ao poema, reafirmando a autoria do brasileiro. A colunista se retratou na edição da segunda-feira (15/9), dando a si mesma a nota zero que havia atribuído à novela.
O poema, intitulado "No Caminho, com Maiacóvski", é do niteroiense Eduardo Alves da Costa, poeta, romancista, contista e artista plástico cuja obra ocupa galerias na França e na Alemanha, tendo merecido neste ano uma exibição exclusiva na Pinacoteca de São Paulo.
Seu poema, vertido para vários idiomas, pode ser visto em pôsteres no Café du Marquis, em Praga, num pub de Howe, Inglaterra, ou em correntes da internet, sempre atribuído a outro autor: o próprio Maiacósvski, Jorge Luís Borges, Wilhelm Reich e até Gabriel García Márquez têm levado o crédito pelo texto.
Desta vez, coube a uma professora de ficção informar o público. "Corrigida" pela jornalista, volta a ficção a reconstituir a verdade, em mais um episódio em que podemos observar programas de entretenimento cumprindo o papel que naturalmente deveria ser da imprensa: o de educar o público.
Para que não nos esqueçamos, vai abaixo o trecho mais conhecido do poema de Eduardo Alves da Costa, brasileiro, sim, de Niterói, residente em São Paulo, tido como um verdadeiro libelo da resistência contra as tiranias:
"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."
(*) Jornalista