MÍDIA & SENSACIONALISMO
Carlos Eduardo Pestana Magalhães (*)
O texto do jornalista Paulo José Cunha, "O strip-tease da notícia", publicado no Observatório da Imprensa [veja remissão abaixo], procura mostrar uma realidade da imprensa brasileira e americana há muito conhecida. Ele começa escrevendo que
"(…) no dia 6 de agosto uma americana corria os olhos pelos títulos exibidos numa banca de revistas de São Paulo quando teve a atenção despertada pelas primeiras páginas de vários jornais brasileiros: elas mostravam a foto de uma jovem no momento em que era atingida por um tiro no peito. Ao lado, em cima ou embaixo, dependendo do jornal, outra foto igualmente chamava sua atenção: era o retrato do diretor do presídio Bangu 3, Abel Silvério, assassinado na véspera. Usando apenas a lógica, nossa ianquezinha supôs que a cena da mulher ferida tivesse a ver com o atentado que tirou a vida do diretor do presídio. Mas, quando alguém lhe traduziu os títulos, nossa curiosa ianquezinha soube que a foto da moça havia sido tirada durante as gravações de uma seqüência da novela de maior audiência da televisão brasileira, Mulheres apaixonadas, da TV Globo, e nada tinha a ver com o assassinato do diretor do presídio. Desapontada, comentou: ?O entretenimento está afetando e infectando o jornalismo em vários países e isso pode ser fatal em médio prazo"."
Ora, esse comentário, vindo de uma jornalista americana, consultora, presidente da Anderson Media Agency e ex-vice-presidente da CNN News Group é de lascar! A imprensa americana ? escrita, televisiva e de rádio ? é das melhores do mundo, se não for a melhor, em fazer da notícia puro entretenimento. Aliás, a partir desse "show" de notícias, o que mais se vê é a manipulação constante das informações. A CNN e a Fox News, na cobertura da invasão do Iraque, por exemplo, deram um verdadeiro "show" de manipulação ao mostrarem o avanço das tropas ianques nas areias do deserto iraquiano, só com imagens e textos autorizados pelas forças armadas americanas e sempre ressaltando os heróicos soldados dos EUA. Pura propaganda.
Basta ligar a TV, clicar nos canais CNN, Fox News, BBC, Discovery Channel e todos outros do gênero para verificar essa realidade. O que é veiculado, muitas vezes sob a rubrica de reportagem, é "show" da vida, é "fantástico"! Nas bancas nos EUA, basta ver as manchetes de jornais como USA Today, The New York Times, Village Voice e outros, que é a mesma coisa. Notícias só emplacam se forem veiculadas como um grande acontecimento, um grande espetáculo. A imprensa mais crítica, mais "liberal", no jargão ianque, não tem muita penetração e peso político no mercado editorial.
Clássico censurado
O Brasil, apesar de "nanico" ainda, vai pela mesma trilha, infelizmente. Copiamos o padrão norte-americano de "vender" notícias e isso resulta naquilo que a "ianquezinha" viu assustada ? não sei o porquê ? nas bancas do patropi. A Folha de S.Paulo do dia 10 de setembro, por exemplo, estampa na primeira página uma foto assustadora. Parece uma cena de guerra. Um homem correndo, tendo ao fundo uma parede de fumaça negra. Um desavisado pode pensar em atentado terrorista em Israel ou no Iraque. Mas, não. A fumaça é resultado de uma barreira de pneus em chamas, em Aracaju, num protesto de taxistas. A matéria completa foi jogada no caderno Cotidiano, na página C 3. Precisava uma foto assim?
Voltando aos EUA, vários filmes americanos mostraram essa realidade em que a notícia que vende é o espetáculo, a lenda, o fictício, o "show". O filme O homem que matou o facínora, de John Ford, produzido em 1952, com John Wayne, James Stewart, Lee Marvin e outros, dá a medida dessa verdade. No início, um jornalista entrevistando Stewart, um senador, pergunta sobre a pessoa morta num caixão em frente a eles. O morto era Wayne, amigo do senador. Ao contar a verdadeira história, que é o filme, o jornalista diz o seguinte: "Se a lenda for mais interessante que o fato, publique-se a lenda". Essa frase define bem o jornalismo americano. A lenda, o espetáculo, o "show" prevalece frente aos fatos. Vende mais…
Um outro clássico da filmografia ianque, A montanha dos sete abutres, produzido em 1956, dirigido por Billy Wilder, com Kirk Douglas e outros, também explora esse lado sensacionalista do jornalismo. Na época, em função do tema, foi tão criticado pela imprensa americana que teve de ser retirado do mercado. Voltou anos depois como um clássico. Vale a pena assistir. Um pouco mais recente, outra produção, de 1976, Rede de intrigas, dirigido por Sidney Lumet, com Faye Dunaway, Willian Holden, Peter Finch e outros, desmascara uma rede de televisão, na qual um telejornal de audiência decadente acaba virando o máximo em função de um ataque de loucura de um âncora. Ele se torna figura mística (Finch, que ganhou o Oscar, apesar de ter morrido antes da premiação) e isso aumenta a audiência da emissora. O telejornal vira um grande "show da vida".
Episódios heróicos
Por último, mas não menos importante, o filme Todo-poderoso, de 2003, dirigido por Tom Shadyac, com Jim Carey, Morgan Freeman e outros, traz a história de um jornalista, Carey, que, quer-porque-quer ser âncora da TV local. Consegue falar com Deus, um Morgan Freeman contido, e Ele lhe dá, por uma semana, poderes celestiais. Aí, já viu. Se o Jayson Blair, aquele jornalista que inventou notícias no New York Times, tivesse esses poderes, o que faria? Sem eles fez o que fez! E tudo em nome do quê? Ser o melhor, o todo-poderoso?
Essa tese da imprensa americana sensacionalista, que publica lenda em vez de fatos, que manipula informações, não é recente. Basta estudar o papel da mídia na história ianque. Desde a guerra contra o império espanhol, na "libertação" de Cuba, no fim do século 19, até a recente invasão ao Iraque, a imprensa americana sempre vestiu a bandeira do país e, como num show da Broadway, mantém o espetáculo a qualquer custo. No episódio da guerra contra a Espanha, o então presidente republicano Willian Mac Kinley e os dois maiores magnatas da imprensa sensacionalista ianque da época, William Randolph Hearst (que inspirou Orson Welles no filme Cidadão Kane) e Joseph Pulitzer (nome do maior prêmio de jornalismo, literatura, artes etc. dos EUA) conseguiram mobilizar favoravelmente a opinião pública a favor dos cubanos. Com a vitória, as ilhas de Cuba e Porto Rico, no Caribe, mais Filipinas e Guam, no Pacífico, passaram ao controle dos EUA. Foi o início do imperialismo norte-americano.
Na invasão do Iraque, o republicano Bush teve apoio maciço da maioria dos veículos de imprensa do país. Claro que há episódios mais heróicos, como o caso Watergate, que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, em 1974. Agora, será que hoje haveria espaço, coragem e desprendimento da mídia americana para outro caso assim? É ver para crer.
(*) Jornalista
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