GOVERNO LULA
“França reduziu espaço para ingerência estatal”, copyright O Estado de S. Paulo, 14/09/03
“O sistema audiovisual hoje em dia na França é misto, privado e estatal, longe do antigo sistema dos tempos do general Charles de Gaulle, em que o governo exercia forte influência sobre o conteúdo da informação, principalmente política.
Isso não quer dizer que o governo francês tenha aberto mão de seus instrumentos de comunicação nas áreas do rádio e da televisão, mas a liberdade de expressão pode ser exercida hoje de forma muito mais franca – mesmo que em algumas ocasiões ocorram tentativas de ingerência, elas são sempre denunciadas.
Atualmente, a grande autoridade do audiovisual no país é o Conselho Superior do Audiovisual, que cuida de todos os aspectos que dizem respeito à ética da informação. Seu presidente e seus diretores são designados pelo primeiro-ministro e pelos presidentes da Assembléia e do Senado, onde sempre prevalecem representantes das maiorias parlamentares. France Televisão reúne os canais estatais, minoritários, financiados não apenas pela publicidade como as demais emissoras privadas, mas também beneficiados por uma taxa paga anualmente pelo contribuinte, 120.0 O nível de interferência governamental nas emissoras estatais na França é relativamente pequeno, mas existe, na medida em que há influência do grupo político no poder nas nomeações das direções. Isso ocorre não apenas na área audiovisual, mas na grande agência de notícias francesa, a AFP, que também sofre a influência do poder.
Um exemplo de choque com o governo ocorreu durante o governo de Lionel Jospin, quando de sua viagem oficial ao Brasil. Ele não perdeu a ocasião de passar um sermão público em uma jornalista da AFP que o acompanhava e havia explorado declarações infelizes do chefe de governo sobre política interna, feitas aos estudantes da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. O fato provocou reações críticas da imprensa e da própria opinião pública na França, o que talvez tenha impedido a jornalista de perder seu emprego. Esse exemplo revela que o poder algumas vezes ultrapassa os limites, convencido de que organismos estatais devam estar a seu serviço.
O exemplo de resistência mais importante tem sido o da BBC de Londres. Essa superestatal britânica é regida por um estatuto que impede ingerências externas, especialmente governamentais. A BBC enfrentou uma dura disputa durante o governo conservador de Margaret Thatcher, mas em nenhum momento se curvou diante da chamada ?dama de ferro?. Mais recentemente, ela tem enfrentado pressões do primeiro-ministro Tony Blair, após ter denunciado o governo por inflar as notícias sobre as armas de destruição maciça do Iraque, só para justificar a guerra contra Saddam Hussein.
Na área do rádio, prevalece na França o sistema misto, com uma maioria de emissoras privadas, em que se destacam a RTL, Europa 1, Radio Montecarlo, etc. No imóvel de Radio France, nas margens do Sena, concentra-se o conjunto de emissoras de rádio estatais, parcialmente financiadas pelo imposto e pela publicidade, emissoras de informação como France Inter, France Info e France Culture. Um exemplo a parte é a RFI, Radio France Internacional (BBC francesa), financiada e tutelada pelos Ministérios do Exterior e das Comunicações. Ela transmite em várias línguas, inclusive em português, mas é o setor de língua francesa o que mais sofre ingerência governamental, pois está dirigido para um continente ultras-sensível, os países da África, ex- colônias francesas.”
“Marketing de Lula busca estimular o patriotismo”, copyright Folha de S. Paulo, 14/09/03
“A estratégia de comunicação do governo Luiz Inácio Lula da Silva vem usando a exaltação de símbolos e datas nacionais, como forma de estimular o patriotismo na população. Essa política, que se nota em diversas ações do governo e do presidente, culminou até agora na superprodução da comemoração do 7 de Setembro.
Nessa data, além de promover uma festa para 50 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, Lula assinou decreto que sugere o hasteamento da bandeira brasileira em escolas, de forma solene, às segundas ou sextas. A norma sobre o hasteamento já existia, mas havia caído no esquecimento.
As duas torres do Congresso Nacional, de 28 andares, estão cobertas com a bandeira do Brasil. No alto da bandeira, lê-se ?Brasil Alfabetizado?, o nome programa de alfabetização em massa lançado no último dia 8 pelo governo.
?Popularizar o 7 de Setembro significa isso que foi visto na Esplanada dos Ministérios. É entregar a festa ao povo?, afirmou o ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica. ?Nossa intenção é que, nos próximos anos, a festa possa ter ainda mais conteúdos populares. Também temos o desejo de que essa apropriação da data pela população possa se alastrar por todo o país?, acrescentou.
Os governos militares exploraram o ufanismo com campanhas do tipo ?Brasil, ame-o ou deixe-o?, ?O petróleo é nosso? e uso de músicas como ?Eu te amo, meu Brasil?, numa tentativa de esvaziar os grupos de esquerda que eram associados ao comunismo.
O objetivo era associar o regime militar à ?grandeza do país?, buscando a simpatia da população. Ao mesmo tempo, tentava passar a imagem de que a esquerda era contra o país. Gushiken faz questão de enfatizar que o governo Lula não é ufanista. Segundo ele, o sentimento de nação ?tem tudo a ver? com patriotismo, mas em nenhuma circunstância significa qualquer tipo de nacionalismo xenófobo. ?Muito menos tem qualquer sentido ufanista ou de apelo de marketing. Trata-se um patriotismo sadio.?
Gushiken disse que ?o objetivo de popularizar as comemorações e facilitar o acesso da população é permitir que o cidadão se aproprie das datas nacionais, já que ele é o verdadeiro ?dono? de todas elas?. Essa determinação, disse, partiu de Lula. Segundo o ministro, um dos objetivos do governo é resgatar o ?sentimento de nação? e levar os brasileiros a recuperar a auto-estima. ?O processo de mudanças desencadeado no país a partir da posse deste governo depende da participação de todos. Queremos que cada cidadão acredite que devemos e podemos construir um país melhor.?
O uso da bandeira é frequente no marketing oficial, como é o caso da logomarca do principal programa social do governo Lula, o Fome Zero. Assinada pelo publicitário Duda Mendonça, a logomarca mostra talheres sobre o círculo azul da bandeira, transformado em prato. Duda doou esse trabalho ao governo no início do ano, assim como a logomarca do próprio governo -?Brasil – Um País de Todos?, que chama a atenção pela profusão de cores. Nessa logomarca, a bandeira está desenhada na letra A.
Paradoxalmente, a Presidência pretende retirar a foto da bandeira que aparece atrás do porta-voz de Lula, André Singer, em suas entrevistas no Planalto. Ela deverá ser trocada pela logomarca do governo, por ser considerada um símbolo do governo anterior.”
“Lula procura ultrapassar limite do PT, diz sociólogo”, copyright Folha de S. Paulo, 14/09/03
“Não é movido por nenhum espírito de patriotismo que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva está procurando dar destaque aos símbolos nacionais. Essa preocupação, de acordo com os sociólogos Sergio Miceli e Hélio Jaguaribe, tem mais a ver com as raízes políticas do presidente Lula.
?O governo quer deixar claro que Lula representa toda a coletividade, e não só o PT e os metalúrgicos?, afirma Miceli, professor titular de sociologia da USP.
Ele diz que é grande o número de eleitores que não votaram em Lula, além de muitos terem votado nele só na última eleição.
?Lula tem uma audiência que não é cativa. E investe nos símbolos nacionais porque a resistência a eles é quase inexistente.?
Na visão de Jaguaribe, a recente tentativa de valorização dos símbolos nacionais tem resposta nas origens sindicais do presidente.
?Quando o sindicalismo não é revolucionário, é patriótico. O sindicalismo a que Lula está acostumado não é o revolucionário?, diz. Ele se refere ao fato de que os movimentos operários revolucionários buscam a derrubada do capitalismo em escala internacional. Trabalham para derrubar as instituições capitalistas de seus países, e não para reformá-las.
Qualquer que seja a motivação, a professora de história da USP Maria Aparecida de Aquino crê que nenhum esforço estatal para promover o civismo será eficaz.
?Democracia e patriotismo não se instauram por decreto?, afirma ela, estudiosa do regime militar.
A professora diz que o nacionalismo aparece naturalmente, sem intervenção do Estado. ?Basta lembrar as vitórias nas Copas. Na própria posse de Lula, gente de todo o país foi a Brasília, vestiu-se de verde e amarelo e cantou o Hino Nacional.?
Para o antropólogo Gilberto Velho, esta pode ser a oportunidade de ver se o patriotismo ?pega?, ao contrário do que aconteceu durante o regime militar, época em que os símbolos nacionais eram fartamente evocados.
Segundo ele, por terem sido impostos, esses símbolos ficavam distantes das pessoas.
Anos de chumbo
Durante os anos de chumbo do regime -o governo de Emílio Médici (1969-1974)-, quem comandava a propaganda oficial era o general Otávio Costa. Ele discorda de Velho.
?A resposta era extremamente positiva. As pessoas dizem que foi porque o Brasil ganhou a Copa de 70. Mas não foi, não. Tudo bem que foi um regime ditatorial, mas agora tudo o que foi feito na época, mesmo que tenha sido bom, acaba sendo estigmatizado.?
A diferença na propaganda do governo, de acordo com Costa, é que, naquela época, ela não era personalista como é hoje, ?esse bombardeio de Lula e do PT?, já que, como as eleições eram indiretas, os presidentes não precisavam se promover.
O general não gosta de ser visto como ?alguém que serviu a um governo de torturadores?. Diz que se sente ofendido quando lhe atribuem a autoria do slogan ?Brasil: ame-o ou deixe-o?. ?Não era propaganda oficial. Era coisa dos órgãos de repressão, que tentavam fazer guerra psicológica.?
Costa elogia a atitude nacionalista do presidente Lula, mas considera a parada do 7 de Setembro ?uma chatice, mesmo com toda a mágica do marqueteiro?.
?Só os governos totalitários fazem essas grandes paradas. Elas estão em pleno ocaso?, diz.”