Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novela pauta a vida real

MULHERES APAIXONADAS

Victor Ribeiro (*)

Não deveria ser assim, mas é. Cada vez mais a ficção inspira a realidade. Inversão de valores? Talvez. Alienação e ignorância? Pode ser. O fato é que a novela Mulheres apaixonadas, da TV Globo, tornou-se referência para a chamada vida real.

Quando Fernanda morreu, a notícia foi destaque na página da editoria Rio de O Globo. Mas Fernanda não é personagem de novela? Deveria estar no Segundo Caderno. Ou estou enganado? Vanessa Gerbeli, atriz real que interpretava a personagem fictícia, continua viva ? que bom! Quem morreu foi Fernanda. A não ser que o jornal esteja querendo noticiar algo como "a novela da vida real", misturando numa mesma página a morte de Fernanda e outras três ou quatro notícias sobre a violência "real".

O autor da novela teve, então, a idéia de promover na novela (é bom que fique claro!) uma passeata pelo desarmamento, levando para a ficção uma discussão que está acontecendo na vida real. Sabe-se lá por que cargas d’água um grande número de pessoas cismou que a passeata era real. Um monte de ONGs aderiu à idéia. Até o ministro da Justiça veio. O presidente da Câmara dos Deputados também. O secretário nacional de Segurança Pública também estava lá em Copacabana.

Ao todo, 40 mil pessoas debaixo de forte chuva. Dessas, 200 eram figurantes e 43, personagens da novela das oito. Tony Ramos não foi, mas Téo estava lá, de cadeira de rodas e tudo. E o que dizer da menininha Salete, coitada, que foi à passeata, assim como seus colegas de profissão, vestida com uma camisa cujo desenho foi feito por ela, em homenagem à mãe, que morreu vítima de bala perdida no Leblon? Bruna Marquezine acabou não indo. Não foram à passeata Cristiane Torloni, nem Vera Holtz, nem Carolina Dieckman. No entanto, a mulher apaixonada Helena, sua amiga Santana e a doce Edwiges estavam em Copacabana no domingo dia 14.

Irreal, fantasioso, fantástico

A iniciativa do evento foi gentilmente concedida ao Viva Rio, porque deve ficar muito esquisito dizer que uma passeata desta magnitude não passava de uma gravação para a novela. No entanto, em entrevista a Heródoto Barbeiro, na Rádio CBN, dia 12, tanto o jornalista quanto Manoel Carlos disseram tratar-se de passeata ficcional. Maneco disse estar realmente feliz com a repercussão da novela e com a presença de políticos reais à passeata. E quem não estaria?

O problema não está no fato de a ficção reproduzir a realidade, mas num dado novo: a realidade reproduzir a ficção. Gugu contrata atores que dizem ser de facção criminosa, e ainda ameaçam outros apresentadores de TV. Isso tudo num domingo, em horário de classificação livre. Outros acusam Márcia Goldschmidt, Ratinho e João Kléber de farsa igual para apresentar seus casos bizarros, seus testes de DNA, suas pegadinhas. Provas, mesmo, só contra Gugu.

No momento em que o Congresso se vê pressionado pela "opinião pública" fictícia e faz o que os personagens pedem podemos concluir que vivemos no mundo de Matrix. Ou seria Arquivo-X, "a verdade está lá fora"? Caminhamos para uma era em que tentaremos diferenciar ficção de realidade e ficará difícil. Melhor evitar essa mistura agora, numa atitude preventiva. Algo como cortar o mal pela raiz.

Questões como o desarmamento deveriam ser discutidas pela imprensa, e não pela novela, porque a imprensa tem compromisso ético (nem sempre respeitado) com a verdade. Novela tem compromisso pura e simplesmente com o tamanho da audiência e, para isso, pode contar muitas mentiras. É ficção. E o que é ficção? O irreal, o fantasioso, o fantástico… Fantástico?! Descobri por que misturam ficção e realidade: Fantástico!

(*) Estudante de Jornalismo da UFF, integrante da equipe do blog <http://www.fazendomedia.weblogger.br>