Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A história que não está na mídia

JORNALISMO & EDUCAÇÃO

Marcos Marques de Oliveira (*)

Por intermédio do artigo "Quem é Lula?" (O Globo, 22/09/03), do jornalista Luiz Paulo Horta, ficamos sabendo que um dos motivos pelo qual a educação brasileira "não vai bem das pernas" se deve à "pobre maneira como se ensina História nas nossas escolas". E por que a História é tão mal ensinada? Por que, segundo o articulista, ela é ofertada sob bases marxistas, quase sempre reduzida a "uma narrativa de processos econômicos". Um modo, portanto, "chatíssimo" de se ensinar e na qual não há destaque para personalidades, transformando-se em uma espécie de "romance esvaziado de personagens interessantes".

A meu ver, há uma série de equívocos nestas afirmações.

O primeiro é sobre a vazia constatação de que o ensino de História no Brasil é dominado pelas interpretações marxistas. Existe alguma pesquisa sobre o assunto? Em que dados o jornalista se baseia para fazer tal afirmação? Na simples observação subjetiva?
Sem poder afirmar, com base científica, o contrário, apenas lembro que não existe nos parâmetros e diretrizes curriculares nacionais exigência alguma sobre que tipo de orientação deva ser seguida. Ao contrário, ambos os documentos ressaltam a importância de se trabalhar pedagogicamente com as mais variadas escolas historiográficas.

Uma outra evidência se refere ao fato de que os livros históricos mais vendidos no Brasil nos últimos anos são de intelectuais não ligados diretamente ao marxismo, como é o caso dos best seller Eduardo Bueno.

Sem aspas

Ainda que a hipótese fosse comprovada, vale afirmar que dentro do próprio universo marxista encontram-se orientações contrárias ao economicismo criticado por Horta. Para quem sem interessar, sugiro a leitura de um dos livros mais importantes da atualidade (na "minha" opinião!), Democracia contra capitalismo (Boitempo Editorial), da escritora americana Ellen Wood, no qual ela aponta, de forma sintética, a existência de duas teorias marxistas da História: uma que leva em conta as relações de produção e de classe em contextos trans-históricos; e outra que afirma a existência de princípios específicos em toda formação social, nas quais as relações dominantes são atravessadas mas não necessariamente determinadas pelo que se convencionou chamar de "economia" (alguém lembra que, na origem grega, economia significa "governo da casa"?).

É claro que, vale ressaltar, esta última orientação marxista, ainda que se distanciando do economicismo e da teleologia da primeira, tem como uma de suas referências básicas o ensinamento de Karl Marx de que o homem faz, sim, a sua história, mas não necessariamente nas dimensões de seus desejos. Ou seja, ainda que reconheça a possibilidade da ação subjetiva instaurar registros significativos no devir histórico, não a toma como unidade de medida de toda a História.

Mas, se ainda assim o nosso articulista continuar a considerar o marxismo, em todas as suas variações, como um dos principais problemas da educação brasileira, lembro que a "vacina" para tal mal funciona muito bem. Afinal, a instituição hoje que mais forma e conforma a cabeça e o coração dos cidadãos brasileiros (crianças ou jovens, fora ou dentro da escola) é a mídia. E nela, como se pode averiguar pelas suas novelas históricas e a-históricas, jornalísticas ou pseudo-ficcionais, a forma de narrativa privilegiada é justamente a "história das personalidades".

Bem de acordo com a ideologia liberal-burguesa, a história nos meios de comunicação de massa não passa de um palco iluminado por grandes personagens, que domam seu tempo e seu mundo sempre justificando o lugar, o poder e as propriedades que acumulam. Afinal, a história é quase sempre "contada" pelos vencedores ? que, quando é o caso dos proprietários dos meios de comunicação, não há necessidade do uso de aspas.

Problema-virtude

E, por fim, não sei se a educação vai tão mal das pernas assim. Isto porque o nosso sistema educacional vem cumprindo à risca suas funções. Sua forma dualista atende bem aos interesses das elites econômicas em criar uma cisão profunda nas oportunidades educacionais de pobres e ricos, com estrutura e conteúdos específicos para os que dominam e os que são dominados.

Até que há gritos de lugares-comuns pela "educação de qualidade", mas as soluções apontadas são sempre pela via da privatização do público ? processo que acentua ainda mais as desigualdades sócio-econômicas, já que as naturaliza e serve apenas para vitimar as próprias vítimas.

É claro, porém, que as teorias marxistas da História têm inúmeros problemas. Por exemplo: o projeto-utopia de fazer de "todos" personagens de uma outra história de civilização talvez seja, sim, o calcanhar de Aquiles. No entanto, este "problema" é sua maior virtude ? justamente por enervar os que se postam pela perpetuação dos atuais marcos históricos.

(*) Jornalista, cientista político e pesquisador-doutorando do Coletivo de Estudo sobre Política Educacional do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense