GUGU FORA DO AR
“Bastos diz ser contra a suspensão de Gugu”, copyright Folha de S. Paulo, 25/09/03
“O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse ontem ser contra a suspensão prévia do programa ?Domingo Legal?, de Gugu Liberato. Engrossando a polêmica sobre a decisão judicial que proibiu a veiculação, o ministro defendeu que a punição deve acontecer ?a posteriori?.
Caso contrário, pode ser caracterizada a ?censura prévia? -vedada pela Constituição de 88.
?O sistema condicional [legal] brasileiro prevê o controle a posteriori e não a censura prévia?, afirmou Bastos em entrevista à rádio CBN. Procurado para se manifestar, o ministro divulgou a íntegra da sua fala à radio.
A estratégia do governo, segundo apurou a Folha, é monitorar a próxima edição do programa. Se não houver mudanças no conteúdo, a Secretaria Nacional de Justiça pode alterar a classificação indicativa e recomendar a exibição somente após as 21h.
A recomendação representaria um baque nas contas do SBT, que fatura cerca de R$ 1 milhão a cada domingo com a atração. Com a mudança de horário, em vez de disputar com o ?Domingão do Faustão?, similar exibido pela Globo, Gugu enfrentaria o ?Fantástico?, tradicional campeão de audiência em seu horário.
O programa de Gugu que iria ao ar no domingo passado não foi transmitido por decisão liminar da Justiça federal.
No último dia 7, foi exibida uma entrevista com supostos membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), na qual dois homens encapuzados fizeram ameaças a autoridades e artistas.
Na avaliação de Bastos, o SBT foi punido por um programa que não foi ao ar. E não pela edição anterior, em que ocorreu a entrevista. ?Não gosto da idéia de suspender um programa previamente. Acredito que a fixação da responsabilidade tem que ser a posteriori, do ponto de vista legal.?
Na prática, o Ministério da Justiça não pode ?punir? o SBT pela veiculação do programa. A Secretaria Nacional de Justiça pode apenas recomendar o horário de exibição com base no conteúdo.
Ao avaliar os programas, a secretaria detecta a presença de cenas de sexo ou violência. Se houver imagens desse tipo, há ainda uma segunda peneira, de acordo com o grau de exposição do tema.
Caso viole a lei, o SBT pode responder administrativamente ao Ministério das Comunicações por ser uma concessão pública. A comissão jurídica da pasta divulga hoje a sua avaliação sobre a entrevista. Só então será decidido se haverá processo administrativo contra a emissora.
Procurada, a assessoria do SBT diz que não comenta o caso.
Na Câmara
Em carta enviada ontem à Câmara, Gugu Liberato afirmou que o episódio foi um ?acidente grave? e se disse disposto a discutir com os deputados os ?riscos de censura na televisão?.
Gugu havia sido convidado para depor na Comissão de Direitos Humanos. Ontem, a comissão aprovou novo requerimento convidando o apresentador.
Na carta, enviada por fax, Gugu se desculpa por não comparecer à reunião e diz que, por respeito à polícia de São Paulo, que investiga o caso, irá conversar antes com as autoridades paulistas.
No Senado
Senadores de vários partidos criticaram a decisão judicial. Para tentar sensibilizar os colegas a favor do SBT, Marcelo Crivella (PL-RJ) levou ao plenário José Luis Soares, um garoto de dez anos que é portador de deficiência física e é atendido pelo Teleton -programa levado ao ar pelo SBT para arrecadar recursos para ações de atendimento a crianças portadores de deficiência.
Líderes do PMDB, Renan Calheiros (AL), do PFL, José Agripino (RN), e do PDT, Jefferson Péres (AM), condenaram a entrevista, mas se disseram preocupados com a suspensão do programa.”
“Gugu é mais poderoso que Bin Laden?”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 29/09/03
“O companheiro Rubens Valente, da Folha de São Paulo, enviou-me este e-mail, que me sinto obrigado a dividir com todos. Como um bom repórter, ele não se limitou a ler a decisão que suspendeu o programa do Gugu e examina com maior atenção as razões do Ministério Público e da juíza. O direito do público a uma informação de qualidade e a proteção especial e total que a Constituição garante à família foram invocados para a suspensão, qualificada de PREVENTIVA e não PUNITIVA.
Fica claro nos argumentos jurídicos a questão central: o nível da programação de TV e rádio vem degenerando até o ?jornalismo inventado? de Gugu, por conta das manobras das empresas, que desde 1988 convencem parlamentares covardes a não aprovar – por 15 anos! – as medidas efetivas de controle da qualidade ética, jornalística e cultural da programação determinadas pela Constituição. Se tivéssemos uma agência reguladora ou um conselho de comunicação com poderes, e não desdentado como o atual, o Judiciário não teria de violar a Constituição e determinar censura prévia, para proteger a família e o direito à informação correta.
A democracia não precisa censurar a Al Jazeera porque dispõe de leis e outros meios para combater o terrorismo – esse é o raciocínio implícito no argumento de Rubens Valente.
Por isso tudo, vale a pena ler tudo que ele diz.
?Caro Milton,
Além de concordar integralmente com seu texto no Comunique-se e o de Luiz Garcia, quero lhe chamar a atenção para um ponto importante da decisão da juíza e do pedido do MPF. Diz o MPF, e a juíza concorda, que a entrevista gerou um ?clima de terror? na população ?independentemente de sua veracidade? (!). Afirma ainda a juíza: ?Destaque-se que a veracidade da entrevista, como bem demonstrou o MPF, não pode ilidir a responsabilidade da emissora de televisão, ora ré. A exposição de membros de uma facção criminosa, como é o caso do PCC, caracteriza verdadeira apologia ao crime organizado?. Fico pensando o que a juíza diria a respeito da Al-Jazeera, na tela da qual Osama Bin Laden ameaça não o Luiz Datena, mas um país inteiro.
A juíza vai além, ao indicar o que, para ela, seja a função de um programa jornalístico de TV: ?(…) O papel crucial de um programa jornalístico é a proteção do público por meio da disponibilização da informação. A Constituição brasileira estabelece, expressamente, as diretrizes do acesso à informação e da livre manifestação do pensamento em defesa dos direitos da sociedade em geral. O texto de seu artigo 226 declara a família como base da sociedade e lhe dá especial proteção, de modo que o público alvo da programação das emissoras de televisão está protegido em sua totalidade e ainda enquanto célula familiar? (grifos meus).
Em outro trecho, a juíza esclarece que a retirada do ar do programa do Gugu não é uma medida punitiva, mas preventiva. E também visava a impedir que o programa fosse usado como canal de desculpas pelo apresentador. Olha só: ?Não se trata aqui de impor penalidade em sede de cognição sumária. A suspensão do Programa Domingo Legal configura medida preventiva para que não se perpetue a ofensa televisiva durante o próximo domingo. A manipulação da sociedade agora no sentido de justificar o injustificável causaria ainda piores danos. Por conseguinte, é de rigor que se acolha o pedido do MPF para que seja suspenso o Programa Domingo Legal como medida preventiva de outras pr&aacutaacute;ticas lesivas à sociedade, bem como com o objetivo de aplacar a insegurança gerada pela entrevista?.
Creio que essas considerações da juíza mostram que o alcance de sua decisão, ou pelo menos o objetivo dela, vai muito além da simples ?punição? pela entrevista supostamente fraudada.
Abraços,
Rubens Valente, repórter da Folha de S. Paulo?”
“Todos atropelaram a lei”, copyright Veja, 1/10/03
“No domingo passado, o programa Domingo Legal, apresentado por Gugu Liberato no SBT, não pôde ir ao ar por decisão judicial. Uma liminar foi pedida por uma procuradora, concedida por uma juíza e mantida por uma desembargadora. O motivo: a exibição, duas semanas antes, de uma entrevista com dois encapuzados que se diziam integrantes da organização criminosa paulistana Primeiro Comando da Capital (PCC). Na entrevista, a dupla ameaçou de morte o padre Marcelo Rossi, o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, e os apresentadores Marcelo Rezende, da Rede TV!, José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes, e Oscar Roberto Godoy, da Rede Record. Era uma farsa. Os bandidos não eram bandidos, mas desocupados contratados pela produção do Domingo Legal. Dois produtores do programa, Wagner Mafezoli e Rogério Casagrande, foram indiciados pela polícia por divulgação de notícia falsa. Amilton Tadeu dos Santos, o Barney, contratado para arranjar os desocupados, é acusado de apologia do crime. Gugu Liberato só não foi indiciado porque seu advogado pediu um habeas-corpus preventivo. No depoimento que teve de prestar, ele negou que soubesse da armação e disse que era ?apenas um apresentador e que a exibição do programa está sob a responsabilidade da emissora?. Se isso é verdade, é curioso que o dono do SBT, Silvio Santos, não tenha sido informado de que o Domingo Legal mostraria uma entrevista tão explosiva. Ele só assistiu ao quadro dias depois, quando a farsa já havia sido desmascarada (veja entrevista abaixo). Não se sabe exatamente a razão, Gugu também aproveitou para dizer à polícia que era amigo do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
De todo esse imbróglio, sobram duas constatações. A primeira é que o nível da televisão brasileira continua tão abissal quanto na época em que Gugu enganava os telespectadores com aquele quadro fajuto do táxi, desmascarado por VEJA em 1996. Salvo exceções que confirmam a regra, a programação é uma porcaria. Sensacionalismo, exploração da miséria, mentiras, baixarias – em maior ou menor grau, o cardápio é quase sempre o mesmo. Reconheça-se, porém, que não se trata de uma especialidade nacional. A televisão é um lixo no mundo todo. A única maneira eficiente de controlá-la é mexendo no bolso de quem comanda as emissoras ou apresenta os programas. Gugu, provavelmente, vai puxar o freio, porque o escândalo que se seguiu à falsa entrevista fez com que ele perdesse contratos publicitários e anunciantes. Faustão, da Rede Globo, recuperou prestígio e audiência depois que seu programa aboliu as baixarias mais gritantes que manchavam a reputação de seus patrocinadores. Vive-se, hoje, um momento em que o público brasileiro parece mais voltado para as atrações familiares. O que não quer dizer que amanhã não voltará a privilegiar as torpezas. O nível da televisão melhora ou piora um pouco conforme o gosto do público – e o público, seja no Brasil, na Itália ou no Sri Lanka, é de uma volubilidade impressionante.
Dado este fato da vida, há quem defenda a censura, pura e simples, muitas vezes apresentada sob o eufemismo de ?controle social dos meios de comunicação?. Trata-se de um perigo, como demonstra a outra constatação a ser tirada do imbróglio de Gugu. Sem poder de censurar, a Justiça, por meio da procuradora Eugênia Fávero, da juíza Leila Paiva e da desembargadora Anna Maria Pimentel, atropelou clamorosamente a Constituição ao tirar do ar o programa do apresentador. Até o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, considerou a punição abusiva. ?O sistema condicional (legal) brasileiro prevê o controle a posteriori, e não a censura prévia?, disse o ministro. A ele fazem coro juristas eminentes, como Miguel Reale Júnior. ?O SBT pode ter eventualmente infringido o artigo 16 da Lei de Imprensa, por divulgar fatos distorcidos, mas não está dentro da legislação a punição prévia porque um programa anterior violou a lei?, explica ele. Se a Justiça errou sem dispor de instrumentos de censura prévia, é de imaginar o estrago que faria se dispusesse deles. Nesse terreno, todo cuidado é pouco, porque podem falar mais alto antipatias pessoais, ideológicas ou moralismos exacerbados. Gugu deveria ser punido estritamente de acordo com a lei e só depois de cumpridos todos os passos de uma investigação rigorosa. Censurar o seu programa o transforma em vítima de uma pegadinha da Justiça.”
“?Logo percebi que era uma bobagem para dar Ibope?”, copyright Veja, 1/10/03
“Veja – O senhor assistiu à farsa exibida no programa de Gugu Liberato?
Silvio – Não assisti ao programa. Vi o quadro só uns dois dias depois, no vídeo do meu camarim, quando a confusão já estava nos jornais. Dois diretores do SBT levaram a fita para mim.
Veja – O senhor acreditou que os encapuzados fossem integrantes de uma organização criminosa?
Silvio – Pela minha experiência, logo percebi que aquilo tudo era uma bobagem feita para dar ibope. Mas não foi malfeita.
Veja – Depois de desconfiar que tudo não passasse de uma armação, o senhor fez alguma recomendação aos diretores do programa de Gugu?
Silvio – Disse que, se o quadro era verdadeiro, como eles afirmavam, o programa deveria exibir uma outra entrevista com essas mesmas pessoas no domingo seguinte.
Veja – E o que eles disseram?
Silvio – Que não era necessário, que o programa estava coberto pela Lei de Imprensa, que não tinha de provar nada.
Veja – O senhor não acha que há um excesso de armação nos programas de auditório?
Silvio – Acho. Eu, por exemplo, não deixo armações irem ao ar no meu programa. O telespectador não é bobo.
Veja – Gugu disse que não assistiu ao quadro antes de ele ir ao ar. É uma falha, não?
Silvio – Sim, mas o Gugu está com sérios problemas familiares. Anda abatido. Eu conversei com ele e tenho certeza de que Gugu não sabia que era uma armação.
Veja – O senhor acha que o fato de a Justiça ter proibido a exibição do programa Domingo Legal, na semana passada, foi um ato de censura condenável?
Silvio – Realmente não sei. Já ouvi no rádio que sim. Mas também li nos jornais que não. Ainda não consegui tirar uma opinião sobre o assunto.”