O CASAMENTO DA PREFEITA
“Vestido de noiva”, copyright Folha de S. Paulo, 18/09/03
“A prefeita vai casar. Assim a revista do jornal ?Diário de S. Paulo? anunciava em sua capa do último domingo a reportagem de 14 páginas sobre a vida privada de Marta Suplicy, metade das quais ocupadas por uma entrevista de cabeleireiro, na qual a prefeita se demorava em elogios ao noivo, Luis Favre, e confidenciava em detalhes como será a cerimônia de casamento, no próximo sábado.
Muito à vontade na condição de colunável, Marta fez questão de exibir seu deslumbramento amoroso e exercitou as várias possibilidades da frivolidade, aliás com muito talento.
O casal foi fotografado na intimidade de casa (ele mastigando pepinos), fazendo supermercado (ela comprando goiabas), junto no carro, na ópera, tomando café numa padaria ou inaugurando na periferia uma das unidades do escolão -o CEU, carro-chefe da campanha da reeleição. A impressão provocada pelo conjunto é que Marta administra não a cidade de São Paulo, mas o castelo de ?Caras?.
No mesmo fim de semana, a revista ?Época?, também das Organizações Globo, trazia na capa da edição que circulou em São Paulo uma foto de Marta com rostinho de boneca e, logo abaixo do sorriso, a pergunta: ?Eleições municipais: quem pode com ela??. Copa e cozinha. Coincidência ou não, uma notável divisão de tarefas.
Não se trata mais, ou apenas, da dissolução das fronteiras entre o público e o privado -velha trincheira da vida republicana-, mas da manipulação publicitária da intimidade transformada em notícia e espetáculo, cujos propósitos parecem claros.
Vale reparar no curto-circuito de um pequeno trecho colhido no ?Diário?: ?Estou na dúvida é se vou pôr um casal de noivinhos no bolo ou não. Quero uma coisa simples e ao mesmo tempo muito bonita. Estou tentando arrumar essa equação e acho que estou conseguindo. A entrada será bastante rígida, não só porque eu quero que estejam presentes só as pessoas que convidei, mas porque o presidente da República deve estar presente?.
Do casal de noivinhos ao presidente da República, a passagem é impagável pelo que reúne. É como se, pela voz de Marta, falassem duas pessoas -algo como Angélica e Margaret Thatcher.
Ao contrabandear, com ares de inocência, aflições e expectativas da noiva para o palco da política e inscrevê-las na história da campanha eleitoral, Marta está em sintonia com o novo jeito petista de governar -do qual ela, de certa forma, ainda é a vanguarda. Entre as muitas coisas que assimilou rapidamente, nada contaminou mais o PT do que a convicção de que ?a propaganda é a alma do negócio?.
Marta sabe disso. Projetada pela TV, chegou à política por uma via de acesso mais frequentada pela direita. Seu quadro no ?TV Mulher?, extinto há quase 20 anos, nada tinha de obscurantista, pelo contrário. De modo inovador e corajoso, a então sexóloga explicava, didaticamente e sem eufemismos, onde se localizava o clitóris, chamando a atenção para as possibilidades do orgasmo feminino. Num país analfabeto e pobre, era quase uma revolução de utilidade pública.
Em rota declinante no mundo e já assimilado pelo mercado, o feminismo se oxigenava de forma inusitada na TV brasileira. Eram tempos heróicos, aqueles.
A vida deu voltas e o PT se tornou o partido da ordem que condenava. Estará bem representado pela presepada cafona da elite e seu vestido de noiva. (Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Otavio Frias Filho, que escreve às quintas-feiras nesta coluna.)”
“Casamento”, in Painel do Leitor copyright Folha de S. Paulo, 19/09/03
“?Fernando de Barros e Silva, editor do caderno Brasil, dedicou a coluna de ontem, quinta-feira, dia em que normalmente escreve o jornalista Otavio Frias Filho, a tratar do meu casamento com Marta Suplicy. O ângulo do texto não é apenas ?a dissolução das fronteiras entre o público e o privado -velha trincheira da vida republicana- mas a manipulação publicitária da intimidade transformada em notícia e espetáculo?. Pensei que a diatribe furibunda estivesse dirigida à mídia e ao próprio jornal, mas não é assim. O alvo é a Marta. ?Pas vous et pas ça?, a expressão francesa encaixa-se ao autor e ao seu jornal e pode ser traduzida por: ?Vocês são os últimos a poderem jogar pedras?. Apenas alguns dias antes, a Folha noticiou no caderno Cotidiano que o estilista do vestido da noiva seria brasileiro, mas, no mesmo dia, em outra coluna do mesmo jornal, o estilista era argentino. O ombudsman, em seu comentário diário, teve de intervir para que houvesse coordenação das informações encontradas, evitando erro semelhante. A mesma Folha tem-se notabilizado por sistematicamente dar espaço e alimentar a todas as reportagens de ?cabeleireiro?, como diz preconceituosamente o editorialista. A Folha foi a primeira que se lançou na exploração sensacionalista de nossa vida privada (divórcio, namoro e casamento), a ponto de autorizar a publicação de reportagem paga com grosseiros insultos e calúnias contra minha pessoa -pela qual já foi condenada em primeira instância a pagar volumosa indenização por danos morais. Na verdade, Fernando de Barros está com uma terrível dor-de-cotovelo, pois Marta escolheu jornais rivais da Folha -?O Globo? e ?Diário de S.Paulo?- para falar de seus sentimentos pessoais, recusando-se a fazer o mesmo com a Folha, como esta gostaria. Ela o fez motivada por um só sentimento: evitar que jornais que não têm nenhum escrúpulo em ultrapassar as fronteiras entre o público e o privado possam fazê-lo, transformando um singelo ato de amor entre duas pessoas em espetáculo e manipulação pseudopolítica. Tarefa árdua, pois basta acompanhar regularmente a Folha para perceber a dificuldade. Para o articulista, é ?presepada cafona da elite? meu casamento e o vestido de noiva. Para mim, sua prosa é ódio não disfarçado ao PT e ao êxito da administração municipal, que, por mais que tente, a Folha não consegue demolir. Falando em outra coisa, uma pergunta que não quer calar: por que a Folha oculta sistematicamente a relação entre a Febem e o governo de Geraldo Alckmin, já que aqui não estamos falando da vida privada do governador, pelo qual tenho o maior respeito, mas de interesse público? Será que não se aplica à Folha a frase de Fernando de Barros de que ?a propaganda é a alma do negócio?? E, por isso, ela tenta evitar propaganda negativa, pois seria um mau negócio tanto para ela como para o governo estadual? É verdade que os tucanos têm a pelagem preta, mas o bico é de ouro.? Luis Favre (São Paulo, SP)”
REPORTAGENS PAGAS
“Garotinho Pagou R$ 118 Mil Por Reportagens”, copyright O Globo, 21/09/03
“Irregularidade foi descoberta durante inspeção do TCE nas contas do estado e dinheiro acabou sendo devolvido
O ex-governador Anthony Garotinho utilizou recursos da publicidade oficial do governo para pagar quatro reportagens favoráveis à sua gestão na imprensa. A irregularidade foi apurada numa inspeção do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nas contas de publicidade do governo, de 1999 a abril de 2002. A notícia está publicada na edição de ontem do jornal ?Folha de S.Paulo?.
As reportagens pagas foram publicadas no ?Jornal do Brasil?. Na época, a Secretaria estadual de Comunicação pagou o equivalente a R$ 118.750, a título de ?despesa com publicidade?, à empresa Internad Publicidade Ltda, que respondia pela propaganda oficial do governo. Depois que o TCE detectou a irregularidade, a empresa devolveu o dinheiro ao estado.
O caso, que aconteceu em setembro de 1999, ainda está sob investigação do tribunal. Segundo o parecer do TCE, ?ao assumirem a forma de notícia, as matérias dispensariam, por si só, qualquer espécie de pagamento?. Além disso, de acordo com o tribunal, o material fere a Constituição estadual, que proíbe publicidade com características de promoção pessoal.
O erro só foi reconhecido pela Secretaria de Comunicação, em ofício ao TCE, dois anos depois do encerramento da inspeção. Em 31 de janeiro de 2002, o então secretário de Comunicação, Carlos Henrique Souza Vasconcelos, pediu explicações à Internad e a empresa devolveu o dinheiro em 3 de abril – dois dias antes da renúncia de Garotinho, que deixou o governo para concorrer à Presidência da República. O depósito, de R$ 129.336,62 – o valor foi reajustado – entrou na conta do Gabinete Civil.
O relator do caso no TCE, conselheiro Marco Antônio Alencar, concluiu que somente a devolução do dinheiro não encerra o processo. O órgão pode declarar inidôneo o contrato entre o estado e a agência. Alencar contesta ainda o valor devolvido, que deveria ter sido corrigido pela Ufir e não pela Ufir-RJ, o que elevaria o depósito para R$ 147.434,75.”