REVISTAS EM CRISE
“Toda ouvidos”, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 16/09/03
“Sempre acreditei que o primeiro talento que um jornalista deve exercitar é saber ouvir. Antes de saber falar. Antes de saber escrever. Ouvir.
É claro que é uma virtude sem glamour numa era em que todo mundo fala pelos cotovelos, tem opiniões sobre tudo e parece disposto a compartilhar com o mundo os detalhes mais íntimos de seu ser. Mas eu sou, como dizem os rappers, da velha escola.
Ouvi algumas coisas muito interessantes nos últimos dias. Um pouco assustadoras, mas muito interessantes. A principal delas, dita por um grande amigo que se define como ex-jornalista (mas que continua particularmente antenado na mídia, por vários motivos), é que ?revista deixou de ser mídia?.
É claro que, se isto for de fato verdade, é fenômeno que afeta todas as modalidades de jornalismo impresso. Mas me parece particularmente importante para o jornalismo cultural que, durante décadas, foi parte essencial da cesta básica do formato revista.
A revista não seria mais mídia porque, em essência, teria perdido o fôlego. Não teria mais o necessário para atrair uma base tal de leitores que justificasse a venda de seu espaço como suporte de publicidade.
O assunto me pareceu particularmente apropriado numa semana onde o jornalista se viu colocado no centro das atenções, graças ao bem sucedido prêmio aqui do Comunique-se. Que o premio fosse uma excelente idéia, eu não tinha dúvida. Mas que suscitasse o nível e intensidade de cobertura que suscitou, foi, para mim, uma enorme surpresa. Cá estávamos nós, que deveríamos sobretudo ouvir, elevados ao nível de celebridade, que por definição deve sobretudo falar.
E, mais interessante, quantos dos indicados que nós mesmos selecionamos têm na revista sua mídia primordial?
Certamente não no segmento cultura, cujos três indicados, padrões de excelência apontados por nós mesmos, vieram de TV e jornais. Ainda mais significativamente, o premiado, Mauricio Kubrusly, foi, durante um bom tempo, sinônimo de jornalismo cultural em revista – tendo, entre muitas outras atividades, criado e dirigido a mensal SomTres, sinônimo de bom jornalismo musical da década de 80. Mas estava sendo laureado por sua produção recente em TV.
?Revista não é mais mídia?, eu ouvia na minha cabeça, enquanto a seção ?cultura? do site de um grande jornal destacava como primeira manchete o não casamento de Jennifer Lopez e Ben Affleck.
Revista pode não ser mais mídia, mas o livro está passando pelo maior boom dos últimos anos, e ainda está longe de atingir o ápice da curva. Não culpem a Internet ou mídias eletrônicas, portanto – o hábito da leitura está saudável e presente, o papel como suporte de idéias é tão vivo quanto sempre.
Mas revista, meus caros, pode não ser mais mídia. Talvez não a revista de interesse geral, e certamente não as de longa trajetória e ampla base de assinantes como a Veja. Mas a revista de cultura, em qualquer variação, pode estar condenada à relíquia do século passado.”
TRANSGÊNICOS EM XEQUE
“Uma polêmica alimentada por especulações, exageros e factóides”, copyright O Estado de S. Paulo, 22/09/03
“Desde que o primeiro alimento geneticamente modificado foi lançado no mercado, em 1994 – um tomate que amadurecia mais devagar -, os transgênicos causam polêmica. Odiados por ambientalistas, defendidos por cientistas, eles contêm genes de bactérias que os tornam resistentes a pragas e herbicidas. A polêmica explodiu em 1997, com o lançamento da soja Roundup Ready (RR), da Monsanto. O que deveria ser uma discussão técnica virou uma batalha de propaganda entre empresas e organizações não-governamentais (ONGs), cheia de especulações, exageros e factóides.
MONOPÓLIO
Um dos grandes problemas dos transgênicos, segundo as ONGs, é que são produtos de multinacionais. Nesse aspecto, a campanha contra transgênicos se confunde com os movimentos antiglobalização. Aceitar os produtos geneticamente modificados seria submeter a produção de alimentos a interesses econômicos internacionais. ?Não podemos deixar nossa base alimentar nas mãos de poucas empresas?, diz a coordenadora da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace no Brasil, Mariana Paoli.
O mercado de transgênicos é dominado pela Monsanto, empresa americana que desenvolveu a soja Roundup Ready (RR), resistente ao herbicida glifosato, e o milho Bt, resistente ao ataque de lagartas. De 1,7 milhão de hectares plantados em 1996, os transgênicos hoje ocupam 59 milhões de hectares em 16 países – principalmente EUA, Argentina, Canadá e China. As sementes são produzidas por várias empresas, como Syngenta, Aventis e Novartis, mas 90% usam tecnologia licenciada da Monsanto. ?É monopólio tecnológico sim, mas é um monopólio legal?, diz o gerente de negócios de soja da Monsanto no Brasil, José Carlos Carramate.
Assim como na indústria farmacêutica, na biotecnologia são as grandes empresas – com mais dinheiro e infra-estrutura – que lideram o desenvolvimento de novos produtos. Correndo logo atrás, entretanto, estão centenas de universidades e laboratórios públicos que desenvolvem novos transgênicos – muitos deles para agricultura familiar. Só no Brasil, há projetos avançados para produção de feijão, mamão, batata, cacau, café, alface, maracujá e tomate transgênicos. Muitas dessas pesquisas, entretanto, estão paralisadas por causa do embate jurídico sobre a soja da Monsanto.
Vale notar também que as sementes tradicionais que são plantadas hoje continuarão disponíveis para os agricultores. ?Os transgênicos não vão substituir a agricultura convencional, serão uma opção a mais. Tudo que existe hoje continuará existindo?, diz o cientista e empresário Fernando Reinach, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e diretor-executivo da Votorantim Ventures. ?Só vai plantar transgênico quem quiser. A escolha é do produtor.? Além disso, ao contrário do que se divulga, o agricultor não é obrigado a comprar o herbicida da Monsanto. A soja RR funciona com qualquer glifosato, que é o princípio ativo de várias marcas de herbicida.
SEMENTES
Outra acusação freqüente aos transgênicos &eaceacute; de que suas sementes seriam estéreis. Ou seja, quando plantada pela primeira vez a soja cresceria normalmente, mas seus ?descendentes? não serviriam para ser plantados na safra seguinte, obrigando o agricultor a comprar sementes todos os anos.
Muitos produtores, realmente, compram sementes novas para cada safra. Mas os transgênicos não são estéreis. A polêmica surgiu de uma ferramenta genética conhecida como ?gene exterminador?, desenvolvida nos EUA no fim da década de 90. Trata-se de uma combinação de três genes que, inseridos numa semente, tornam suas descendentes estéreis. Em 1999, a Monsanto adquiriu e patenteou a tecnologia, mas nunca a usou, pois foi logo rejeitada pelos produtores. ?A Monsanto nunca produziu sementes estéreis?, afirma a empresa. ?É boato.?
Nos primeiros anos de comercialização da soja RR nos EUA, a Monsanto exigiu que os produtores assinassem um contrato se comprometendo a não guardar sementes de um ano para outro. O conceito era o mesmo dos contratos digitais embutidos em programas de software: garantir que a tecnologia não será copiada ilegalmente, sem o pagamento de royalties. A partir de 2000, o sistema foi substituído por um novo, em que o produtor paga os royalties na compra do produto, sem nenhum contrato. Se guardar sementes de um ano para outro, pode ser processado pela Monsanto por violação de propriedade industrial. ?No fim, o agricultor acaba comprando sementes novas para cada safra, para não infringir a lei?, afirma Carramate.
No Brasil ocorreria algo semelhante. A Lei de Cultivares garante ao produtor o direito de reproduzir sementes e guardá-las de um ano para outro. Mas a Lei de Propriedade Industrial também garante à empresa o direito de cobrar royalties pelo uso da tecnologia.
Situação semelhante ocorre desde a década de 50 com o milho híbrido, que não é transgênico, mas resulta do cruzamento de duas espécies diferentes de milho. As sementes são muito produtivas na primeira geração, mas a partir daí a produtividade cai. Os produtores, portanto, precisam comprar novas sementes todos os anos. E, mesmo assim, é o milho mais plantado no mundo, inclusive no Brasil.
SEGURANÇA
A soja RR foi aprovada nos EUA em 1996, tendo passado pelo crivo das autoridades de alimentos, meio ambiente e agricultura. Desde então, tanto a soja quanto outras variedades transgênicas foram testadas e retestadas por agências reguladoras e cientistas do mundo todo. Sua segurança é atestada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pelos governos de mais de 20 países e pelas Academias de Ciência do Terceiro Mundo, EUA, Reino Unido, Índia, México, China e Brasil.
?Os transgênicos disponíveis no mercado internacional passaram por análises de risco e não é provável que representem risco para a saúde humana. Além disso, nenhum efeito sobre a saúde humana foi demonstrado nos países em que foram aprovados?, diz um relatório oficial das OMS. A organização deixa claro, entretanto, que futuros transgênicos precisam ser avaliados caso a caso, de acordo com as características nutricionais e ambientais de cada produto.
O México é um bom exemplo. Por ser o berçário genético de diversas espécies silvestres de milho, o país proíbe o plantio de milho transgênico, mas não de outras variedades, como soja, algodão e tomate. Da mesma forma, o fato de o Brasil aprovar ou rejeitar a soja transgênica não significa que todos os transgênicos dali para frente serão liberados ou proibidos. A lei determina que cada produto seja analisado individualmente.
A posição do Greenpeace é que nenhum transgênico é seguro, mesmo os que tornarem os alimentos mais nutritivos. ?É um risco desnecessário?, diz Mariana Paoli. Segundo ela, há alternativas para o combate de pragas, como mostra a agricultura orgânica, ?e todos os nutrientes que precisamos já existem nos alimentos?.
RISCOS
Assim como qualquer tecnologia, os transgênicos têm críticos e defensores dentro da comunidade científica. Em ciência, não existe consenso absoluto. A posição de muitas instituições é de que os transgênicos não são totalmente seguros nem perigosos, mas estão sujeitos aos mesmos riscos e condições da agricultura convencional – que também é uma ameaça ao ambiente já que utiliza agentes químicos tóxicos para o homem e a biodiversidade. ?Não se trata de substituir algo bom por algo ruim. Muitos riscos que são apontados para os transgênicos já existem na agricultura tradicional?, diz o pesquisador Marcelo Menossi, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Universidade Estadual de Campinas. ?O objetivo é minimizar esses riscos.?
Do ponto de vista ambiental, teme-se que os genes introduzidos nos transgênicos se espalhem para outros organismos, alterando sua herança genética. O fenômeno, chamado fluxo gênico, é uma ocorrência natural que precisa – e pode – ser monitorada, explica a pesquisadora Deise Capalbo, da Embrapa Meio Ambiente. ?A planta transgênica é, a princípio, uma planta normal. Portanto o fluxo é esperado?, diz. ?Os cuidados dependem de onde o gene pode estar indo e a intensidade desse fluxo. Mas isso não inviabiliza o uso da tecnologia.? A análise de risco, portanto, vai depender de onde e como cada variedade será plantada. No caso da soja transgênica no Brasil, o estudo de impacto ambiental foi dispensado por se tratar de planta de autopolinização e que não possui parentes silvestres no País.
No aspecto alimentar, há uma preocupação de que os genes de bactérias introduzidos nos transgênicos possam fazer mal ao homem. Cientistas esclarecem, entretanto, que comer bactérias – inteiras – não é nenhuma novidade. A bactéria Bt, por exemplo, é abundante em solos do mundo inteiro e está frequentemente associada aos alimentos. ?Comemos Bt todos os dias que comemos vegetais?, diz a bióloga molecular Marlene Teixeira De-Souza, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, a mesma toxina Bt que é produzida no milho transgênico é usada há décadas como bioinseticida natural, inclusive na agricultura orgânica. ?Está claro que não há problema algum.? Há pesquisadores, entretanto, que são contra o uso dos genes de bactérias. ?É algo que me deixa assustado?, diz Nagib Nassar, também da UnB, que trabalha com melhoramento de mandioca. Ele aceita os transgênicos apenas se os genes transferidos forem de uma planta para outra. ?Todos os genes que precisamos estão na nossa biodiversidade. Não precisamos procurar isso numa bactéria.?
Em cinco anos de consumo de transgênicos em larga escala, nenhum efeito nocivo à saúde foi detectado. Os ambientalistas argumentam, entretanto, que não há nenhum programa de acompanhamento específico desse consumo.
BENEFÍCIOS
A biotecnologia está sendo usada no desenvolvimento de vários tipos de produtos, incluindo plantas com maior valor nutritivo, ou capazes de produzir vacinas, o que seria um benefício para os consumidores. Os transgênicos criados até agora, entretanto, foram modificados para resistir a herbicidas e insetos. Ou seja, beneficiam os produtores e não os consumidores finais.
A principal proposta dos transgênicos é reduzir o uso de agrotóxicos. As variedades RR permitem que os agricultores substituam uma série de venenos por um único herbicida, o glifosato, que ainda tem a vantagem de ser biodegradável. Já as variedades Bt são naturalmente resistentes a insetos específicos, o que reduz o uso de inseticidas. Apesar de esses benefícios serem contestados por ambientalistas, o número de agricultores que preferem pagar mais pelas sementes transgênicas cresce a cada ano. Hoje são cerca de 5,5 milhões de produtores. ?Acho difícil imaginar que uma tecnologia teria aceitação tão grande se não trouxesse nenhum benefício. Seria uma paradoxo?, analisa o economista agrícola Fernando Homem de Mello, do Departamento de Economia da USP.”
PUBLICIDADE RESTRITA
“Restrições à propaganda preocupam publicitários”, copyright O Estado de S. Paulo, 21/09/03
“Fabricantes de cerveja estão sob ameaça de um duro golpe. Está em fase final de negociações uma minuta de projeto sobre bebidas alcoólicas, cujo objetivo é reduzir o acesso de populações de risco e limitar a propaganda, a exemplo do que já ocorre com o cigarro. Nesta semana, detalhes conclusivos da proposta serão acertados.
A idéia do governo é que o tema seja levado ao Congresso para discussão, na forma de projeto de lei. Um dos pontos mais polêmicos do trabalho propõe que a propaganda de bebidas com graduação alcoólica acima de 0,5 graus Gay Lussac seja permitida em um horário restrito: entre 22 e 7 horas. Essa graduação alcoólica faz com que cervejas e coolers passem a sofrer limitações equivalentes à de outras bebidas. Hoje, comerciais de destilados já são veiculados em horário restrito.
?A limitação da propaganda é o ponto-chave do trabalho, mas há outras propostas também importantes que irão ajudar a combater problemas provocados pelo álcool?, afirma o diretor do Programa de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado. Ele lidera comissão interministerial criada em maio para definir as ações de governo sobre o tema.
No Congresso, a restrição à propaganda é considerada assunto delicado.
Segundo o vice-líder do governo no Senado, Hélio Costa (PMDB-MG), não há consenso no Legislativo sobre a criação de novas regras para o anúncio de bebidas. Costa é partidário da tese de que o governo e o Congresso deveriam deixar nas mãos do Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) a responsabilidade pela instituição de restrições à publicidade do produto.
?Tudo aquilo que puder ser feito sem a intervenção do Congresso é melhor?, afirma. ?Seria um desastre para as empresas de comunicação a imposição de restrições para a propaganda de cerveja, porque os fabricantes do produto são os maiores anunciantes da mídia.?
Um esboço do projeto foi debatido em audiência pública, há cerca de um mês.
A idéia da restrição de propaganda foi criticada tanto por representantes de cervejas quanto pelo Conar e pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão. Todos defenderam a idéia de que os problemas podem ser resolvidos pela auto-regulamentação.
Antecipando-se à proposta do Executivo, o Conar determinou há poucos dias regras mais duras para a propaganda de bebidas. Entre elas, a proibição de associação de bebidas a sucesso sexual e o uso de ícones com grande apelo entre o público infantil, como animações. Para publicitários, as novas regras do Conar já tornarão a publicidade de bebidas, inclusive cervejas, muito próxima daquelas veiculadas em outros países. Ou seja, o principal diferencial da propaganda brasileira, que é o bom humor e a sensualidade, agora será parte das campanhas de forma moderada.
?Ficarão parecidas com a dos refrigerantes e com a atenuante de que só serão permitidos modelos, tanto mulheres como homens, acima de 25 anos?, diz um publicitário. O Conar, afirma ele, sempre atendeu as demandas da população e o setores de mídia e propaganda sempre acataram essas decisões. ?O Conar foi criado justamente para evitar qualquer tipo de censura às manifestações da indústria e do comércio, respeitando-se o direito do consumidor e as restrições à propaganda de diversos produtos, como aqueles de uso ético?, diz um dos seus conselheiros.
A iniciativa do Conar, no entanto, não convenceu o grupo interministerial.
?As medidas são boas, mas não resolvem o problema?, avalia Delgado. Além da propaganda, o grupo interministerial deve incluir no projeto a proibição de venda de bebidas em postos de gasolina e restaurantes em locais próximos de rodovias. Em alguns Estados, já há essa determinação, mas o grupo quer uniformizar as regras para todo o País.
O grupo estuda também fórmulas de conduzir a proibição de postos de vendas de bebidas em locais próximos de escolas e de hospitais. Delgado admite, porém, que essa é uma competência das prefeituras. (Colaborou Carlos Franco)”