Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Roberto Maciel

O POVO

"Uma voz com dois tons", copyright O Povo, 28/9/03

"Na última quinta-feira, O Povo publicou entrevista com o deputado estadual Paulo Duarte (PSDB), intitulada ?Caso Nicanor ? Deputado cobra elucidação e punição?. O título deixa muito claro o teor do texto: o parlamentar pressiona os órgãos policiais a descobrir quem matou o radialista Nicanor Linhares, no dia 30 de junho passado, e o Judiciário a punir aos autores do crime. Só que não cabe aí um ponto final. No dia 1? de julho passado, Duarte fez uma acusação grave, embora carente de provas, contra o desembargador federal José Maria Lucena, apontando-o como o mandante do homicídio. E o fez ao discursar no plenário da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. Na época, O Povo não publicou nada sobre a acusação ? ao contrário do que fizeram os jornais ?O Estado? e ?Diário do Nordeste? -, alegando serem frágeis os argumentos do deputado e que uma nova postura em relação à imagem dos cidadãos (no caso, do desembargador) norteia a Redação. Na Coluna do dia 6 de julho, escrevi o seguinte sobre nota pública distribuída à imprensa pelo acusado: ?O próprio Lucena (…) se manifestou a respeito da fala de Paulo Duarte, repudiando-a e prometendo ir à Justiça responsabilizar o deputado por danos morais e ofensa à honra. A concorrência também divulgou a nota do desembargador?.

Passados quase três meses da acusação feita por Paulo Duarte, a entrevista dada ao O Povo deixou uma lacuna. Diante de uma pergunta direta ? ?Pelas informações que o senhor têm (sic), quem seria o mandante da morte de Nicanor?? -, o deputado mudou o tom do que antes afirmava taxativamente: ?Não sei exatamente. Sei, sim, que todos nós estamos lá amedrontados, é uma região hoje desprovida de qualquer segurança?. Cabia ao jornal ter informado ao leitor que antes Duarte havia levantado suspeita contra o desembargador. Cabia ao jornal perguntar ao entrevistado se ele havia esquecido (com ou sem aspas) a denúncia assacada. Se o fez, não publicou, obedecendo àquela nova política relacionada à imagem das pessoas. O deputado, que ainda chegou a mencionar ?um juiz da região? na matéria, arrematou com a seguinte declaração, ao ser questionado se sabia quem seria a pessoa contratada para matar o radialista Nicanor Linhares: ?Eu queria dizer aqui que jamais declinei nomes de quem mandou (matar) ou dos matadores. O que eu disse é que houve uma coincidência muito grande do que eu falei quatro dias antes do assassinato?. O jornal não atentou para essa contradição explícita. Nem quando Paulo Duarte afirmou: ?(…) fico me indagando: aquela informação que recebi era verdadeira só a metade, ou vale todo o resto??

Sem graça e sem informação

No último dia 18, a charge do O Povo era a que se vê acima. Foi publicada um dia após o jornal ter informado que 26 mil crianças atendidas em creches do Estado pela Secretaria da Ação Social (SAS) estavam sem merenda. Faltava verba. Charges têm, por definição, conteúdo crítico e informativo. Não era o caso. A SAS não havia ?comido? o dinheiro ? este simplesmente inexiste porque a situação financeira do Governo do Ceará é ruim. Tão importante quanto fazer essa referência, porém, é observar a postura ética exemplar com que a Redação O Povo tratou a situação. No dia 19, sexta-feira, trouxe carta do secretário Raimundo Gomes de Matos, na qual ele deplorava o fato, e pedido público de desculpas.

A crítica atrás do anonimato

Já tratamos aqui da coluna ?Abidoral Possidônio?, publicada no caderno Buchicho. Trata-se de um espaço em que, com alguma ironia, são feitos comentários sobre a programação de emissoras locais de rádio e televisão. O autor não se identifica. As críticas são encaminhadas por um personagem fictício, retratado por um desenho no alto da coluna. Domingo passado, com o título ?Sucupira?, foi veiculada a seguinte nota: ?Guto Benevides ganhou a queda de braço com a filha de Miguel Dias e volta o programa de Simone Sucupira, o Show da Cidade, aos sábados das 19h15min às 19h30min, na TV Cidade. Ou seja, antes do Boris Casoy, aquele que nos lembra Robin Williams em ?Uma Babá Quase Perfeita?, vamos ter nossa Barbie na telinha, abordando até educação ambiental. Com apoio de José Carlos Pontes, o dono da Ecofor, a cobradora da tarifa do lixo?.

Na segunda-feira, recebi telefonema de Guto Benevides, superintendente da TV Cidade. Negando ter qualquer desentendimento com a diretora Margarida Souza, filha do dono da empresa, Guto reclamou que a nota não foi apurada. Nem ele nem Margarida teriam sido ouvidos sobre o que o texto chama de ?queda de braço?. Dei-lhe razão, notando que um dos princípios basilares do jornalismo é exatamente o de ouvir o contraditório, embora classifique este caso específico entre os de menor expressão. E encaminhei a demanda para a Redação tomando a liberdade de sugerir que se repense a proposta daquela coluna ? na qual também vejo virtudes. Apontei dois motes para reflexão: É bom para O Povo ter uma coluna assim? É bom para o leitor do O Povo ler uma coluna assim? Levando em conta o tópico Imparcialidade e Lealdade, estabelecido na Carta de Princípios do O Povo, é possível se fazer juízo sobre isso: ?Todo cidadão tem direito a um tratamento leal e imparcial, independente da posição do O Povo em relação a ele?. Enfim, fazer críticas sob o manto do anonimato representa imparcialidade e lealdade?"