NOTAS DE UM LEITOR
Luiz Weis
Sem se referir um ao outro, os dois jornalistas brasileiros que provavelmente mais entendem de comércio internacional ? o repórter e colunista Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, e o repórter, articulista e editorialista Rolf Kuntz, do Estado de S.Paulo ? se agrediram pesadamente por causa da polêmica posição brasileira na reunião de vice-ministros do Exterior sobre a Alca, em Trinidad e Tobago, na primeira semana de outubro.
O contencioso entre Brasil e Estados Unidos sobre o que deve entrar e o que deve ficar de fora da planejada área de livre comércio, acrescido dos esforços do Itamaraty por uma aliançccedil;a com outros países latino-americanos, configurou "a primeira crise séria da política externa de Lula", conforme o título de editorial do Valor (10/10).
A crise, como se sabe, resultou das críticas públicas dos ministros Roberto Rodrigues, da Agricultura, e Luiz Furlan, do Desenvolvimento, ao chanceler Celso Amorim, que tem o apoio do presidente Lula.
Até a Veja desta semana trocou as amenidades costumeiras de suas capas pelo confronto entre Brasília e Washington.
Já o confronto entre Rossi e Kuntz começou com o comentário do primeiro, em 7/10, "A Alca e a quinta-coluna". Logo no primeiro dos oito parágrafos do texto, ele dispara: "Tudo contra a deformação das informações a respeito das negociações, como está ocorrendo agora. Chega a parecer quinta-coluna".
Rossi nega o "isolamento" do Brasil por ter proposto uma Alca mais restrita, ou "light". Pelas suas contas, que desmentem "as contas da quinta-coluna", 19 em 34 países americanos apóiam a idéia brasileira. Ele escreve que "chegou-se ao absurdo de inventar a adesão da Venezuela às teses norte-americanas" e expõe os fatos que provariam ? "ao contrário do que diz a quinta-coluna" ? que a Venezuela "não só quer uma Alca desidratada como quer empurrá-la para além de 2005".
E por aí vai, para concluir: "A coisa é mais complexa do que os simplismos que a quinta-coluna compra alegremente dos EUA".
Exemplos de integridade
Passados dois dias, Kuntz revidou com o artigo "Birra, a estratégia do fracasso". Ele escreve que "em vez de cometer a estupidez de pôr em dúvida o patriotismo de quem critica a atuação brasileira em Trinidad e Tobago, é preciso enfrentar" três questões que arrola em seguida.
O ponto dele é que "só pode acreditar nessa estratégia [?a birra como estilo de negociação?] quem imagina que o Brasil tem força para frear o mundo".
Kuntz obviamente pensava em Rossi quando escreveu que "é inútil ficar contando quem assinou ou deixou de assinar documento a favor da proposta americana, em Trinidad e Tobago", antes de concluir que "o isolamento do Brasil?é um processo claro e indisfarçável".
Eis uma daquelas situações de deixar o leitor perplexo. Para o leigo deve ficar difícil tirar uma conclusão quando dois jornalistas sérios, que sabem do que estão falando, não só se situam em campos opostos diante de uma questão das mais importantes que se coloca diante do país, como ainda se dão golpes abaixo da linha da cintura.
Se isso não bastasse, Clóvis Rossi e Rolf Kuntz são exemplos de integridade profissional e pessoal.