Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A urn@ e a cultura do crime

DOMINGO ILEGAL

Roberto Wertman (*)

A proibição de veiculação do Domingo Legal foi punição ou ato de censura prévia? A Urn@ desta semana mostra (até agora) que a maior parte do público não concorda com as vozes que tentam comparar a decisão da Justiça à censura dos anos de chumbo. A suspensão do programa do Gugu em nada lembra a proibição da ditadura à imprensa livre. Também não equivale às censuras togadas que têm sido proferidas nos últimos tempos, coibindo a publicação de fatos de extrema relevância para a população. Proibir um programa de auditório, num (quase) estado democrático de direito não é o mesmo que censurar um jornal.

Em meio à discussão sobre a arbitrariedade ou não de uma decisão legal ? à qual, lembre-se, coube recurso ? e sobre o (não-)papel das emissoras como concessões públicas, um outro assunto muito mais sério parece chamar pouca atenção: a cultura do crime.

Quando uma das maiores emissoras do país recorre à farsa de uma entrevista com supostos integrantes de uma facção criminosa ameaçando personalidades está usando perigosamente o crime para gerar encantamento e, acima de tudo, audiência. Mas esta cultura do crime não é esporádica ou um último recurso na busca ao telespectador. Ela é contínua, diária, estimulada por diversos programas iguais que nada mais fazem do que subverter o conceito de notícia. Todas as tardes, Datenas, Rezendes e outros enganam seus espectadores fazendo-os crer, com perseguições espetaculares e incursões em favelas, que estão informando. Não estão. Estão criando uma cultura que glamouriza bandidos e policiais muitas vezes tão bandidos quanto os que perseguem.

Sem ameaça imediata

Nesta cultura, crianças e jovens vêem os dois lados como os heróis da atualidade. Mostrar professores e as condições em que trabalham, arquitetos e os problemas urbanos ou cientistas cuidando de pesquisas de última geração não são bons personagens para o bangue-bangue do século 21 até serem atingidos pelo fogo cruzado. Estes programas, além de diametralmente opostos ao papel que a TV deveria ter, nos fazem confundir violência urbana com filme policial, destes de domingo à noite. Como conciliar programas de tons policialescos a uma sociedade que grita para poder votar contra as armas?

Por fim, de volta à questão da censura, fica uma pergunta para ser respondida levando-se em consideração o caso Gugu e o julgamento pelo STF do habeas-corpus pedido pelo editor nazista Siegfried Ellwanger, ou S.E. Castan. Se proibir um programa de auditório apologista de crimes e que ameaça figuras públicas é censura, o que dizer da proibição à publicação de livros, mesmo que de cunho nazista?

A existência deste Observatório e toda a discussão que nele acontece é mostra de que a censura não é ameaça imediata, como num estado de exclusão. O Supremo, a Justiça e a sociedade parecem concordar que liberdade de expressão nem sempre deve ser confundida com liberalidade de expressão.

(*) Jornalista

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