Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Apontamentos sobre um sonho adiado

IMPRENSA & LULA

Wladir Dupont (*)

Nunca, como agora, o Brasil e seu governo, sobretudo a figura do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, despertaram tanto a
atenção do mundo. Não foi diferente neste fim
de semana, no pequeno balneário de Vale de Bravo, a 140 km
da Cidade do México, sob um céu limpo e um silêncio
reconfortante, em meio a bosques, cascatas e riachos, onde se realizou
a quarta edição do Encontro Europa-América
Latina (Fórum de Biarritz), com a presença de 150
convidados entre políticos, empresários, intelectuais
e jornalistas dos dois continentes. Tratados como príncipes
pelos anfitriões mexicanos, discutiram problemas diversos
do mundo de hoje, incluindo o fortalecimento das relações
entre as duas regiões ? com ênfase, em quatro dos painéis,
no papel dos meios de comunicação na chamada globalização
(e seus efeitos deléterios, entre eles, o crescente servilismo
aos interesses e objetivos de marketing).

O Brasil foi mencionado, num certo tom laudatório, nos demais
painéis como estimulante exemplo da experiência bem-sucedida,
pelo menos até agora, de um governo de esquerda. Mas a participação
de dois jornalistas brasileiros acabou moderando o tom das discussões
e colocando as coisas nos seus devidos lugares ? pelo menos no que
se refere a Lula e suas relações com a imprensa e
a situação geral desta no país.

Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha
de S.Paulo
e José Antonio do Nascimento Brito, presidente
do Conselho Editorial do Jornal do Brasil, um no seu jeito
retraído, o outro mais expansivo, os dois se expressando
num espanhol fluente, esfriaram um pouco o clima de "já
ganhou" da platéia, com suas intervenções
sóbrias e pertinentes.

Nascimento Brito ficou mais no geral, relembrando o papel corajoso
e inventivo da imprensa brasileira na época da ditadura militar.
"Acredito sinceramente que os meios de comunicação,
com todas as dificuldades no caminho, têm contribuído,
e muito, para a paz e a democratização no mundo; e
nós, brasileiros, não ficamos atrás nesse processo."
E ao agradecer os calorosos elogios de colegas mexicanos e argentinos
sobre a tradicional qualidade do jornalismo brasileiro, ele disse
"sí, pero tenemos nuestros problemas", sem dar
nomes nem mencionar situações específicas.

Luta pelo mercado

Frias não deixou por menos e foi no fígado, lendo
anotações com o cuidado de quem fala uma língua
estrangeira: "Acabou a lua-de-mel, a imprensa está vigilante.
A mudança no Brasil foi ilusória. Lula adotou a política
de FHC e não cumpriu as promessas. A bem da verdade, ele
se viu obrigado, pelas circunstâncias, a contemporizar com
os mercados e assim adiar o sonho".

Quanto a atual situação da imprensa brasileira, pelo
visto ignorada pelo público presente, a julgar pelas perguntas,
ele pouco escondeu ou contornou: "As pesquisas", disse
Frias, "têm influência crescente e o resultado
é um jornalismo superficial. Redações e departamentos
comerciais funcionam não mais como antigamente, quando a
separação era bem nítida, e esse é um
dos perigos da globalização: os jornais, na corrida
pelos leitores, ficam cada vez mais parecidos, com conteúdos
menos profundos. As políticas de mercado só acentuam
as diferenças sociais e, em muitos casos, influem no desempenho
dos jornais em favor de seus objetivos." Nesse contexto, reconheceu,
a situação ficou muito difícil, cresceu de
forma dramática o endividamento do setor, sendo o caso mais
complexo o das Organizações Globo, segundo Frias de
"de difícil solução".

Algumas outras conclusões dos quatro painéis sobre
os meios de comunicação e a globalização:

** O tema da livre expressão
está resolvido. O prioritário (e difícil) agora
é contribuir para o fomento da responsabilidade social da
imprensa, na formação de melhores cidadãos.
Os meios de comunicação não têm a missão
de buscar a paz, mas a de informar e esclarecer a realidade, ajudando
a sociedade a viver melhor e assim contribuindo para o entendimento
entre nações e tendências diversas.

** É fundamental democratizar
a informação para que as pessoas possam formar suas
próprias opiniões. A "ditadura da audiência"
faz com que os meios de comunicação confundam sua
responsabilidade social de informar, porque não criam opções
de reflexões de temas importantes para a sociedade; ao contrário,
dedicam seus espaços a preencher o lado emocional das pessoas,
oferecendo-lhes sensações fugazes e baratas. É
a mistura perigosa e inadequada de informação e entretenimento,
o que os americanos chamam de infotainment.

** Pairam ainda hoje sobre os meios
de comunicação reminiscências da Guerra Fria,
quando se sacrificava a verdade a favor das causas. Agora essa antiga
luta ideológica se transforma numa luta pelo mercado, para
obter mais leitores e mais dinheiro. É vital, para a saudável
sobrevivência dos meios de comunicação, evitar
esse caminho.

(*) Jornalista e escritor brasileiro radicado no
México