Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Poções do mago revisteiro

ENTREVISTA / THOMAZ SOUTO CORRÊA

A edição de 14/10/03 do Observatório da Imprensa na TV mergulhou no "maravilhoso mundo das revistas" e na carreira de um revisteiro de longo curso ? Thomaz Souto Corrêa, naquele programa entrevistado por Alberto Dines.

Corrêa foi vice?presidente e diretor editorial do Grupo Abril. Sua história se mescla com a história da Abril, onde começou, em 1963, como redator?chefe da revista Claudia e ocupou, ao longo do tempo, os cargos de diretor de redação e diretor do grupo de revistas femininas. Em 1979, nomeado por Vitor Civita, foi o primeiro executivo a ter o título de vice?presidente. Foi ainda presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e o primeiro latino?americano eleito para o conselho executivo da Federação Internacional de Imprensa Periódica (FIPP), que reúne associações de revistas e empresas editoriais do mundo inteiro. Em 2003, Thomaz Souto Corrêa afastou?se das funções executivas da Abril, passou a integrar o Conselho de Administração e a prestar consultoria na área editorial da empresa.

Da história das revistas no Brasil, passando pelo nascimento e evolução da Editora Abril até o futuro do jornalismo, a entrevista rendeu uma viagem no tempo. A íntegra vem reproduzida a seguir.

Vamos entrar no chamado maravilhoso mundo das revistas. Temos aqui um dos mais importantes revisteiros brasileiros. Quarenta anos de revistas na editora Abril, quarenta e sete de jornalismo. Estamos aqui com Thomaz Souto Corrêa. Thomaz, e as revistas, em que elas se distinguem dos jornais?

Thomaz Souto Corrêa ? Primeiro vamos falar um pouco do maravilhoso mundo a que você se referiu, e por que ele é tão maravilhoso. Ele é tão maravilhoso porque, na minha opinião, a variedade de assuntos que as revistas cobrem ? não só revistas de interesse geral, mas revistas especializadas ? é uma coisa tão assombrosa que quem trabalha nesse tipo de veículo acha que é um maravilhoso mundo mesmo. O que faz as revistas diferentes dos jornais são diversas coisas, e elas são mais ou menos óbvias. Uma é o objeto em si. Eu acho inclusive [que a revista é] um objeto mais amigável do que o jornal. É também a periodicidade com que ela sai ? semanal, quinzenal ou mensal.

As revistas podem ser guardadas…

T.S.C. ? Podem ser guardadas, mas os jornais também podem. Eu acho é o formato, é o objeto em si. E o tipo de jornalismo que se faz na revista, sem essa pressão do tempo que o jornal tem, de ter que fechar todo dia. Basicamente, eu acho que são essas as diferenças.

Vamos falar do seu começo na Abril, que foi também o começo da Editora Abril. As revistas no Brasil, sobretudo as revistas nacionais, estavam sediadas no Rio de Janeiro. Tínhamos uma revista que não era, digamos, carioca, não era metropolitana, que era a Revista do Globo ? que não tem nada a ver com o Grupo Globo, era da Livraria Globo, uma grande instituição cultural do Rio Grande do Sul. Mas, de uma forma geral, as revistas nacionais eram todas sediadas no Rio, na capital. E, de repente, a Editora Abril lança revistas em São Paulo, o que era novo, no sentido de revistas nacionais. O que aconteceu para essa virada?

T.S.C. ? A história que a gente conhece é que, quando o Victor Civita [1907-1990] chegou ao Brasil para fazer uma editora de revistas, ele tinha um contrato ? digamos assim, um acordo ? com o Walt Disney para fazer as revistas no Brasil, de onde começaria depois uma editora. E ele obviamente foi ao Rio de Janeiro, falou com quase todo mundo, e todo mundo dizia "é aqui, aqui é a capital, os jornalistas estão aqui, não se faz revista em São Paulo". Havia algumas exceções em São Paulo, só para a gente não esquecer. Visão era feita em São Paulo. E havia uma revista chamada Vida Doméstica, que se perdeu no tempo. Mas aí ele veio a São Paulo. Certamente foi fazer contato com gente que ele conhecia, colônia italiana, seguramente, empresários do café e tal. E ele achou que a atividade estaria em São Paulo e não no Rio. Então, contrário a todos os conselhos que ele tinha recebido, decidiu fazer a editora em São Paulo. Foi um ato de coragem naquele momento, mas foi também um ato de perceber que o dinheiro que poderia dar recursos para ele fundar a editora e fazê?la crescer estava mais em São Paulo do que no Rio.

Você acha que São Paulo tem essa visão nacional que o Rio teria por ter sido capital?

T.S.C. ? Eu acho que nem Rio nem São Paulo têm uma visão nacional. Eu sou muito crítico do tipo de jornalismo que a gente faz. Quando eu falo jornalismo em revistas, eu não estou falando de revista semanal noticiosa, eu estou falando de todos os tipos de revista, revista que presta serviço, revista de ídolos, seja o que for. Eu acho que a cobertura de Brasil ainda é muito fraca, é muito incipiente. E eu acho que isso é um dos motivos para que o consumo seja ainda tão baixo. Há outros motivos seriíssimos, mas este seguramente é um deles. Nós não retratamos o Brasil. Mas já se avançou muito. Quando eu cheguei em revista era muito pior, era quase zero. E hoje não, hoje a gente já tem um bom coeficiente de brasilidade nas revistas.

Quando você chegou na Abril, ela estava começando, tinha as revistas infantis. Qual foi a primeira revista adulta da Editora Abril?

T.S.C. ? A primeira revista adulta da Abril foi Capricho, que nasceu logo depois do Pato Donald. A Abril começou com O Pato Donald. Em seguida veio Capricho, que era uma revista de fotonovela, um fenômeno interessantíssimo. Estamos falando dos anos 50, e Capricho, naquela época, chegava a vender 500 mil exemplares, era uma coisa incrível. Não tinha a telenovela, e a fotonovela era italiana, era feita na Itália, e posteriormente foi feita na Argentina e no Brasil. Mas nessa época ela vinha pronta e a gente legendava. Mas a história da fotonovela era uma história latina, nunca a fotonovela pegou num país anglo-saxão. Então, a partir da Europa, com um grande sucesso na Itália, pouco na França, muito na Espanha, muito em Portugal, ela veio para o Brasil na sua forma italiana. Olha que coisa fascinante. E durou muitos anos. Até que veio a telenovela e a fotonovela deixou de fazer sentido.

E depois de Capricho?

T.S.C. ? Veio Manequim, que foi lançada um ou dois anos depois, eu acho. Era naquele tempo uma revista de moldes, portanto inteiramente estrangeira. Eram fotografias de roupas, para as quais se desenhavam os moldes. Depois veio Claudia ? ou Quatro Rodas, não me lembro exatamente.

Claudia foi uma revolução do público feminino, que é um grande sustentáculo das revistas. Nós tínhamos a revista Jóia no Rio de Janeiro, da Manchete, tínhamos Cigarra e Cruzeiro, que tinha um pouco de assunto feminino. Mas de repente entra Claudia com um projeto revolucionário. E você começou nesse período. Eu queria que você falasse um pouco sobre esta revolução "claudiana".

T.S.C. ? Quando eu cheguei em Claudia, ela já tinha um ano, e fui trazido pelo Luis Carta, que não está mais aqui. E o que a gente percebia em Claudia era que ela estava seguindo um modelo tradicional de revista feminina italiana, que era o modelo que se conhecia naquela época. Era basicamente uma revista que tinha roupa, comida e decoração. As fotos eram importadas, eram compradas e a gente fazia as legendas aqui. Meu companheiro de redação era o [Reginaldo] Fortuna, e a gente se divertia enormemente escrevendo aquelas legendas para coisas que a gente não fazia idéia do que era. Enfim, tínhamos aí uma visão um pouco romântica do que era uma revista feminina. O que a gente começou a perceber é que, de um lado, não poderíamos continuar fazendo uma revista estrangeira. A gente tinha que chegar perto da leitora brasileira, com um serviço que ela pudesse consumir. Dando a indicação de coisas, de roupas, dando o preço sempre que possível. Esse foi o primeiro passo para chegar perto da mulher. Nós montamos o primeiro estúdio fotográfico do Brasil para revistas, montamos o primeiro ambiente de decoração, a primeira cozinha experimental. E isso nos fez chegar perto da leitora. Eu me lembro que uma vez Luis e eu demos uma volta pelo Brasil. Nós pedimos aos nossos distribuidores que juntassem um grupo de mulheres leitoras de revista nas suas praças. E fomos do Nordeste ao Sul conversando com leitoras de revista. Foi um aprendizado sensacional.

Em que ano foi isso?

T.S.C. ? Isso foi nos anos 60. Obviamente não era uma pesquisa científica, não tinha rigor estatístico absolutamente nenhum. Mas ela tem uma vantagem que é ver o pesquisado. Como ele é, como ele fala, como ele está vestido. É isso que me interessa em pesquisa. O pessoal de pesquisa da Abril detesta que eu diga isso, mas eu digo. E conversar com aquelas mulheres foi uma coisa fantástica. Confirmou-se a necessidade que elas tinham de que a gente desse a indicação das coisas que a revista mostrava, onde ela podia comprá-las, enfim. E, ao mesmo tempo, percebemos que tinha um tipo de mulher ali quieta na sua vida. E aí tem dessas coincidências fantásticas. Um dia eu recebo na redação uma carta de uma senhora chamada Carmen da Silva. Carmen era uma psicóloga argentina, fantástica criatura, e ela se propunha a escrever sobre essa modificação que ela via a mulher brasileira sofrer.

Ela antecipou o feminismo.

T.S.C. ? Ela antecipou isso em muito tempo. E foi um sucesso extraordinário.

Em 1968, a Beth Friedman ? a papisa do feminismo americano ? veio ao Brasil e hospedou-se com a Carmen da Silva.

T.S.C. ? Então aí, a partir daquele momento, nós aproveitamos para fazer uma revista mais atual. Não só do ponto de vista de serviços, mas também do ponto de vista de discutir alguns assuntos que naquele momento ainda eram tabu.

Aí a Editora Abril lança um projeto extraordinário, que infelizmente não durou muito, mas marcou e criou uma geração de jornalistas, que foi Realidade.

T.S.C. ? Realidade foi um sucesso instantâneo. Ela apareceu com uma fórmula completamente nova na cultura brasileira, se valia de grandes jornalistas ? leia-se grandes textos e grandes reportagens ? , se valia dos melhores fotógrafos que havia no Brasil, e alguns americanos que chegavam ao país naquele momento e que se engajaram nesse projeto de Realidade. Era um projeto gráfico maravilhoso e, ao mesmo tempo, ela começou a tratar de tabus que também não se tratava no Brasil.

Sobretudo porque estávamos na ditadura.

T.S.C. ? Porque estávamos na ditadura e até porque ela teve um ou dois números apreendidos que fizeram um sucesso enorme. São exemplares de colecionador até hoje.

Quais são?

T.S.C. ? Um era sobre a situação da mulher e o outro falava de juventude. O da mulher era muito engraçado, porque tinha uma matéria onde se falava de aborto. Uma das situações que levou a ser apreendida foi o negócio do aborto. Mão solteira, então, era uma coisa impensável de se falar. Então Realidade começou a tocar nesses assuntos e durante muitos anos foi um sucesso enorme. Era uma revista 100% jornalística, uma revista basicamente de reportagens. Acho que todos os grandes repórteres brasileiros passaram por Realidade. Formou uma redação de gente que depois se espalhou por outras revistas e jornais, e que é uma geração com um valor enorme.

E não continuou porque a censura não deixou. Mas você acha que Realidade continuaria até hoje?

T.S.C. ? Não, eu não acho que foi problema de censura não ter deixado. O que aconteceu foi que, quando a censura amainou, os assuntos que eram tabu deixaram de ser. Então as coisas de que Realidade falava com um ar de novidade absoluta deixaram de ser, e a imprensa começou a falar deles todos. Aí a fórmula desgastou. Não tinha mais razão de ser.

E aí entra a Veja.

T.S.C. ? Você sabe que Veja tem uma história engraçada. Veja é o maior fracasso editorial de todos os tempos, e ao mesmo tempo é o maior sucesso editorial de todos os tempos. Veja entra, vende 700 mil exemplares, e foi uma decepção enorme. As pessoas ? provavelmente acostumadas à fórmula ilustrada Manchete e do Cruzeiro ? acharam que uma revista chamada Veja ia ser uma revista para se ver, e não para se ler. Então foi uma decepção enorme. Realmente, se você pega os primeiros números de Veja, é chumbo puro. Muito texto, corpo pequenininho, entrelinhamento também. E levou muito esforço e alguns anos de prejuízo para que ela se reposicionasse para ser a revista Newsweek que ela tinha nascido para ser.

Primeiro tinha o Cruzeiro, depois a Manchete chegou com equipamentos técnicos, impressão maravilhosa, preto e branco e em cores, acabou com aquele sépia do Cruzeiro e o ranço do Chateaubriand. E aí, com esse pacote de revistas, a Editora Abril desbancou o Rio de Janeiro.

T.S.C. ? Eu acho que o modelo da Veja que sempre esteve na cabeça do Roberto Civita ? o Roberto é o próprio idealizador da Veja ? era a Newsweek, que é um modelo que, em contraponto à semanal, é completamente diferente. O Cruzeiro, por exemplo, perdeu o seu grande momento. Quando você lê a história do Cruzeiro, a coisa que mais chama a atenção é que num determinado momento a redação tinha os melhores escritores vivos do Brasil. Então a qualidade do que se fazia no Cruzeiro era fantástica. Quando aquele time se dissolve, a revista morre. Manchete, um pouco depois, faz a mesma coisa, mas já não tinha a mesma garra do Cruzeiro. Acho que ela não conseguiu fazer o mesmo jornalismo que o Cruzeiro fazia tão bem. E ela, portanto, nunca conquistou uma situação muito firme. Quando aparece a Veja, num primeiro momento completamente contrário de revistas que se fazia no Brasil, foi um fracasso. E quando ela vai se encaminhando no sentido de uma revista semanal de notícias, ela começa a preencher o vazio que a Manchete não conseguia conquistar. E Veja, hoje, com a sua circulação de 1,2 milhão, é uma história interessantíssima. Este é o único país do mundo que eu conheço onde a maior revista é uma semanal noticiosa. Em todos os outros países de primeiro e segundo mundo a maior revista é sempre uma revista de televisão, ou de programação ou de fofoca. No nosso caso é que é diferente.

Por quê?

T.S.C. ? Por duas razões. Primeiro porque a televisão brasileira ? eu estou falando especialmente daqueles momentos ? era dominada pela Globo, que tinha 65% de audiência. Quando você tem 65% de audiência, você não precisa de programação. Nós tentamos, por duas vezes, fazer uma revista de programação nos moldes do TV Guide. Numa vez a gente fez sem fazer grandes estudos antes ? naquele tempo não era moda fazer grandes estudos ?, que foi o Intervalo. E foi um fracasso, não funcionou. Da segunda vez nós lançamos uma revista chamada TV Guia, onde nós apostamos não na programação de televisão, mas na programação de cinema. Porque fizemos uma pesquisa que mostrava que naquele tempo em São Paulo ? estamos falando dos anos 70 ? a televisão mostrava mais de duzentos filmes. E o Rio mais de 170. Não lembro se os números eram exatamente esses, mas eram números muito importantes. Então nós dedicávamos uma atenção enorme aos filmes, porque a gente achava que era o que iria fazer a diferença. E não fez nenhuma diferença. Nosso distinto público simplesmente não compareceu na quantidade em que a gente esperava que ele comparecesse.

E nesse maravilhoso mundo das revistas hoje, os críticos ? e eu me incluo entre eles ? acham que temos que botar aspas.

T.S.C. ? Mas os críticos vivem botando aspas. Se não fossem as aspas, eles botariam o quê? Mas isso é uma conversa à parte. Sobre o maravilhoso mundo das revistas, vamos falar de Brasil, que é o que interessa, e vamos falar de consumo de revistas, porque eu acho que esse é um número fundamental. O Brasil vende hoje na ordem de 400 milhões de exemplares de revistas por ano. É um índice baixíssimo. Ele aumentou depois do Plano Real, quando o dinheiro para uma camada de gente que não tinha dinheiro disponível para comprar revista aumentou, e então o mercado foi de 180 milhões para 400 milhões. Hoje ele é um mercado de 400 [milhões de exemplares/ano], parado há uns dois ou três anos. Do ponto de vista de circulação, portanto, ele é um mercado que eu consideraria estável. Ele tem uma grande diferença sobre o mercado antigo, que foi quando começamos a lançar revistas de preço de capa baixo. Então, se o Plano Real colocou gente que tinha um pouquinho de dinheiro disponível, as revistas de preço de capa baixo foram falar com gente que não tinha dinheiro nenhum para comprar revista, onde 1 real passou a ser um número mágico. E trouxemos outros tantos 50 milhões para o mercado. Portanto, se você olha criticamente, você dirá: o que cresceu foi o consumo popular, e o que diminuiu foi o consumo de classe A e B. Eu até hoje não sei o que quer dizer classe A e B. Eu reclamo muito disso. Mas eu não esqueço de uma reportagem da Folha de S.Paulo quando saíram os últimos dados do IBGE, que diziam que quem ganhava 3 mil reais por mês era da classe A. Bom, e segundo o Nizan Guanaes, a classe A brasileira cabe numa Kombi. Então, entre a Kombi do Nizan e os 3 mil reais de salário a gente tem aí um universo enorme. Você dirá assim: caiu o consumo onde o dinheiro ficou mais duro. Eu sempre acho que quando cai venda de revista nós estamos fazendo alguma coisa errada. Porque, por alguma razão, alguém está deixando de nos comprar para fazer outra coisa.

Eu acho que o grande desafio da mídia em geral ? hoje mais do que nunca ? é o tempo das pessoas. Então, o que vocêecirc; vê é a nossa necessidade de criar coisas relevantes para que as pessoas não deixem de nos comprar. A minha tendência é sempre achar que por trás de qualquer crise tem um problema editorial. O que nem sempre é verdade. Tem problema econômico que a gente não pode descartar

As revistas semanais desempenharam um papel muito importante nessa nova fase do mundo maravilhoso das revistas no Brasil. E hoje nós estamos vendo as capas que se repetem, diabetes para cá, coração para lá, alma, desempenho sexual etc.

T.S.C. ? A penúltima capa de Time é [sobre] meditação. Só que é uma pesquisa séria sobre meditação, interessantíssima. Mas tudo bem, é só para dar o exemplo de onde estamos indo.

O problema são os assuntos ou a maneira de escrever sobre estes assuntos? Vai ver, esse artigo da Time sobre meditação é primorosamente escrito, mas uma matéria escrita sobre meditação no Brasil, considerando os salários que se paga aos jornalistas e as redações muito encolhidas em todos os sentidos, é um produto diferente.

T.S.C. ? Sem dúvida. Mas primeiro vamos contar por que houve essa modificação nas semanais noticiosas. Aconteceu um movimento ? para mim, olhando para trás, engenharia de obra feita. É muito claro. Quando você passa a ter a informação eletrônica mais rápida ? televisão, rádio e, agora, internet ? os jornais sofrem um primeiro problema. E eu acho que eles não estão saindo ainda deste problema. Continuo a ver na primeira página do jornal, de manhã, tudo o que eu já sabia desde a noite anterior. Para onde é que vão os jornais é uma outra entrevista e não será comigo. Para onde vão as revistas nisso? Elas são chamadas news magazines, nos Estados Unidos. Elas deixaram de ser news, porque as news foram embora para outros lugares. É claro que quando você tem a cobertura de uma guerra, de uma eleição, elas cobrem. Elas continuam a fazer a cobertura dos grandes fatos. Mas quando você vai no leitor para saber o que ele estava achando daquela história ? o leitor nunca fala isso para a gente; se falasse seria uma maravilha, a gente não errava nunca ? descobre que o leitor estava querendo uma revista mais perto dele, como pessoa, e não como leitor de news, ou de análise de news, ou seja do que for. Então, as revistas semanais nos Estados Unidos e da Itália ? que foi a precursora nisso ? começam a tratar de assuntos que não se tratava antes. Lembro da capa de "Existe Deus?", em Time, uma coisa que nunca tinha saído em lugar nenhum. Estes assuntos estão chegando. E começaram a chegar em serviço, ou seja, semanais noticiosas hoje dão serviço para o leitor como dão as femininas e as masculinas. Por quê?

Mas aí perderam a sua característica.

T.S.C. ? Perderam a sua característica meio imposto por essa questão do news ter desaparecido para outro lugar. Essa é a primeira questão. Segunda questão: é o jogo do negócio. Eu ouvi a falecida proprietária do Washington Post dizer num congresso de revistas que ela tinha certeza de que tanto o Washington Post quanto a Newsweek tinham duas missões na vida. Uma era ganhar dinheiro, e a outra era ajudar o país. Não tinha uma função social no jornal e na revista. Mas tinha que ter as outras duas funções. Newsweek, como você sabe, é uma enorme revista; o Washington Post é um jornal de sucesso. O fato de que você tenha que ganhar dinheiro vendendo muita revista também reforçou essa chegada para perto do leitor, não mais o leitor de notícia. A partir daquele momento, você começa a interessar o leitor daquela revista num tipo de assunto que ele não lia em nenhum outro lugar. A mulher eventualmente o fazia, quando lia revista feminina, mas também não fazia muito, porque as femininas não faziam o que as noticiosas estão fazendo. Nós estamos vivendo o começo desta operação. Isso tem dois ou três anos. Para onde vão as revistas noticiosas é uma questão muito interessante, é uma discussão que a gente tem sempre.

Você falou, remontando ao início da Abril, de projetos como Claudia, Realidade, Veja. Passaram por essas redações a fina flor do jornalismo de texto e do fotojornalismo brasileiro. Poucos estão aposentados, e a maioria ainda está operando. Você acha que hoje as revistas têm a capacidade de galvanizar esses talentos de outras gerações? Talentos iguais, tão intensos quanto aqueles?

T.S.C. ? Talentos iguais estão em falta. Eu sou muito crítico da qualidade do nosso texto em geral. Nós hoje estamos fazendo revistas e jornais com gente muito jovem que tem ainda um texto muito cru e que é muito difícil colocar no nível dessa gente que foi talentosa no atacado. Só para lembrar uma coisa que você falou do Rio e de São Paulo, quando a Abril se instalou no jornalismo brasileiro, nós fomos buscar muita gente no Rio porque a gente via o Rio como fonte de talento jornalístico. E trouxemos muita gente para São Paulo naquela época. Mas eu acho que os talentos dessas gerações não foram reproduzidos, estamos em falta. Procura-se talentos.

Mas aí não é o problema dos ovos e da galinha? Quer dizer, os talentos são atraídos por grandes desafios, por empresas que gostam dos talentos. A empresa jornalística brasileira hoje não mudou um pouco seu enfoque, e ficou mais fria, mais numerológica?

T.S.C. ? Primeiro, tem um problema grande de formação e de treinamento. Mas não vamos perder tempo nisto, porque o problema todo mundo conhece.

E a Abril é pioneira nos cursos.

T.S.C. ? Nós somos pioneiros nos cursos ? portanto, há muito tempo tentamos investir nessa gente. Porque os talentos de outrora já não estão em quantidade suficiente para fazer uma redação. E a vida continua. Então a nossa visão é assim: vamos botar gente nova que venha oxigenar e que de alguma maneira possa formar. O movimento é lento, mas hoje temos alunos do curso trabalhando na Abril e em todas as editoras.

Na Veja tem gente que fez o primeiro curso.

T.S.C. ? É mesmo.

Eu queria que você falasse um pouco do Luis Carta, prematuramente falecido, um homem fascinante, que eu conheci bem, o paradigma do revisteiro.

T.S.C. ? O Luis nasceu revisteiro. Ele era uma pessoa de uma intuição fantástica. O Luis tinha faro para as coisas que davam certo. E eu acho, modéstia à parte, que ele soube se rodear de gente que também o auxiliou nisso. Mas, enfim, o grande mérito do Luis foi a intuição. Ele não era um técnico em revista, ele intuía as coisas e a gente ia atrás dele.

Não é isso que está faltando? Esse faro, essa intuição?

T.S.C. ? De alguma maneira, o faro e a intuição estão aí. Você continua a ter hoje algumas edições de revistas ? não são todos os números ? onde você percebe que alguém sacou uma idéia interessante e está tentando levar isso até o fim. Mas não temos mais grandes revisteiros como o Luis.

Poderemos fazê?los.

T.S.C. ? Primeiro temos que achar o Luis, não é? Estou falando simbolicamente. Temos que achar os "Luises". Nós fizemos a história da revista no Brasil e fizemos lá um capítulo, onde somos ambos citados, dos revisteiros do Brasil. Agora, se você for exigente com relação a quem fez efetivamente revista, eu acho que tem o Luis, que era uma coisa fantástica. E tem também o Nahum Sirotsky, que produziu a revista mais bonita e inteligente deste país, de todos os tempos, que foi a revista Senhor. Ele já tinha trabalhado em Visão, depois na Manchete. Mas quando ele chega em Senhor está pronto para fazer uma revista importante, que foi o que ele fez. O que ele fez? Fez o que o Cruzeiro fez na época de seu sucesso. Botou um nível de gente escrevendo, desenhando, layoutando e fotografando que era a nata do jornalismo brasileiro.

Você fala que o problema é do tempo. O leitor de hoje não tem tempo, ele está muito dividido, muito exigido, tem muita oferta de informação em todo canto, na rua, no telefone celular. O que vai acontecer com os jornais e as revistas daqui para frente? Será que vamos dar adeus ao Gutenberg?

T.S.C. ? Não, não vamos dar adeus ao Gutenberg. Com todo respeito, se você tiver uma visão limitada de Gutenberg, no sentido de que o que Gutenberg faz é letra sobre papel, eu acho que ele não vai durar muito. Agora, se você fala no sentido de que é letra preta sobre superfície branca ? no fundo, a grande invenção foi essa ? tem muito caminho. Eu acho que as revistas de interesse geral têm um futuro muito difícil pela frente, porque os interesses estão sendo escanteados. As pessoas não têm tempo para ver o geral, mas eu te garanto que elas têm tempo para ver o específico. Isso me faz supor que nós vamos ter, num futuro de médio prazo, um aumento das revistas de pequena tiragem e de assuntos específicos.

Com mais qualidade.

T.S.C. ? Qualidade naquilo que eu quero. Eu estou falando assim: os Estados Unidos têm revistas de pesca sobre peixes de mar, peixes de rio e peixes de lago. A geração seguinte de revistas de pesca é sobre a pesca de determinados peixes, porque tem gente que só pesca um tipo de peixe, então essa gente já tem a sua revista. Isso não tem limite, você pode levar isso ao que for. Com uma vantagem, que é a internet. Se você está tratando de um assunto específico com alguém específico, essa interatividade de informação que se produz na internet faz com que ela seja a extensão eletrônica da revista. A revista continua, mas o serviço vai ser complementado pela internet.

Será que o que está faltando, no caso brasileiro, é um pouco mais de cultura? Porque o primeiro jornal brasileiro era uma revista, o Correio Braziliense, e era literário. Não está faltando um pouco de ilustração? O leitor não tempo, mas ele quer ser ilustrado, ele quer sair ganhando depois de perder algumas horas lendo uma revista. Você não acha que está faltando isso?

T.S.C. ? Eu acho que você está fazendo uma visão do leitor um pouco romantizada. Como você sabe, a gente faz muita pesquisa. E, aqui, para que eu fale da minha experiência destes 40 anos de Abril, é preciso que se diga o seguinte: a Abril é uma editora que quer fazer grandes revistas. Ela não quer falar com pouca gente. Ela quer falar com muita gente. A máquina é grande, cara, e, para falar com muita gente, você tem que fazer muita revista e atingir um público muito definido, para não ter essas coisas de "eu estou perdendo meu dinheiro em publicidade". Essa questão é importante. No nosso caso, isso é muito importante. O conceito de cultura é entendido pelo nosso leitorado aí na rua de maneiras tão diferentes que ,quando você fala em cultura, é uma outra coisa. Qualquer revista que a gente venha a fazer nesta sua linha, acho que não vamos fazer na Abril, porque vai falar com pouca gente. Infelizmente, porque eu adoraria fazer.

E esse não é o nosso problema? Esse problema de que, quando a gente fala em cultura, toca em pouca gente?

T.S.C. ? Toca em pouca gente, mas isso é um problema que nós não vamos resolver.

O que nós vamos fazer daqui para frente no Brasil? O que temos que fazer, além de investir, buscar talentos?

T.S.C. ? O futuro para mim tem duas coisas importantes a se fazer. Primeiro, a gente precisa continuar muito ligado no que está acontecendo no Brasil e no mundo, em termos de coisas que possam inspirar novas revistas. O novo assunto inspirador de revistas, de novo nos Estados Unidos, é espiritualidade. Então, Oprah Winfrey, que é uma grande apresentadora de televisão, se junta com a Hearst, que é uma grande editora, e produz uma revista chamada O, com a Oprah na capa em todas as edições. Com dois milhões e meio de exemplares vendidos, o mais rápido crescimento de revista dos últimos anos, é uma revista de espiritualidade. Ela fala de como você se sentir bem na vida, dando o exemplo dela.

Tipo auto-ajuda.

T.S.C. ? Eu tenho medo da expressão auto-ajuda, mas é mais ou menos por aí. Mas tinha a Oprah, que é uma grande estrela da televisão, e isso ajudou. Time Inc. produz uma revista chamada Real Simple, quer dizer, a vida simples. E é uma revista que, se você olha para ela, você descansa.. Não que você durma, porque ela é chata. Você descansa porque ela consegue realmente vender uma coisa de paz espiritual. Ela fala de casa, corpo, alma e saúde. Quando nasceu a revista eu falei: não pode dar certo. Porque ela era um pouco, digamos assim, abstrata. Eles deram uma corrigida, mandaram a diretora do primeiro número embora quando saiu o segundo. A última edição apareceu dando uma volta no tempo com serviço para a simplicidade, quer dizer, quais são as coisas que você tem que comprar, que fazer, que ler, para que você se torne uma pessoa simples em uma vida simples e prazerosa.

Mas nós brasileiros somos um pouco mais complicados. Temos problemas como fome, exclusão, indignação, choques. Esta não seria uma fórmula que daria certo aqui no Brasil.

T.S.C. ? Não sei. Nas análises que a gente faz internamente, a gente acha que falta indignação nas nossas revistas. Há assuntos em que a gente deveria ser muito mais indignado do que é. Indignação mesmo. Eu sou um representante do povo. Se o povo está indignado com alguma coisa, eu tenho que estar também. Eu tenho que ser o veículo dessa indignação.

E por que não são mais indignados?

T.S.C. ? Não sei. Eu acho que háaacute; uma prudência no jornalista, talvez em excesso. Acho que há um medo de que a indignação vire sensacionalismo. É difícil fazer e ver qual é o ponto certo disso, porque você está lidando com uma coisa de fronteiras. Ou elas são muito definidas, ou você cai de um lado ou de outro e vira sensacionalista sem querer. Eu acho que a dificuldade de como achar esse tom é complicado. Acho que ainda não estamos lá.

Você falou da capa da Time sobre Deus, e falou também dessa matéria sobre meditação da própria Time. Você acha que Deus leria revistas?

T.S.C. ? Eu estou seguro de que Deus navega na internet o dia inteiro. Ele não precisa mais nem de jornal nem de revista. Ele já está no futuro.