Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Teste de fôlego para as redações

BLECAUTE EM FLORIPA

Rogério Christofoletti (*)

Florianópolis vivia uma tarde comum de quarta-feira [29/10], quando, às 13h16, o abastecimento de energia foi interrompido. Foi um segundo e em seguida havia uma ilha inteira sem eletricidade, 300 mil pessoas atônitas e sem saber o que teria causado aquilo. Em minutos, as primeiras informações: uma explosão numa galeria sob a ponte Colombo Salles, que interliga a Ilha de Santa Catarina ao continente, teria rompido um importante cabo elétrico, deixando todos os ilhéus às escuras.

A partir daí, e por longas 55 horas, o que se viu foi um rosário de transtornos para toda a população da maior parte da capital catarinense. Para a mídia local, foi um teste dos mais ferrenhos, que durou dois intermináveis dias. A demora no restabelecimento da energia obrigou o adiamento nos fechamentos das edições, provocou o alargamento de jornadas de trabalho e deixou elétricas as redações dos principais veículos de comunicação. Isso porque se percebeu que o acidente era mais grave do que se supunha, e os reparos não seriam tão fáceis. Foi necessário trabalhar com estratégia e inteligência, racionalizando a divisão de tarefas e fazendo as equipes renderem além do comum. Não bastassem os muitos desdobramentos do apagão, ainda estavam na pauta a Futurecom ? feira nacional de telecomunicações ? e a décima etapa do campeonato mundial de surfe, eventos que a cidade recepcionava naqueles dias.

Como em operações de guerra, na cobertura do blecaute em Florianópolis os recursos disponíveis e a localização foram fundamentais para o bom desempenho de alguns veículos de comunicação. Deu-se bem quem tinha redação na parte continental da cidade ou quem dispunha de geradores de energia que fornecessem a eletricidade necessária. Foi o caso dos veículos do Grupo RBS: o jornal Diário Catarinense, a RBS TV, retransmissora da Globo, o canal a cabo TVCOM e a rádio CBN Diário. Juntos, conseguiram fazer uma cobertura de fôlego dos dois dias de blecaute, aliando agilidade e conteúdo.

Se na Ilha ninguém podia se informar pela televisão, a saída foi a volta ao rádio de pilha. Pensando nisso, a CBN Diário dedicou toda a programação à cobertura do blecaute, entrevistando mais de 100 pessoas envolvidas no assunto e ultrapassando as 50 horas de transmissão direta. Para reforçar a equipe, a TVCOM se aliou à rádio, deslocando seus jornalistas para o pool de cobertura. De São José, cidade vizinha da capital na porção continental, o escritório da RBS TV dava suporte à matriz na Ilha.

Na sexta, concorrência

Ainda no continente, com energia elétrica, a redação do Diário Catarinense produziu material de peso nas páginas do jornal que o leitor recebeu na quinta, 30. Farto em informações e em flagrantes captados pelos fotógrafos, o jornal esgotou-se rapidamente nas bancas. A manchete "Caos na Ilha" e o assunto dominando toda a primeira página chamaram a atenção de quem queria saber mais sobre o apagão.

Com menos sorte, a sucursal do concorrente A Notícia teve que se desdobrar para trazer as informações mais importantes a seus leitores. É que a redação do diário de Joinville fica no centro da Ilha e, portanto, estava às escuras como o resto da cidade. Com menor número de profissionais do que o Diário e limitações operacionais, A Notícia mandou a maioria de seus repórteres para a rua, mas manteve alguns na rádio-escuta. Para enviar as matérias à matriz o jornal usou as estruturas domésticas de alguns repórteres que moram na parte iluminada da cidade. O resultado no outro dia foi uma edição limitada em apenas duas páginas e meia, com textos mais descritivos e pouca personalidade. A manchete da quinta, 30, foi "Capital enfrenta caos com apagão prolongado", e a capa trazia comunicado informando que o jornal não veicularia dois de seus cadernos por causa do blecaute, já que eram produzidos na capital e haviam sido prejudicados.

A cobertura ganhou maior fôlego no dia seguinte, a sexta, 31. Com seis páginas e 19 profissionais envolvidos na pauta, A Notícia foi as ruas com a manchete "Florianópolis decreta emergência e fecha ponte Colombo Salles". Outra vez o suplemento ANCapital, voltado para a Grande Florianópolis, não circulou, mas o resultado que o leitor encontrou desta vez pareceu mais organizado e elaborado, suficiente para disputar com a concorrência. O Diário Catarinense manteve o tom e estampou "Florianópolis em emergência" na capa do dia 31. No miolo, seis páginas bem recheadas de fotos e textos-legendas.

Falhas mais visíveis

Na cidade, filas se formavam para atravessar as pontes, técnicos viravam noites esticando cabos e policiais rondavam as ruas. As famílias dormiram mais cedo, as buzinas não foram acionadas nos engarrafamentos, apenas algumas ocorrências policiais chamaram a atenção e o governador não deu um pio sobre o caso. Só falou quando o abastecimento foi restabelecido por completo na noite da sexta, 31, pela TV. A água vai chegar aos poucos, anunciavam as rádios e as televisões. Com luz, houve até concerto de rock no norte da Ilha para os surfistas que esperavam que as ondas melhorassem para a etapa do mundial.

Veio o sábado chuvoso, e as bancas de jornais exibiram edições robustas, fazendo bom rescaldo do blecaute. A Notícia trouxe "Florianópolis apura prejuízos do apagão" em três páginas, e retornou com o suplemento ANCapital ainda integrado ao segundo caderno, destinando quatro páginas ao tema. O jornal parecia estar retomando a rotina. O Diário Catarinense, por sua vez, veio com "É o fim do pesadelo?", manchete que simula interrogação constante no imaginário do ilhéu recém-traumatizado. No sábado à tarde, o Diário de domingo retomava o assunto na manchete "As fragilidades de Florianópolis", exibindo o temor de diversos setores de um novo colapso energético.

Por mais que se tenha dito nestes três dias de cobertura, ainda há pontos a serem esclarecidos sobre as causas do acidente que provocou o blecaute e sobre quem deve ser responsabilizado.

Neste sentido, a mídia florianopolitana, nos primeiros dias, não insistiu em buscar culpados, focalizando mais os aspectos técnicos e de prestação de serviços à comunidade. A escolha pode ser questionável, mas a opção inversa, por outro lado, não seria totalmente a mais correta. Acidentes como o blecaute de Florianópolis ensinam muito porque obrigam os meios a produzir um noticiário de qualidade e de fôlego em pouquíssimo tempo; ensinam muito porque incitam os profissionais a rever suas certezas sobre quem é seu público e o que ele espera; ensinam muito porque sinalizam as menores falhas, sempre mais visíveis nas grandes coberturas. Tudo isso contribui para um jornalismo melhor. Mesmo às escuras, isso parece claro.

De novo

Pouco depois de escrever o texto acima, às 19h10 do sábado (1/11) Florianópolis sofreu um novo apagão. Foram mais quatro horas de escuridão, indignação e falta de informação. Desta vez, os jornais não puderam acompanhar de perto os demais meios. As emissoras de rádio ? principalmente a CBN-Diário e a Guararema, ambas emissoras AM ? tiveram um papel fundamental na interligação da comunidade. Rápidas e ágeis, as equipes estavam em todos os locais: junto aos técnicos que faziam os reparos, nas principais ocorrências policiais, nos gabinetes das autoridades, ouvindo os moradores. O radiojornalismo voltou com força impressionante, chacoalhando quem o julgava moribundo. E isso às vésperas do dia de Finados.

(*) Jornalista