Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa argentina não quebrou. Ainda

CRISE PLATINA

Wladir Dupont (*)

Como os brasileiros, os jornalistas argentinos também causaram certo estremecimento na platéia do 4? Encontro Europa-América Latina (Fórum de Biarritz), realizado no último fim de semana em Vale de Bravo, México, não só por causa da franqueza de suas opiniões, expressadas em sotaque típico, como por aproveitarem o clima de expectativa inicial gerado pelo governo de Néstor Kirchner ? e suas relações amistosas com Lula.

Numa conversa com o Observatório da Imprensa, Ricardo Kirschbaum, diretor de redação de El Clarín e Rosendo Fraga, colunista político de La Nación, os dois grandes e tradicionais jornalões argentinos, deixaram claro (não antes de fazer perguntas sobre a imprensa brasileira e o governo Lula) alguns aspectos da situação atual da imprensa de seu pais. Abaixo, fragmentos dessa conversa a três:

** Não, a imprensa argentina não está quebrada. Ainda. A situação do setor é delicada, mas isso também se deve à própria situação econômica do país, de crise geral. A dívida da imprensa é considerável, mas vem sendo administrada com inteligência e determinação. O governo não vai ajudar. Os donos de jornais tratam de negociar as dívidas com seus credores, querem e precisam recuperar mercado e leitores. E mais: uma lei federal impede que bancos estrangeiros processem e executem meios de comunicação locais. A circulação caiu, sem dúvida, mas aqui, de novo, entram os reflexos da crise geral.

** Na Argentina, tradicionalmente, até mesmo pela formação cultural do país, a palavra escrita tem uma hierarquia de credibilidade, o que permite evitar a disputa no tapa da notícia impressa com a televisão ou o rádio. No fundo, a imprensa diária influi muito sobre as pautas do rádio e da TV. A imagem da imprensa escrita ainda é positiva até certo ponto, ao redor de 40% nas pesquisas.

** Quanto as relações do novo governo com a imprensa, a situação é parecida com a do Brasil: acabou a fase de paixão, dos primeiros seis meses. Os jornais estão atentos, sim, mas surge um fator complicador: a imprensa, acossada pelos mesmos problemas econômicos do país, altamente endividado, se vê forçada a apoiar o governo em sua fase inicial, a não piorar ainda mais a situação, a moderar suas críticas, pois estão todos no mesmo barco. Mas nem por isso jornalistas respeitados deixam de dar seu recado, competente e enérgico, ao governo.

** A imprensa escrita argentina tem no El Clarin (circulação média diária de 420 mil exemplares) e no La Nación (idem, 250 mil exemplares) seus dois grandes veículos impressos. Circulam também o Página 12, três jornais de economia (Ámbito Financiero, El Cronista e Bae) e dois jornais populares (La Crónica e El Popular).

** Ricardo Kirschbaum, diretor de redação de El Clarín, lembra com saudades do Jornal do Brasil dos anos 1980, na época dirigido por Rosental Calmon Alves, e do qual ele era correspondente em Buenos Aires. "?Como era bueno el JB, che!"

(*) Jornalista e escritor brasileiro radicado no México